Murilo Salles apresenta cinco filmes na Mostra SP
Cinco filmes de Murilo Salles estão na Mostra Internacional de Cinema de SP 2014: a ficção “O Fim e os Meios”, o documentário “Aprendi a Jogar com Você” e o projeto “Performance Tunga” (composto de três curtas-metragens). Estes três curtas são exibidos – e debatidos pelo cineasta, com participação do crítico Paulo Sérgio Duarte – no MIS-SP.
O autor de “Como Nascem os Anjos” também participa da série “Os Filmes da Minha Vida” (que este ano contará com o crítico francês Jean-Michel Frodon, com Bráulio Mantovani, Helvécio Ratton, entre outros). E, ainda, integra o júri da Mostra (que premiará obras de realizadores de até segundo longa-metragem). Murilo acaba de ganhar o Prêmio Redentor, no Festival do Rio, pelo roteiro de “O Fim e os Meios”, coprodução RJ-DF.
Leia abaixo texto de Murilo Salles sobre sua mais nova ficção.
“O Fim e os Meios” é um filme no qual a forma assume o lugar de conteúdo. É um filme que tenta dar conta de como a corrupção se impõe entre nós. Ela corrói os personagens, tal como corrói o país.
Não existe mais, a essas alturas do campeonato, a necessidade de uma busca pela “gênese” da corrupção no Brasil. Ela virou uma “forma”. Todos nós, de alguma maneira, e com envolvimentos diversos, somos, no mínimo, coniventes e até mesmo cumplices da corrupção. No exercício dos pequenos delitos do dia a dia. Portanto, não faz muito sentido perder tempo com um filme-denúncia. Ela está nas páginas dos jornais todos os dias.
O filme narra na superfície da imagem, age na epiderme, contando a história de uma relação implausível entre duas pessoas, forjada por uma gravidez não desejada, que encontra na decisão de mudar para Brasília a solução para seus impasses. A partir daí começa-se a perceber como nossa capacidade adaptativa atua, a tal acomodação às situações de conflito.
O filme torna-se fluido, impalpável. Não estabelece com clareza quem é do bem, quem é do mal. Muito menos com quem identificar-se. Melhor, o filme suspende a identificação. Esse desconforto serve para alertar que somos todos implicados em tudo. Talvez esteja aí uma possível nova abordagem desse tema tão esgarçado. Porque com a corrupção não há vencedores nem vencidos, ela destrói por dentro, silenciosa e lentamente, a tudo e a todos. O Poder reina sobre aquilo que ele consegue interiorizar.
Forma é conteúdo. Portanto, focamos nos ícones de nossa história-geográfica: a floresta Atlântica, o país dos insetos. O mar – o litoral, nossa imensa costa e seus coqueiros onde cantam as sabiás. E o vento, muito vento. A Casa Grande: onde mora o Senador Coronel do sertão; o canavial de onde o Brasil extraiu, pelo escravismo, sua primeira grande riqueza – e onde Paulo se defronta com o resultado de sua missão: 5 milhões. Brasília é o país do futuro, não do presente. O doce veneno do poder e as relações sexualizadas entre a Casa Grande e a Senzala. Isso inscreve-se inconscientemente como uma iconografia sensório-afetiva, conhecida de todos nós brasileiros. Essa é a lição de Raízes do Brasil. Nossa “cordialidade”. É aí onde pretende-se chegar.
O Fim e os Meios é um filme-impasse. É a tentativa de fazer com que “imagens de pensamento” fiquem no inconsciente, nos incomodando, nos questionando.
Por Murilo Salles, cineasta e diretor de fotografia (em “Dona Flor e seus Dois Maridos”, “Tabu”, “Árido Movie” e dezenas de outros). Dirigiu os filmes “Nunca Fomos Tão Felizes”, “Faca de Dois Gumes”, “Todos os Corações do Mundo” (doc), “Como Nascem os Anjos”, “Seja o que Deus Quiser”, “Es Tu Brasil” (doc), “Nome Próprio”, “Aprendi a Jogar com Você” (doc) e “O Fim e os Meios”.