Oficina de roteiro com mulheres negras recebe inscrições
Um dos mais importantes consultores de roteiro da América Latina, o escritor cubano Eliseo Altunaga, parceiro de Pablo Larrain (Tony Manero, Neruda, No) e Andrés Wood (Machuca, Violeta Foi para o Céu) estará em São Paulo, em novembro, para ministrar uma oficina de roteiro e uma masterclass, no Espaço Itaú de Cinema Augusta. A ação é uma parceria entre o Espaço Itaú de Cinema e o site Mulheres Negras do Audiovisual Brasileiro.
A partir das inscrições, que vão até 15 de outubro, serão selecionadas 15 realizadoras negras de vários locais do país, que trarão argumentos a serem trabalhados em aulas práticas e teóricas conduzidas pelo escritor, proporcionando diálogos e reflexões que gerem ferramentas para o desenvolvimento de estruturas narrativas e personagens, para a escrita dos roteiros e para o futuro desenvolvimento de projetos audiovisuais no formato de curta-metragem.
Dados recentes sobre a participação de mulheres no audiovisual coletados pela ANCINE mostram que num país com 51% de mulheres, há apenas 19% nos cargos de direção e 23% em roteiro. Esses dados já são alarmantes, mas quando relacionados à questão racial, a situação se mostra ainda mais grave. Ainda que a população negra brasileira seja de aproximadamente 53%, o cinema não mostra esse cenário. A presença de pessoas negras nos filmes, séries, novelas etc., ainda é muito baixa e insuficiente. Tanto em relação à representação na frente das telas, quanto nas equipes atrás das telas.
Em pesquisa realizada em 2014, o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) da UERJ, buscou traçar o perfil de gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos longas-metragens brasileiros de maior bilheteria entre 2002 e 2012. O resultado mostrou que nosso cinema ainda é branco e masculino, tanto dentro como fora das telas. Dos 218 longas-metragens analisados, 86,3% foram dirigidos por homens, sendo que do percentual restante de 13,7% de mulheres diretoras, não há qualquer mulher negra, seja preta ou parda. Além disso, as mulheres negras representam apenas 4,4% das personagens dos filmes. A pesquisa mostra ainda que do universo de 412 roteiristas envolvidos nesses mesmos filmes, somente 26% eram mulheres e, novamente, nenhuma roteirista negra.
A predominância dessa maioria de homens brancos, enquanto realizadores, pode produzir um cinema que reafirma seus valores de gênero e raça e tende a difundir estereótipos e representações inadequadas dos demais grupos sociais, restringindo-os a funções subalternas e submissas. Além disso, tornam invisíveis aspectos culturais e identitários. Muitas vezes, essa ainda é a única voz e forma de representação que é acessível para a maior parte da população.
Os meios audiovisuais tendem a dar legitimidade à desigualdade e ao preconceito, justificando e naturalizando as violências físicas e simbólicas praticadas contra diferentes grupos, entre eles as mulheres negras.
O cinema e a televisão são meios que ajudam a formar a percepção das pessoas sobre o mundo e sobre elas mesmas. Quando uma pessoa negra vê um personagem negro de uma forma complexa, aprofundada, com sonhos e realizações, isso influencia diretamente em sua autoestima, ampliando possibilidades, caminhos e vontade de lutar por igualdade de oportunidades e por direitos. A ampliação da representatividade negra, garantindo uma maior diversidade de representações fortalece a democracia e enriquece o repertório de todos, independente da raça/etnia.
Nesse contexto, surge a Oficina de Roteiro com o roteirista e escritor cubano Eliseo Altunaga, que ocorrerá entre os dias 2 e 5 de novembro. Para se inscrever para o processo seletivo, é preciso preencher o formulário com dados, argumento e carta de intenções, através do site http://mulheresnegrasavbr.com/oficinaeliseo.html, onde também está disponível o regulamento. Das 15 vagas, oito serão destinadas a realizadoras residentes fora de São Paulo, que terão passagem e hospedagem pagas pela oficina.
Eliseo Altunaga também fará uma Masterclass, aberta ao público em geral, que abordará a construção do relato e dos pontos de vista narrativos, dialogando com questões de gênero e raça, na qual serão tratados, de forma mais resumida, alguns dos temas desenvolvidos ao longo do curso. A Masterclass ocorrerá no dia 6 de novembro, na sala 1 do Espaço Itaú Augusta, às 20h.