André Ristum realiza filme coral sobre vidas anônimas

“A Voz do Silêncio”, quarto longa-metragem de André Ristum, estreou nesta quinta-feira, 22 de novembro, depois de render ao cineasta, de 41 anos, o Kikito de melhor direção no Festival de Gramado. O filme ganhou, ainda, o Kikito de melhor montagem para Gustavo Giani.

O cineasta paulistano (nascido em Londres e criado na Itália) assina, também, o roteiro estruturado como um “filme coral” e escrito com calma e sem parceiros. Só na sétima versão, já na fase final, recorreu ao também cineasta e roteirista Marco Dutra, de “Trabalhar Cansa” e “O Silêncio do Céu”, para que o ajudasse a “enxugar o longo roteiro”. E, se fosse o caso, que Dutra fizesse sugestões pontuais. Uma delas – a inclusão de uma lua vermelha, oriunda de um eclipse – assumiu relevância das mais significativas na narrativa.

Sete personagens têm suas vidas e rotinas expostas, ao longo de “A Voz do Silêncio”, na dura paisagem de uma grande metrópole. São Paulo, no caso. Na primeira parte, o espectador sentirá um nó na garganta, frente a tanta aridez e sofrimento. Depois, na segunda metade, alguns fios de esperança e generosidade, mesmo que tênues, se desenharão.

André Ristum convocou, para interpretar seus personagens, atores experientes, como Marieta Severo, Claudio Jaborandy, Marat Descartes, Arlindo Lopes, Augusto Madeira e Stephanie de Jongh, todos brasileiros. A eles, se somam os argentinos Ricardo Merkin e Marina Gleser, e o italiano (radicado no Brasil) Nicola Siri.

Nenhum deles estará no centro da narrativa, pois interessa, ao diretor, jogar luz (pouca, pois a fotografia de Hélcio Alemão Nagamine é austera) sobre estes seres engolidos pela voragem da megalópole. São pessoas anônimas, que sobrevivem em apartamentos tristes, trabalham duro em restaurante ou escritório imobiliário. No primeiro caso, como um burro de carga. No segundo, sob pressão de nova venda, custe o que custar. Outro personagem, já idoso, atua em emissora radiofônica de reduzida audiência. Uma jovem atua numa boate de segunda linha (só neste espaço veremos luzes e algum frenesi).

Marieta Severo interpreta, em “A Voz do Silêncio”, Maria Cláudia, uma mãe amarga e alcóolatra, que não se entende com a filha (jovem cantora que, por falta de oportunidade, se vira como bailarina de pole dance). E, para piorar, Cláudia “perdeu” o filho, homossexual, e por isto rejeitado. Stephanie de Jongh (ex-mulher do cineasta) e Arlindo Lopes desempenham com vigor seus papéis. O jovem, que deixou a soturna casa da família, trabalha duro num call center paulistano, mas envia postais à mãe, para dar a entender que corre o mundo. Ou seja, que conseguiu construir para si uma vida menos medíocre, mais alegre e colorida.

Claudio Jaborandy dá vida a um nordestino, que trabalha como sushiman, sob as ordens de um patrão estúpido e exigente (Nicola Siri). Trabalha, também, como porteiro de um prédio e busca tempo para estudar à noite. Há um radialista (o argentino Ricardo Merkin, apaixonado por música de qualidade), que se descobre vítima de câncer terminal. Sua filha (Marina Gleser) é corretora de imóveis e vive tensa, sob ameaça de demissão, caso não feche um número mínimo de vendas.

Marat Descartes interpreta personagem com um quê de sórdido e sofregamente erotizado. Como se vê, não há vida glamurosa na São Paulo retratada, com duro realismo, por Ristum.

As tramas correm paralelas. Estas pessoas de vidas miúdas, em maior ou menor grau brutais, tentam manter relacionamentos afetivos, melhorar de vida (neste sentido, o personagem de Jaborandy é o mais empenhado), manter o emprego, ou realizar um sonho (poder cantar e gravar um disco, ao invés de esforçar-se em agradar a sôfregos voyeurs, ou ser confundida com garota de programa).

Os espectadores não podem (nem devem) perder a paciência com o mundo brutal que se desenha. Em especial, o que cerca Maria Cláudia, que além de beber demais, tem uma ferida horrível na perna. Ao debater “A Voz do Silêncio”, em Gramado, Ristum justificou o tom sombrio, em especial, na primeira parte de sua narrativa, admitindo inclinação para o lado melancólico da vida. Lembrou que nem “25 anos de análise” conseguiram transformá-lo “numa pessoa otimista”.

Para criar seus personagens, o cineasta diz ter se inspirado, na maioria dos casos, em pessoas reais. Marieta Severo, no mesmo debate em Gramado, defendeu o tom sombrio do filme, lembrando que a São Paulo retratada por Ristum existe, sim. “Como atriz” – contou – “sempre que faço temporada em teatros paulistanos, fico hospedada em ótimos hoteis, frequento um circuito artístico-cultural maravilhoso, mas isto não me impede de saber que os personagens do filme são tirados da realidade, existem, vivem um cotidiano duro”.

“Não podemos” – ponderou a atriz – “viver sob a obrigatoriedade da felicidade”. Para, em seguida, formular observação das mais atiladas: “ao vermos fotos antigas, todos aparecem sérios. Hoje, em qualquer selfie, as pessoas arreganham os dentes. Sorrir ostensivamente tornou-se obrigatório”.

Marieta, intérprete por 13 anos da generosa Dona Nenê, a mãezona de “A Grande Família” (TV Globo), desenhou, por fim, os traços gerais de sua Maria Cláudia: “minha personagem é uma mãe culpada por ter rejeitado um filho, ela própria é doente, delira, carrega uma patologia psíquica”.

A Voz do Silêncio
Brasil, 98 minutos, 2018
Direção: André Ristum
Elenco: Marieta Severo, Stephanie de Jongh, Marina Gleser, Marat Descartes, Claudio Jaborandy, Arlindo Lopes, Augusto Madeira, Ricardo Merkin e Nicola Siri.

FILMOGRAFIA DE ANDRÉ RISTUM

2018 – A Voz do Silêncio (ficção)
2014 – O Outro Lado do Paraíso (ficção)
2011 – Meu País (ficção)
2003 – Tempo de Resistência (doc)

 

Por Maria do Rosário Caetano

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