José Alvarenga Jr. lança filme intimista “com jeito de brisa”
“Intimidade entre Estranhos“, décimo-primeiro longa-metragem de José Alvarenga Jr., diretor de grandes projetos na Rede Globo (“Supermax” e “O Caçador”), chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 13 de dezembro. Trata-se de um filme com jeito de brisa, pessoal, intimista, com manufatura de curta-metragem”. Um filme “fertilizado, intencionalmente, por duas matrizes, o norte-americano ‘Houve uma Vez um Verão’ (Summer of ‘42, de Robert Mulligan, 1971) e o irlandês ‘Apenas uma Vez’ (“Once”, de John Carney, 2006)”.
Como um diretor que construiu (e constrói) os momentos mais significativos de sua trajetória audiovisual na poderosa Rede Globo consegue tempo para lançar dois filmes no circuito comercial, no exíguo prazo de três meses?
Alvarenga, de 59 anos, esteve, em agosto, no Festival de Cinema de Gramado, com o drama “Dez Segundos para Vencer”, sobre o pugilista Eder Jofre e seu pai, Kid Jofre. A trajetória do Clã Zumbano calou fundo junto ao público festivaleiro, rendeu debate caloroso e aplausos imensos para Osmar Prado (premiado por sua interpretação de Kid Jofre), Daniel Oliveira (Eder Jofre) e Ricardo Gelli (melhor ator coadjuvante).
Lançado nos cinemas, o filme, uma superprodução para os padrões brasileiros, não teve o público merecido (não chegou aos 50 mil ingressos). O que leva, então, Alvarenga Jr. a lançar (ou arremessar) seu novo filme — “Intimidade entre Estranhos” — em mercado que vem punindo produções de qualidade, impregnadas pelo desejo explícito de dialogar com o grande público (caso de “Chacrinha, o Velho Guerreiro”, para citar o exemplo mais intrigante)?
O diretor e roteirista, filho do (já falecido) produtor José Alvarenga (dos Laboratórios Líder), sempre quis fazer cinema popular. Tanto que estreou, em 1988, dirigindo “Os Heróis Trapalhões”, filme sequenciado por mais quatro aventuras trapalhônicas. Frente ao complicado momento vivido por nossa indústria cinematográfica, ele reflete sobre a ousadia (ou atrevimento) de lançar dois longas em tão curto espaço de tempo.
Foi uma coincidência ter os dois filmes prontos e lançados num mesmo semestre. “Dez Segundos para Vencer” é um longa mais complexo, uma produção de época com muitos atores, efeitos digitais (lutas coreografadas com esmero), equipe técnica maior. Já “Intimidade entre Estranhos” é um projeto antigo, que alimento há muitos anos e que desejava realizar nos mesmos moldes de “Once”, aquele filme irlandês, tão encantador, e que nasceu como se fosse um curta-metragem. O lançamento de meus novos longas, neste momento de bilheterias tão difíceis, exigiu coragem, intuição e doses de esperança. Sempre acreditamos que nosso novo filme provocará no público o desejo de viver aquela experiência por nós vivenciada, acompanhar aquela estória. Então, espero que nosso risco não seja em vão.
Alvarenga Jr. lembra que era adolescente quando assistiu a “Summer of ’42”. Ficou tão fascinado, que não quis rever o filme. “Preferi guardar aquela tensão sexual entre aquele garoto e aquela mulher idealizada numa calorosa temporada de verão. Aquela atmosfera erótica marcou profundamente minha imaginação”.
O roteirista e diretor tarimbado guardou “aquela fantasia de verão” em sua memória e sequenciou sua vida emocional e profissional. Um dia, planejava, ainda a transformaria em filme. Mas novos projetos (“Zoando na TV”, Os Normais”, série que deu origem a dois longas-metragens, “Cilada” etc.) foram adiando seu projeto mais íntimo. Até que, em 2006, ao assistir ao irlandês “Once”, resolveu que faria um filme de baixo custo, com equipe pequena e cara de curta-metragem. Desenvolveu o roteiro sozinho, lembrando experiências pessoais. Mas a roda-viva da TV continuou girando. Quando chegou, finalmente, o convite da produtora Iafa Britz (da Migdal) para que realizassem juntos um projeto de produção mais simples, ele resolveu que era chegada a hora de filmar seu “verão de 42″.
Contribui para que o desejo se fortalecesse encontro com o compositor Leone, parceiro de Frejat. “Contei a ele que tinha tal projeto guardado há anos. Naquele instante, no meio de uma festa, ele me ofereceu uma composição que, me garantiu, tinha tudo a ver com o que eu relatara. Nome da canção: “Intimidade entre Estranhos”. E Leone se dispôs, com Frejat, a criar novas composições para o futuro filme. Foram oito no total (metade seria aproveitada). Naquela noite ganhei, além do título do filme, parte significativa de sua trilha sonora”.
“Só que”— relembra o cineasta, com bom humor — “havia um problema: vi que o garoto que eu criara em meu roteiro parecia anacrônico em tempos digitais”. Ele resolveu, então, convidar o descolado Matheus Souza, 29 anos (diretor de “Apenas o Fim” e “Tamo Junto”), para ajudá-lo a imprimir tom contemporâneo ao perfil do jovem protagonista. Retrabalharam, juntos, o roteiro, em parceria das “mais felizes”. Um dava ideias ao outro, a troca de figurinhas ia se intensificando sempre sustentada em premissa autoimposta: “só retratar situações vivenciadas por ambos, mas de forma que não se revelasse a origem de cada vivência, que elas se mesclassem”.
Aqui, uma inconfidência: José Alvarenga Jr. é “Botafogo doente”, daqueles que têm espaço no Google (profeta botafoguense/José Alvarenga: testemunhos de uma paixão). Então, o público vai morrer de rir com estória que aparece num dos diálogos entre os protagonistas de “Intimidade entre Estranhos” (uma mulher madura e casada que vai relacionar-se com um adolescente meio esquisitão, torcedor fanático do, claro, Botafogo). Vejam o que diz a bela e madura Maria (Rafaela Mandelli) ao jovem (o ótimo Gabriel Contente, uma revelação): “o Botafogo é como Elvis Presley, fez sucesso nos anos 60, morreu e tem fãs que ainda acreditam que ele esteja vivo”.
Esbanjando fairplay de torcedor de um time que teve Garrincha como glória maior, Alvarenga confessa: “em todos os meus filmes, há uma homenagem ao Botafogo”. A homenagem pode ser de amor fervoroso ou irônica como a da “tirada” Elvis Presley.
“Neste filme”— conta resignado — “inventamos um campeonato em que Flamengo e Botafogo disputam final de campeonato e meu time perde!” E mais: “sabe aquela estória, presente no filme, do garoto que, desesperado, veste a camisa do Flamengo para pedir desculpas à mulher, mesmo sendo botafoguense? Pois aquilo aconteceu comigo! Por amor, fazemos tudo!”
“Intimidade entre Estranhos”, que participou da Mostra Internacional de São Paulo e do Festival do Rio, chega, pois, aos cinemas, embalado em trilha de Leoni e Frejat e sustentado em inusitado triângulo amoroso. Maria regressa ao Rio (reparem, numa locação, cartaz de “Summer of ’42”) para acompanhar o marido, o ator Pedro (Milhem Cortaz), que foi convidado a gravar série bíblica para a TV. Como ele passa os dias no estúdio, ela procura o que fazer para preencher as longas horas de espera. Sua rotina é abalada quando se desentende com Horácio, o imberbe vizinho do andar de cima, muito do rabugento. Ele é síndico (herdou o prédio da avó) e cheio de manias. Uma improvável amizade, embalada por música, unirá os dois. E o garoto viverá experiência marcada pelo desejo por esta mulher casada, mas solitária.
José Dumont, em participação especial, faz o zelador do prédio de Horácio, e Giovanna Lancellotti e Jayme Periard completam o elenco, em pequenos papéis. José Alvarenga conta que o elenco foi montado depois de vários testes. E arremata: “chamei Milhem Cortaz, que tem fama de macho alfa, para interpretar um marido frágil, com lágrimas nos olhos, para ele poder se mostrar em papel diferenciado”. Resultado: “Milhem adorou a experiência, assim como todo nosso pequeno, no sentido quantitativo, e empenhado elenco”.
Intimidade entre Estranhos
Brasil, 105 minutos, 2018
Direção: José Alvarenga Jr.
Elenco: Rafaela Mandelli, Gabriel Contente, Milhem Cortaz, José Dumont
Fotografia: André Faccioli
Produção: Migdal, em parceria com a Globo Filmes
Por Maria do Rosário Caetano