O mundo onírico de David Lynch
Que mente tem um cineasta que leva as pessoas por caminhos tortuosos, tenebrosos, onde a morte é casual? David Lynch é uma dessas mentes criativas capaz de gerar em seus personagens mentes “doentias”, em filmes como “Veludo Azul” e “Império dos Sonhos”. Mas, no livro “Em Águas Profundas – Criatividade e Meditação” (Editora Gryphus), ao contrário de uma mente atormentada, David Lynch mostra que sua mente é iluminada, sem quaisquer vestígios dos processos gerativos de sua arte, que parece ter a cor das trevas. Por se tratar daquilo que deveria e poderia ser, e não do que é, e da necessidade de ser diferente, as lições contidas no livro acabam servindo mesmo é como autoajuda na maioria de seus verbetes, um livro de conselhos.
Nesse contexto, o livro é perfeito. Parte do princípio de que a prática da meditação é uma espécie de filtro de limpeza da mente, que a torna mais criativa, e que isso se desdobra em pensamentos que podem elevar seus praticantes à sublimação. O livro é composto de pequenas anotações reflexivas, e se divide sobre seu mundo da yoga e da meditação, religião, intuição, o passo da vida, luz interior e outras formas subjetivas da vida, e sobre o mundo do cinema, da arte de criar, do gosto pelos filmes.
Em resumo, David mostra nas entrelinhas como amansa os monstros de sua mente, como controla seus simulacros emocionais com o ato de meditar, e como o cinema o tornou um sábio que pode dizer que gosta de pescar ideias. Em uma das anotações intitulada “Terapia”, Lynch diz que procurou um psicanalista, e ao entrar no consultório perguntou a ele se, de alguma maneira, esse processo psicanalítico poderia prejudicar sua criatividade. O psicanalista respondeu que sim. Imediatamente, Lynch apertou sua mão e se mandou. Imagina se o cineasta gostaria de engaiolar seus demônios, sua verdadeira fonte de inspiração.