Brasil emplaca 4 filmes na disputa pelo Troféu Bandeira Paulista
Por Maria do Rosário Caetano
Desde o triunfo de “Cinema, Aspirinas e Urubus”, do pernambucano Marcelo Gomes, grande vencedor da Mostra Internacional de Cinema 2004, que o Brasil não entrava com representação tão significativa na disputa pelo Troféu Bandeira Paulista, prêmio máximo do festival paulistano.
Só podem concorrer ao “Bandeira Paulista”, prêmio desenhado por Tomie Otake, filmes de realizadores de até dois longas-metragens e que tenham sido pré-escolhidos pelo voto do público. Doze filmes de diversos países serão, agora, submetidos ao júri oficial da Mostra SP.
Os brasileiros são “Deslembro”, de Flávia Castro, “Meio Irmão”, de Eliane Coster, “Sócrates”, de Alex Morato, e a co-produção luso-brasileira “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”, dirigido pela paulistana Renée Nader Messora e pelo português João Salaviza.
Os quatro brasileiros enfrentarão oito longas internacionais: o dinamarquês “Culpa”, de Gustav Möller, o egípcio “Yomeddine”, de A. B. Shawky, o indiano “A Costureira dos Sonhos”, de Rohena Gera, o búlgaro “Ága”, de Milko Lazarov, os norte-americano “¡Las Sandinistas!”, documentário de Jenny Murray, e “O Mau Exemplo de Cameron Post”, ficção de Desiree Akhavan, o palestino “Os Relatórios de Sarah e Saleem”, de Muayad Alayan, e o finlandês “Rir ou Morrer”, de Heikki Kujanpää.
O júri – composto pelo brasileiro Sérgio Machado, diretor de “Cidade Baixa”, a lusitana Teresa Villaverde, de “Colo”, a atriz francesa Astrid Adverbe, protagonista de novos trabalhos de Paul Vecchiali, o argentino-francês Edgard Tenenbaum e o turco-italiano Ferzan Öspetek – vai deparar-se com dois pré-candidatos ao Oscar estrangeiro (o excelente “Culpa” e o “desgraça-pouca-é-bobagem “Yomeddine”, protagonizado por um ex-leproso egípcio e por uma criança abandonada).
Vai avaliar, também, dois filmes de narrativas mais convencionais (com muito de hollywoodianas), como “A Costureira de Sonhos”, simpático drama romântico vindo da Índia, e “O Mau Exemplo de Cameron Post”, produção estadunidense, importante por seu tema (a internação de garota lésbica em clínica dirigida por religiosos conservadores), mas seguidor da cartilha de séries juvenis norte-americanas.
Já o documentário “As Sandinistas”, também vindo dos EUA, é vigoroso em seu olhar sobre o papel desempenhado por mulheres-guerrilheiras na Revolução (e pós-Revolução) Nicaraguense. Com destaque especial para Dora Maria, terceiro nome no comando do assalto ao Palácio Nacional (junto com Eden Pastora, o Comandante Zero, e Hugo Torres). Curioso notar que quatro mulheres (incluindo as brasileiras Helena Solberg e Lúcia Murat) realizaram produções internacionais sobre a Nicarágua e sua Revolução. Pamela Yates e Jenny Murray completam o quarteto. E “As Sandinistas” é dedicado por Jenny a Pamela.
O palestino “Os Relatórios de Sarah e Saleem”, de Muayad Alayan, confirma o entusiasmo do público paulistano, sempre progressista, por causas políticas. O filme aproxima, num romance condenado de antemão (pois une uma mulher casada, de Jerusalém Ocidental, dona de uma cafeteria, a um palestino, que mora em Jerusalém Oriental, e trabalha como entregador). Detalhe essencial: o marido de Sarah é oficial do Exército israelense.
O finlandês “Rir ou Morrer”, de Heikki Kujanpää, é uma comédia satírica, gênero em que os nórdicos são craques. Na trama, prisioneiros sentenciados à morte (na guerra empreendida pelos nazistas), resolvem montar peça humorística, na tentativa de entreter os guardas. À frente do grupo, o mais engraçado dos cômicos da Finlândia, Toivo Parikka. Já o búlgaro “Ága”, de Milko Lazarov, encantou o publico da Mostra por sua beleza. Um casal de caçadores de renas vive isolado no meio da neve. Quando a mulher adoece, para agradá-la, o marido parte em busca da filha de ambos, abandonada há anos.
Dos brasileiros, o mais badalado é “Deslembro”, segundo longa-metragem de Flávia Castro, diretora de poderoso documentário autobiográfico “Diário de Uma Busca” (no qual, procura explicações para um suposto suicídio do pai, militante político, anistiado e radicado em Porto Alegre). Em sua estreia ficcional, a diretora evoca memórias de infância. Filha de exilados, ela lembra sua infância em Paris e o regresso, com a anistia, ao Brasil (quando este não era o desejo da adolescente, integrada ao país onde crescera).
Em debate que se seguiu à exibição do filme na Mostra SP, Flávia, ao lado de sua diretora de fotografia, Heloísa Passos, lembrou que o filme traz, sim, algumas referências-vivências biográficas, mas trata-se de ficção, na qual somou experiências de muitas jovens que passaram pelo exílio, por causa da militância dos pais. O elenco, liderado por Jeanne Boudier, a adolescente, e por sua mãe (Sara Antunes), rende muito, a trilha sonora é cativante (prestem atenção no momento “Cajuína”, de Caetano Veloso) e a narrativa delicada e reflexiva.
Dos três outros concorrentes brasileiros, dois têm nomes femininos na direção. Eliane Coster, jovem realizadora, conta, em seu primeiro longa, “Meio Irmão”, a história de uma mulher que, num momento de adversidade (sua mãe desapareceu) busca um parente, com o qual não tinha convivência. Ele, seu meio-irmão, também passa por momento adverso: por ter gravado agressão homofóbica, sofre duras ameaças. Os agressores não querem que as imagens sejam divulgadas.
O sintético “Sócrates” (apenas 72 minutos), dirigido pelo norte-americano Alex Morato (filho de mãe brasileira), é uma produção do importante Instituto Querô, de Santos. Integralmente rodado na cidade do litoral paulista, esta obra ficcional mostra o adolescente Sócrates (Christian Malheiros), sozinho no mundo, após a morte prematura da mãe. Em sua jornada em busca da sobrevivência, ele vai enfrentar, além da pobreza, a violência, o racismo e a homofobia.
A coprodução luso-brasileira “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” levou seus diretores (Renée Messora e João Salaviza) à Amazônia. Lá, numa aldeia Krahô, vive Ihjãc, jovem indígena. Ele tem pesadelos desde que perdeu o pai. Chegada a hora de organizar as cerimônias fúnebres para que o espírito paterno siga rumo à aldeia dos mortos, o jovem rompe com a tradição. Ou seja, com o ritual que colocaria termo ao seu luto. Nega seu dever e foge da preparação que faria dele um xamã. Parte para a cidade. Sua atitude – ponderam os realizadores – “o levarão, longe de seu povo e de sua cultura, a enfrentar a realidade de ser indígena no Brasil contemporâneo”.
Os vencedores do Troféu Bandeira Paulista (e de prêmios paralelos da Mostra SP) serão conhecidos nesta quarta-feira, 31 de outubro, em cerimônia no Auditório do Ibirapuera. Depois da entrega dos troféus, será exibido o longa mexicano, “Roma”, de Alfonso Cuarón, cotado como favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro, em fevereiro de 2019.