À Procura

Um estilo pode se tornar uma espécie de camisa de força? A repetição de alguns recursos e estratégias, de uma maneira particular de fazer cinema, pode enfraquecê-la? São perguntas inevitáveis diante dos últimos filmes do cineasta egípcio naturalizado canadense Atom Egoyan. Sejamos claros: Egoyan, na verdade, sempre teve mais queda pela angústia e a dificuldade resultantes de determinadas decisões causadas por um certo evento do que pelo evento propriamente dito. Isto está lá em suas obras mais famosas, como “Exótica” (1995) e “O Doce Amanhã” (1997), quando o realizador foi, talvez apressadamente, alçado ao panteão dos autores do cinema contemporâneo com um cinema rebuscado, embalado em travellings, camadas narrativas inicialmente desconexas, tortuosos dilemas psicológicos, alguns traumas e questões como identidade. O tempo passa e a filmografia do canadense demonstra uma incapacidade em ampliar seu leque de possibilidades cinematográficas. Egoyan tornou-se, antes de tudo, um estilo.

Em “The Captive” (“À Procura”), lançado internacionalmente no último Festival de Cannes, o cineasta fala mais uma vez das tensões e dificuldades de se deparar com as coisas inexoráveis do mundo e nos oferece um conjunto de camadas sucessivas que se escalonam em torno de um trauma. Acompanhamos a história de Matthew (Ryan Reynolds) e Tina (Mireille Enos). Eles têm a filha de nove anos, Cass (Peyton Kennedy/Alexia Fast), raptada. Os policiais Nicole (Rosario Dawson) e Jeffrey (Scott Speedman) assumem o caso, mas nada descobrem. A primeira pista sobre a garota surge apenas seis anos depois, quando a polícia passa a investigar uma grande rede de pedofilia. Cass, aliás, ao que tudo indica, ainda em cativeiro, possui um importante papel na organização, aliciando outras crianças pela internet – além de alimentar uma relação pra lá de bizarra com seu raptor, Mika (Kevin Durand).

A trama segue tortuosa, movendo-se por camadas sucessivas, sejam elas narrativas ou temporais, acompanhando desde o rapto da menina até a investigação policial, seis anos mais tarde. Nada, no entanto, parece justificar o vai e vem. Uma certa confusão parece inevitável. Os personagens são grosseiramente caracterizados (sobretudo o vilão, pálido, afeminado, inteligente, calmo e amante de ópera), e, embora suas motivações e interesses sejam quase sempre óbvias, nos levando a antecipar um drama que se pretende surpreendente a cada esquina, suas trajetórias são marcadas por incongruências. Como é possível aquela relação sequestrada-sequestrador? Como o personagem de Speedman foi parar naquela divisão? Como ele pode ser tão estúpido com Mathew? O que aconteceu com a policial vivida por Dawson? Como se explica a relação amorosa entre eles?

“The Captive” é ainda um thriller movido pela noção de que as tecnologias de vigilância e a internet podem criar um ciclo perverso de manipulação, em que crianças são raptadas, abusadas, e, em seguida, acabam sendo usadas para capturar mais e mais vítimas. Ok. Interessante, não? Egoyan, contudo, ignora os horrores reais do sequestro e da pedofilia. O luto que se apossa dos pais da menina tampouco se expressa em seus pormenores cotidianos. O que nos chega, o que interessa realmente ao cineasta canadense, são ideias, travellings elegantes pela casa do vilão, diálogos inteligentes, desentendimentos em altos decibéis, relatos à base de um informatiquês especializado etc. E assim, ao não tocar em algo para além dos inefáveis tecidos da memória ou da angústia, o filme se torna um tanto estéril.

À Procura
(The Captive, EUA, 113 min., 2014)
Direção: Atom Egoyan
Distribuição: Imagem Filmes
Estreia: 4 de dezembro

 

Por Julio Bezerra

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