Cine PE volta a falar português
O festival de cinema mais badalado do nordeste, o Cine PE, que se realizará em Recife, entre os dias 2 e 8 de maio, está mudando de endereço, da imensa sala com três mil lugares, do Centro de Convenções Guararapes, para o Cine São Luiz, com 997 assentos. Mas isso não tira o brilho do festival que sempre teve o maior público durante suas sessões. Outra mudança é que o festival voltou o seu foco para o cinema brasileiro e de língua portuguesa, após algumas experiências de se tornar um evento internacional.
Foram selecionados sete filmes para concorrer ao troféu Calunga; o longa português “Cavalo Dinheiro”, de Pedro Costa, e seis brasileiros: as ficções “O Vendedor de Passados”, de Lula Buarque de Hollanda; “O Amuleto”, de Jeferson De, e “Permanência”, de Leonardo Lacca, e os documentários “O Gigantesco Imã”, de Petrônio Lorena e Tiago Scorza, “Mães do Pina”, de Leo Falcão, e “Aqui deste Lugar”, de Sérgio Machado e Fernando Coimbra. O filme de abertura será a produção britânica “O Exótico Hotel Marigold 2”, de John Madden, com elenco estelar de simpáticos velhinhos; Maggie Smith, Judi Dench, Tom Wilkinson, Bill Nighy e Richard Gere. A curadoria de seleção foi composta por Sandra Bertini, Alfredo Bertini e Rodrigo Fonseca.
Competição e ineditismo
O conceito radical de ineditismo só pode ser aplicado a dois dos sete filmes selecionados. “O Amuleto” e “Mães do Pina”. Cinco dos selecionados tiveram exibições nacionais ou internacional, como “O Vendedor de Passados”, mostrado no Festin, em Portugal, “O Gigantesco Imã”, exibido na Mostra do Cinema Livre, e “Aqui deste Lugar”, exibido em sessão para convidados no Farol de Cinema, em Fortaleza. “Permanência” e “Cavalo Dinheiro” já passaram por diversos festivais.
O documentário “Aqui deste Lugar”, do baiano-carioca Sérgio Machado, diretor de “Cidade Baixa”, em parceria com o cineasta paulista Fernando Coimbra, diretor do festejado “O Lobo Atrás da Porta”, retrata a realidade brasileira através de cinco famílias nos Estados do Piauí, Ceará, São Paulo, Rio Grande do Sul e Amazonas, todas beneficiárias do Bolsa Família, maior programa de transferência de renda do mundo. Outra dupla de diretores, Petrônio Lorena e Tiago Scorza, estão competindo com o documentário “O Gigantesco Imã”. O primeiro longa dos dois centra o foco no inventor Evangelista Ignácio de Oliveira, 85 anos, pernambucano de Serra Talhada, incansável criador de máquinas voadoras e de outros objetos curiosos e divertidos. O “inventor sertanejo” vive de reprocessar sucatas industriais. A descoberta do personagem pela dupla se deu no festejado curta “O Som da Luz do Trovão”.
“O Amuleto”, novo filme de Jeferson De, autor do “Dogma Feijoada”, já foi definido como um thriller teen. Rodado em Santa Catarina, com atores brancos e no universo da mitologia açoriana, dá a entender que o cineasta abandonou temporariamente o universo black? Deixando o papel de “Spike Lee brasileiro” para Joel Zito Araujo, diretor de “A Negação do Brasil”? Lula Buarque de Hollanda, conhecido por vários longas documentais, chega ao Recife com “O Vendedor de Passados”, seu segundo título ficcional. O filme, baseado em livro homônimo de José Eduardo Agualusa, importante ficcionista angolano, teve boa acolhida no Festin, em Lisboa.
O documentário “Mães do Pina”, do pernambucano Leo Falcão, registra a força das mães que constroem a identidade cultural e religiosa do bairro do Pina, no Recife. As mães-de-santo e o candomblé são mostrados através de cerimônias, terreiros e maracatus. Na trilha sonora, cantos de Yakekeré Mãe Joana da Óxum e Mestre Chacon Viana.
Já “Permanência”, o primeiro longa de Leonardo Lacca, diretor de curtas como “Décimo Segundo”, reúne um time de grandes atores; Irandhir Santos, Genésio de Barros, Sabrina Greve e Vera Barreto Leite. O filme registra a história de um fotógrafo pernambucano, que viaja a São Paulo para apresentar sua primeira exposição individual e decide se hospedar na casa da ex-namorada, hoje casada. O diretor contou, na retaguarda, com um time de jovens talentos do cinema pernambucano, como Pedro Sotero na fotografia e Juliano Dornelles na direção de arte.
O filme português “Cavalo Dinheiro”, de Pedro Costa, festejado realizador de “Casa de Lava” e “Ossos”, tem em Ventura (o próprio) seu protagonista. Ele veio de Cabo Verde para Lisboa. Na África, deixou seu cavalo de nome Dinheiro. O filme foi definido como “uma sussurrante alegoria sobre o colonialismo português trasladado a Lisboa e mantido, ainda hoje, nas costas dos imigrantes”. Caso de Ventura, figura recorrente nos novos filmes do cineasta português.
Curtas-Metragens
O Cine PE promove duas mostras competitivas de curtas-metragens. Uma nacional, com nove títulos, e uma pernambucana, com sete. São Paulo e Rio participam com duas produções cada; as ficções paulistas “Vestibular”, de Toti Loureiro e Ruy Prado, e “Como São Cruéis os Pássaros da Alvorada”, de João Toledo, e os cariocas “Simulacro”, ficção de Miguel Moura, e a animação “Até a China”, de Marão.
Pernambuco se faz representar pelo documentário “Bajado”, de Marcelo Pinheiro, cineasta que participa também da Mostra Pernambucana, com “Xirê”. O Ceará marca presença com o documentário “Fim de Semana”, de Pedro Diógenes e Ivo Lopes Araújo. Minas Gerais, com “Palace Hotel”, de Cao Guimarães (doc). Santa Catarina se faz representar pelo ficcional “O Segredo da Família Urso”, de Cíntia Domit Bittar, autora do badalado “Que Queijo Você Quer?”, e o Paraná, por “Alegria”, ficção de Hsu Chien Hsin.
Quatro personagens do cinema, política, literatura e da música serão homenageados, todos nordestinos. A atriz e diretora Helena Ignez é baiana e o compositor e, agora, cineasta Alceu Valença é pernambucano. Os dois receberão um troféu Calunga especial pelo conjunto de sua obra artística. Homenagens póstumas serão feitas a dois importantes nomes da região: o paraibano-pernambucano Ariano Suassuna (1927-2014), e o ex-governador Eduardo Campos (1965-2014).
Por Maria do Rosário Caetano