Festival de Gramado – “Cabelo Bom” e homenagem a Pitanga somam-se ao road-movie “Pela Janela”

Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado

A sexta noite da mostra competitiva de filmes brasileiros e latinos do 45º Festival de Gramado começou com o forte discurso de Swahili Vidal e Cláudia Alves, diretor e codiretora do curta-metragem “Cabelo Bom”, e seguiu com emocionada homenagem ao ator Antônio Pitanga, acompanhado da filha, a atriz e diretora Camila Pitanga. Ele recebeu o Troféu Cidade de Gramado.

Swaili e Claudia defenderam, ao apresentar seu curta documental, políticas públicas destinadas à inclusão social, em especial dos negros, “pois somos 54% da população brasileira”. Os dois lembraram que “Cabelo Bom”, sólido relato sobre a pressão estético-social contra cabelos crespos de meninas pretas, foi fruto de edital destinado a realizadores afro-brasileiros. “Edital”, enfatizaram, “realizado no governo anterior, e que, esperamos, não seja descontinuado”.

Ao longo de 15 minutos, “Cabelo Bom” ouve relato de três jovens negras, que contam o quanto sofreram, desde a infância, por não terem cabelos lisos. Elas lembram o uso de produtos de química pesada criados para “domar” seus cabelos (“será que somos animais selvagens”?) ou para esticá-los. Até que, chegada a etapa da autoafirmação, assumiram penteados livres de químicas e alisamentos. O filme, de ótima carpintaria, trabalha com dois explosivos materiais de arquivo, vistos como transparências e fundo na tela grande: fragmento de conversa (com amigas) de jovem norte-americana, militante dos Panteras Negras, e encantadora fala de criança orgulhosa de sua aparência. A menininha mostra seus cabelos black-power e conta: “não é peluca, é cabelo e eu sou pleta mesmo (assim mesmo, trocando o r pelo l)”. Este registro viralizou na internet.

Antônio Pitanga, por sua vez, falou da alegria de ver seus quase 60 anos de carreira (ele está com 78) condensados no documentário “Pitanga”, dirigido por sua filha Camila e pelo “filho adotivo” Beto Brant. Definiu-se como um capoeirista baiano, que poderia ter virado um “capitão da areia”, mas que encontrou no cinema a sua razão de viver e a sua profissão. Participou de mais de 60 filmes. Agradeceu “aos gramadenses e a seu festival, que acompanha há mais de 40 anos, por troféu tão honroso”. Lembrou que passamos por momentos terríveis, como o do desmonte empreendido no Governo Collor, mas que o cinema brasileiro e o Festival de Gramado resistiram. Empolgou-se tanto, que esqueceu-se de falar de “Revolta dos Malês”, longa-metragem que marcará sua volta à direção cinematográfica, em parceria com Walter Carvalho.

A noite contou com mais três filmes: o curta-metragem “#feique”, de Alexandre Mandarino e Pedro de Castro, o longa uruguaio “El Sereno” (O Vigia), de Oscar Estéves e Joacko Mauad, e uma pequena joia brasileira, o road movie “Pela Janela”, da paulistana Carolina Leone.

A ficção de Mandarino e Castro não está à altura da seleção deste ano. É grandiloquente e superficial em sua abordagem de personagens fakes criados no espaço digital por jovens alpinistas. O longa uruguaio, o segundo vindo do pequeno país platino, também decepcionou. Depois do belo e consistente “Mirando al Cielo”, documentário de inspiração coutiniana de Guzmán García, vemos dois grandes atores – o argentino Gastón Pauls (o parceiro de Ricardo Darín em “Nove Rainhas”) e Cesar Troncoso (“O Banheiro do Papa”) – perdidos num filme indeciso entre dois gêneros (o terror e o thriller psicológico). O filme apela a trilha sonora tonitruante, excessiva e rebarbativa e se perde em narrativa confusa. Longe, portanto, de “A Casa”, filme de horror, de baixíssimo orçamento, que projetou o também uruguaio Gustavo Hernández em telas internacionais.

Gastón Pauls (irmão do escritor Alan Pauls) interpreta guarda-noturno que vai trabalhar num imenso depósito de estranhas mercadorias. O depósito, alma do filme, está para ser vendido e, consequentemente, demolido. Estranhos e insistentes barulhos tomarão conta da solitária noite do vigia e levarão a um segundo andar do depósito, espaço interditado. No meio da narrativa, saberemos que o protagonista está em coma e que a narrativa a que assistimos é composta com seus pesadelos. O público recebeu o filme com frieza glacial, mas no debate, a plateia dirigiu dezenas de perguntas aos dois realizadores e ao ator Armando Ugón (Pauls e Troncoso não vieram a Gramado).

Já o longa “Pela Janela”, que vem fazendo boa carreira em festivais internacionais (ganhou o prêmio da Crítica em Roterdã, na Holanda, e em Washington) é um filme sensorial, delicado, uma pequena obra-prima.

A estreia da curta-metragista e montadora Caroline Leone no longa-metragem passa, portanto, a figurar na lista dos filmes cotados ao Kikito principal (tendo como principais concorrentes os ótimos “Como nossos Pais” e “As Duas Irenes”). E há que se registrar: apareceu a grande rival de Clarisse Abujamra e Maria Ribeiro (mãe e filha no filme de Laís Bodanzky) na categoria “melhor atriz”, a paulistana Magali Biff. Vinda do teatro (ela só tinha feito um longa-metragem: “Deserto”, de Guilherme Weber), Magali arrasa na pele de Rosália, operária demitida do emprego aos 65 anos. Para sair de estado de profunda tristeza, o irmão José (o também excelente Cacá Amaral, de “Ação entre Amigos”) a leva para viagem até uma Buenos Aires periférica. No caminho, Rosália conhecerá as Cataratas do Iguaçu, em sequência de beleza sublime. O filme, produzido por Sara Silveira e Maria Ionescu, com parceiros argentinos, é um modelo de coprodução. Foi filmado em São Paulo, Paraná e em pequenas cidades argentinas, até chegar a Buenos Aires. E envolve atores e técnicos brasileiros e argentinos.

“Pela Janela”, a bela estreia de Caroline Leone, foi fotografado pelo pai da cineasta, Claudio Leone, e estreia na primeira quinta-feira de dezembro. Já estreou nos cinemas argentinos.

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