Filme Paisagem, um Olhar sobre Roberto Burle Marx
“Filme Paisagem, um Olhar sobre Roberto Burle Marx”, primeiro, belo e sintético (apenas 74 minutos) longa-metragem do realizador mineiro João Vargas Penna, estreia nesta quinta-feira, 15 de novembro, em três capitais brasileiras (São Paulo, Rio e Manaus). Depois, dia 22, chegará a Belo Horizonte e Brasília. O documentário, que busca a sensorialidade de nossas “paisagens visuais e sonoras”, na obra do maior dos paisagistas brasileiros, conta com fascinante trilha musical do grupo O Grivo.
O cineasta João Vargas Penna, nascido em Belo Horizonte, há 63 anos, teve presença significativa em festivais brasileiros, nos anos 1990, com seus curtas ficcionais (“Rua do Amendoim” e “Negócio da China”), mas preferiu sequenciar sua carreira não com longas-metragens de ficção e sim com documentários e séries de TV sobre artistas plásticos. Ele, que estreara com curta sobre Amilcar de Castro (1992), dedicou-se a Burle Marx, Lygia Clark e Marcos Chaves.
O paulistano Roberto Burle Marx (1909-1994) nasceu como um dos frutos da união de um judeu alemão (Wilhelm Marx) com uma rica pianista pernambucana (Cecília Burle), de origem francesa (Burle Dubeux). Burle Marx estudou em Berlim e, ao regressar ao Brasil, aprofundou sua paixão por nossa flora tropical, vindo a tornar-se o mais importante paisagista do país. São dele obras da grandeza dos jardins do Palácio do Itamaraty e o paisagismo do Eixo Monumental (entre outros logradouros públicos da capital brasileira), os jardins do Aterro do Flamengo, no Rio, e do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, e o projeto das praças Casa Forte e Euclides da Cunha, no Recife. Sem falar em uma infinidade de jardins espalhados por propriedades privadas.
Radicado no Rio de Janeiro, onde viveu desde os dois anos de idade, Burle Marx deixou, ao morrer, sítio-viveiro de plantas tropicais e semitropicais, verdadeiro patrimônio nacional, aberto à visitação na Zona Oeste carioca. Há que se lembrar que, no começo dos anos 1970, o paisagista reformulou o icônico Calçadão de Copacabana e de outras praias da orla carioca, incluindo as plantas que o ornamentam. Além de triplicar as dimensões da ondulante calçada, ele e sua equipe mudaram o formato das ondas, que deixaram de ser perpendiculares, tornando-as paralelas à praia.
Ao perceber a importância das viagens de pesquisa e coleta de plantas feitas por Roberto Burle Marx, ao longo de 50 anos, João Vargas convenceu o mineiro André Carreira a produzir uma série sobre o paisagista. Nasceu, então, “Expedições Burle Marx”. O cineasta lembra que aprendeu “muito com essa série”, pois “realizamos e registramos diversas viagens de ‘leitura da paisagem’, com José Tabacow e Oscar Bressane, paisagistas-colaboradores de Burle Marx, que o acompanharam em importantes momentos de sua trajetória”.
Em entrevista à Revista de CINEMA, João Vargas Penna fala de seu primeiro longa-metragem e da importância de Roberto Burle Marx para o paisagismo, as artes plásticas e a valorização da flora brasileira.
O que o motivou a se dedicar à trajetória do arquiteto, paisagista e artista plástico Roberto Burle Marx em seu primeiro longa-metragem?
Tenho grande interesse por fotografia e artes plásticas, cidades e paisagens. Filmei e fotografei muitas exposições de artes plásticas. Ver através da lente me ajuda a apreender e me relacionar com os trabalhos dispostos nas galerias. Fiz documentários curtos sobre os artistas Amilcar de Castro, Lygia Clark, Marcos Chaves e acompanho o trabalho de muitos outros. Me interessa muito a vida nas cidades, os encontros e desencontros nos fluxos das pessoas através do tecido urbano. Percebi que o paisagismo está na base de todos esses interesses. Burle Marx inicia o paisagismo moderno no Brasil. Seu legado está presente em quase todos os jardins contemporâneos do Brasil e do mundo.
Burle Marx regressou de Berlim, onde morou e estudou por dois anos, disposto a valorizar a flora brasileira, a enriquecer nossos espaços públicos com seu paisagismo. Seu filme reafirma estas posturas.
Sim, para ele, as áreas livres eram (são), cada vez mais, uma necessidade primordial das cidades. Tanto que Burle Marx é o responsável por grande parte dos parques, jardins e espaços públicos nas grandes cidades brasileiras. Rio, São Paulo, BH, Recife, Curitiba, Salvador, Fortaleza contam com importantes trabalhos dele. São locais onde as pessoas podem se encontrar e encontrar-se com a natureza. Ele simboliza essa preocupação com os espaços públicos, com o entendimento da cidade como uma obra coletiva, para a coletividade.
Você abriu mão do filme “cabeças falantes” e optou por narrativa mais sensorial, buscou atmosferas. Esta opção estava no nascedouro do projeto ou foi se impondo ao longo da realização?
Na série “Expedições Burle Marx”, tive a oportunidade de acompanhar os paisagistas/apresentadores José Tabacow e Oscar Bressane por vários ecossistemas e jardins no Brasil. Entrevistei também várias pessoas que trabalharam com Burle Marx e comentaram as ideias do artista, sua personalidade. Quis fugir de tudo isso ao realizar “Filme Paisagem”. Minha intenção foi, desde o início, fazer um passeio sensorial por paisagens visuais e sonoras que influenciaram o artista ou foram criadas por ele, acompanhada por suas lembranças e ideias.
Há no filme muitas imagens originais (de águas e plantas, matas e jardins), colhidas pela diretora de fotografia Carolina Costa, mas há também material de arquivo brasileiro e estrangeiro. Foi fácil acessá-las?
Muitas imagens de arquivo foram feitas por José Tabacow e Haruyoshi Ono, assistentes e sócios do paisagista na Burle Marx & Cia. Outras imagens foram buscadas por Gabriel Bernardo nos arquivos da TV Brasil, CTAv, Cinemateca Brasileira e Arquivo Nacional. Utilizamos, também, algumas imagens da Praia de Copacabana nos anos 1920. Garimpei os filmes de Berlim em fontes conhecidas, como o longa-metragem “Berlim, Sinfonia de uma Cidade” (1927) e uma ficção científica da época, “Algol, a Tragédia do Poder” (1920).
O que o levou a escolher o ator e diretor teatral Amir Haddad para “interpretar” a voz de Burle Marx? A semelhança de timbre entre os dois?
A necessidade de gravar uma narração para o filme veio da falta de qualidade técnica e as enormes diferenças do tom de voz de Burle Marx, nas diversas fontes de arquivo que obtivemos com suas falas. Quando decidi usar a narração, pude também incorporar textos do artista que não existiam em registros sonoros. Escolhi Amir Haddad, porque ele tem a inteligência, o humor e o sarcasmo que percebi em Roberto. Penso que eles não têm timbres de voz parecidos, a semelhança vem porque Amir tem agora idade próxima à que Roberto tinha quando gravou a maior parte dos depoimentos que obtive. Vem também, porque os dois têm vozes trabalhadas, estudadas. Roberto estudou canto, tinha voz de barítono e cantava várias lieds de Schumann e Schubert.
É muito discreta sua opção por “inserções ficcionais”. Elas se dão com “atores” interpretando, apenas como silhuetas, mãos ou braços, Burle Marx em várias épocas de sua vida. Por que foi tão parcimonioso no uso de atores?
Este uso discreto foi fruto de opção deliberada. Só quis trabalhar com silhuetas, ou seja, com participações que ajudassem a criar uma atmosfera onírica no início do filme. Quis acompanhar o velho paisagista em um passeio por seus jardins e lembranças, que começam na infância, numa casa no Leme cercada de Mata Atlântica. A personagem Roberto Burle Marx foi composta a partir da voz de Amir Haddad e das mãos de José Tabacow, este, além de consultor do filme, trabalhou anos com o paisagista. Logo percebi sua intimidade com as plantas e sua facilidade com o desenho. Quem entende, toca as plantas de forma diferente, usa o tato para perceber sua textura, serrilhas, ranhuras, pilosidade etc. O calçadão de Copacabana, (re)criação de Burle Marx, foi desenvolvido por ele, junto com Haruyoshi Ono e José Tabacow. Não sabemos qual trecho foi desenhado por quem.
Filme Paisagem, um OIlhar sobre Burle Marx
Documentário, 74 min., Brasil, 2018
Direção: João Vargas Penna
Produção: Camisa Listrada
Distribuição: Elo Company
FILMOGRAFIA – João Vargas Penna
. Samba, o Dono do Corpo – Instalação em 3 canais de vídeo HD 7’
. Linhas Abertas – Elevados e Águas, 2017 / TV series, 2×26’
. Expedições Burle Marx / 2015/ Doc/ TV Series/ 4×26’
. Revista Lab Cultura Viva/ 2013/Doc/ TV Series/ 26 x 26’
. Cultura Ponto a Ponto/2009/ Doc/ TV Series/ 56 x 26’
. Rever/2005/ Doc / 55’
. Exposição Lygia Clark/2003/ Doc/ 9’
. Remédios do Amor/ 2003/ Fic / 20’
. Rua do Amendoim/ 1997/ Fic/ 11’
. Negócio da China/ 1995/ Fic / 11’
. Amilcar de Castro/ 1992/ Doc/ 13’
. Comfundo/ 1991/Exp/ 4’
Por Maria do Rosário Caetano
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