Paraíso Perdido
Música romântica, brega ou sofrência. Seja lá que nome se use para definir este gênero musical, acalanto da alma dos deserdados do amor, é a ela que recorre a cineasta baiana Monique Gardenberg, 59 anos, em seu novo longa “Paraíso Perdido”. O filme estreia neste feriado de Corpus Christi, 31 de maio, em algumas das maiores cidades brasileiras, com distribuição da Vitrine Filmes.
Paraíso Perdido é o nome de casa noturna comandada por José (Erasmo Carlos), seu filho Ângelo (Júlio Andrade), os netos Ima (Jaloo) e Celeste (Júlia Konrad) e um amigo (Seu Jorge), todos cantores. Se as melodias e versos bregas ficaram conhecidos como “música de corno” e floresceram em ambiente machista, tudo muda de figura em “Paraíso Perdido”. O repertório “anos 1970” está inteiro na trilha sonora organizada por Zeca Baleiro e pela própria Monique. Somam-se, em interpretações banhadas pelas cores fortes da fotografia de Pedro Farkas, sucessos de Odair José, Jair Amorim, Márcio Greyk, José Augusto, Reginaldo Rossi e até do rei Roberto Carlos. Mas as canções pontuam trama moderna, na qual as novas sexualidades são aceitas com imensa naturalidade. O velho José, dono do Paraíso Perdido, aceita amorosamente o neto, a cantora-travesti Ima (interpretada pelo cantor Jaloo) e a relação homoafetiva da filha Eva (Hermila Guedes), que vive tórrida história de amor com Milene (Marjorie Estiano). Sem que isto a impeça de amar, também, o policial Odair (Lee Taylor).
Odair e José, aliás, formarão aliança para proteger Ima, a cantora-travesti, de ataques homofóbicos. A entrada do jovem policial no seio da família do Paraíso Perdido é essencial à trama. Odair será, para o patriarca José, um anjo da guarda muito especial. No final da trama, que tem muito de folhetinesca (como as canções que a embalam), segredos familiares se revelarão.
“Paraíso Perdido” é quarto longa-metragem de Monique Gardenberg, produtora de grandes shows e diretora de teatro (de montagens importantes como “Os Sete Afluentes do Rio Otta”). Vale lembrar que ela estreou no cinema em 1990, com “Diário Noturno”, encabeçado por elenco estelar e produção tão caprichada, que o crítico (hoje roteirista e cineasta) David França Mendes o definiu como “curta portfloglio”. Ou seja, uma narrativa de curta duração, com cara de longa-metragem, que se oferecia como cartão de visita a futuros investidores.
O primeiro longa (“Jenipapo”, 1995) seria uma produção internacional, falada majoritariamente em inglês, com brasileiros servindo de coadjuvantes a dois protagonistas estrangeiros, o belga Patrick Bauchau e o canadense Henry Czerny. O filme teve recepção morna.
O longa seguinte – “Benjamin”, adaptação de romance de Chico Buarque, protagonizada por Paulo José e Glória Pires – também teve recepção aquém de sua matriz e de seu poderoso elenco.
A relação de Monique com o público se faria notável com a estreia da deliciosa comédia “Ó Pai Ó”, baseada em montagem do Bando de Teatro Olodum e protagonizada por Lázaro Ramos. O filme vendeu 500 mil ingressos e deu origem a vibrante série na Globo. A cineasta tomou gosto pelo diálogo com público mais amplos. Mas, mesmo assim, buscou e trilhou caminhos difíceis, complicados mesmo.
Quando leu crítica “extremamente negativa” à participação de Roberto Carlos, que realizara tributo a Tom Jobim (ao lado de Caetano Veloso e sob a direção dela), Monique se viu tomada de “imensa indignação” e comprometeu-se a realizar “um filme sobre a intolerância”. Consumiu, então, três anos escrevendo diversas versões do roteiro de “Caixa Preta”, recriação de romance do israelense Amós Oz. Mas, por tratar-se de projeto dependente de atores e coprodutores internacionais, “Caixa Preta” foi adiado.
A cineasta começou, então, a trabalhar na recriação do romance “Boca do Inferno”, de Ana Miranda. Foram mais dois anos de trabalho neste projeto de filme e série de TV. Que também foi adiado. Até a sequência de “Ó Pai Ó” sofreu revezes. “Três dos roteiristas do projeto” – conta ela – “tiveram que abandoná-lo pois envolveram-se em outros trabalhos”. Por isto, longos dez anos separam sua comédia black-baiano-olodúnica de “Paraíso Perdido”.
Com três projetos adiados, e que lhe custaram tantos anos de trabalho, ela resolveu “mergulhar no universo da música romântica, transformando uma boate num microcosmo do Brasil”. Ao desenvolver argumento e roteiro de “Paraíso Perdido”, fez questão de somar à envolvente trilha sonora tema que julga de importância vital em nosso tempo: “a tolerância ao diferente”. Escreveu o roteiro sozinha, tendo como ponto de partida um dos maiores hits da música romântica, “Impossível Acreditar que Perdi Você”, de Márcio Greyk. Ouvindo e reouvindo os maiores sucessos do brega nacional, Monique viu seu imaginário povoado por moça que chora, mulher que se vingou de quem lhe fez mal, esposa vítima de brutal violência doméstica e jovem que ganha a vida cantando em boate do centro de São Paulo.
Nasceram então, contou ela, “os quatro principais papéis femininos do meu filme: Celeste (a pernambucana Júlia Konrad), Eva (a também pernambucana Hermila Guedes), Nádia (a carioca Malu Galli) e Ima (a cantora-travesti interpretada por Jaloo)”. Jallo, “paraense nascido em Castanhal”, faz questão de lembrar que é amante confesso “da sofrência de Reginaldo Rossi, Bartô Galeno e muitos outros”.
Monique cuidou da seleção prévia das músicas que embalariam o filme e chamou o maranhense Zeca Baleiro para produzi-las (além de sugerir acréscimos). Como ela e Zeca têm ótimo trânsito nos meios musicais brasileiros, não houve maiores problemas na hora de negociar direitos autorais. Até Roberto Carlos, que gosta de criar empecilhos para uso de suas canções em filmes que julga erotizados ou com alguma aresta religiosa, nada fez para impedir o uso de “120…150…200 Km por Hora”, parceria com Erasmo (que afinal, está no elenco do filme). Este hit da dupla conta, inclusive, com a poderosa voz de Roberto, num dos mais cativantes momentos do filme.
A cineasta contou que tem ótima relação com o Rei, pois além de “Roberto Carlos e Caetano Veloso Cantam Tom Jobim”, coube a ela comandar outro projeto com repertório do maior parceiro de Erasmo: o show (e DVD) “Elas Cantam Roberto Carlos” (com grandes nomes da arte brasileira, cantoras, atrizes, como Marília Pera, e apresentadoras, como Hebe Camargo). “Liguei para ele, resumi o roteiro de ‘Paraíso Perdido’ e expliquei como a canção entraria no filme. Ele adorou e não criou nenhum obstáculo”.
Zeca Baleiro lembrou que só teve “um probleminha” a enfrentar: a liberação da música “De que Vale Ter Tudo na Vida”, de José Augusto. “A produção do filme” – explicou – “enfrentou um não da editora. Fui, então, falar com o próprio José Augusto e ele me contou que estava atritado com a editora, mas empenhou-se na liberação de seu sucesso e deu tudo certo”.
Há cenas de sexo tórridas em “Paraíso Perdido”. Principalmente, entre os personagens de Ima (Jaloo) e Pedro (Humberto Carrão, galã de novelas que teve desempenho notável no filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça). Mas, nos bastidores, corre intriga relativa à exclusão de um ménage à trois entre os personagens de Hermila Guedes, Lee Taylor e Marjorie Estiano.
Monique garante que a cena foi excluída na edição final (assinada por Giba Assis Brasil e Willem Dias), porque resultou “bela e elegante demais”. E, o mais grave, “sem tesão”.
– A culpa é minha, não dos atores, os três maravilhosos. Eu creio que dirigi muito bem as cenas de sexo entre os personagem de Jaloo e Carrão, os de Hermila Guedes e Lee Taylor, e os de Hermila e Marjorie. Já no ménage à trois, eu falhei. Falhei por excesso de zelo, por medo de ficar apelativo, por não saber como enquadrar. Tanto que busquei em “Violência e Paixão”, de Visconti (ela já recomendara a Erasmo Carlos que prestasse atenção no personagem de Burt Lancaster, em “O Leopardo”), a inspiração para a cena de sexo a três. No filme do mestre italiano, o personagem de Burt Lancaster ouve, de seu apartamento, o ménage a trois entre dois homens e uma mulher (que fazem sexo no apartamento superior). No nosso filme, os três são duas mulheres e um homem. Mas o resultado não ficou bom. Então, caiu na edição. Por esta razão, jamais por censura moral.
Paraíso Perdido
Brasil, 100 min., 2018
Diretora: Monique Gardenberg
Elenco: Erasmo Carlos, Júlio Andrade, Seu Jorge, Jaloo, Hermila Guedes, Lee Taylor, Malu Galli, Humberto Carrão, Felipe Abib, Júlia Konrad, Nicole Puzzi, Celso Frateschi
Fotografia: Pedro Farkas
Por Maria do Rosário Caetano
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