The Cleaners
A partir de quinta-feira, 28 de março, estreia nas salas do Espaço Itaú de Cinema, em São Paulo e no Rio de Janeiro, o documentário investigativo The Cleaners, que integrou a lista dos pré-indicados para concorrer ao Oscar de Documentários 2019, e conquistou o prêmio Prix Europe, de Melhor Documentário Europeu (2018) e de Melhor Documentário no Festival Internacional de Cinema de Moscou.
A produção também participou de vários festivais internacionais de cinema, incluindo sua estreia mundial no Sundance Film Festival (Utah /EUA). No Brasil, participou do Festival É Tudo Verdade (São Paulo e Rio) e recebeu do júri oficial a Menção Honrosa para Documentário de Longa-Metragem.
Dirigido pela dupla de alemães Moritz Riesewieck e Hans Block, com roteiro de Moritz Riesewieck, Hans Block e Georg Tschurtschenthaler, produção executiva de Christian Beetz, Fernando Dias e Mauricio Dias, The Cleaners é uma coprodução internacional da Grifa Filmes com a produtora alemã Gebrueder Beetz Filmproduktion e conta ainda com os parceiros Play TV, WDR, VPRO, Rub e I Wonder Pictures e associação com Motto Pictures e Arte.
A história de The Cleaners gira em torno da vida e do trabalho secreto dos limpadores digitais, que, em 10 horas diárias de trabalho, avaliam até 25 mil imagens. Executivos que vivem no Vale do Silício revelam como estas decisões de apagar ou manter as imagens geram impactos em todo o mundo. O documentário viajou pela Alemanha, Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, Filipinas, Indonésia e Turquia para pesquisar o lado obscuro das redes sociais que inclui a ação dos misteriosos moderadores da internet – que trabalham em uma indústria oculta do Terceiro Mundo que faz a limpeza digital.
Liberdade de expressão, censura e responsabilidade corporativa são temas centrais do filme. A produção acompanha o dia a dia de cinco “cleaners” em Manila, capital das Filipinas, que trabalham excluindo das grandes plataformas, como Facebook, Twitter e Google, conteúdo “inapropriado”, o que inclui postagens consideradas ilegais ou indecentes. The Cleaners revela como estas plataformas foram projetadas para gerar interesse e engajamento acima de tudo. Por este motivo, as pessoas só recebem informações que já querem ver. As redes não apresentam aos usuários notícias ou informações que levem à desconexão. Imagens que estimulam a indignação são consideradas boas para gerar engajamento.
A maior dificuldade que os diretores Moritz Riesewieck e Hans Block enfrentaram para filmar The Cleaners foi vencer o sigilo que faz parte do trabalho dos moderadores e também a falta de transparência sobre o assunto entre os executivos das grandes empresas de internet nos Estados Unidos.
Por meio de ex-representantes do Facebook, Google, Youtube e Twitter, o processo de seleção do que é colocado nas redes fica mais claro. O ex-gerente de produto do Facebook, Antonio Garcia Martínez, fala sobre os valores que conduzem a empresa. A ex-diretora jurídica de produtos do Twitter e ex-vice-presidente do Google, Nicole Wong, comenta os desafios impostos pela censura. O ex-especialista em design do Google Tristan Harris destaca a mecânica interna das plataformas que permite a viralização de conteúdos polêmicos. A professora assistente na UCLA (University of California, Los Angeles) Sarah T. Roberts conta detalhes de sua pesquisa sobre moderação de conteúdo, realizada desde 2010.
O documentário entrevista o cientista político brasileiro Leandro Machado, envolvido em projetos sobre democracia e participação popular por meio da tecnologia. Em 2015, Machado foi reconhecido como Jovem Líder Global pelo Fórum Econômico Mundial e tem experiência em grandes empresas de tecnologia e mobilização digital. O depoimento dele é focado nas questões que envolveram o Facebook recentemente, como o sigilo dos dados dos usuários e o uso das redes sociais para objetivos políticos e eleitorais.
A artista plástica norte-americana Illma Gore, cujo desenho de Donald Trump nu foi compartilhado em todo mundo, fala sobre a censura a sua obra devido à nudez e ao tamanho da genitália do presidente dos Estados Unidos. O artista e ativista sírio radicado em Berlim Khaled Barakeh também teve imagens com crianças mortas deletadas das redes. A direita norte-americana é representada no documentário pelo ativista Sabo, que defede a liberdade de expressão e, depois de ter sido banido do Facebook várias vezes, começou uma campanha de street art chamada “Fuck Zuck”.
O relator especial das Nações Unidas sobre liberdade de expressão, David Kaye, vê o espaço digital ameaçado por mais e mais governos que estão tentando regular a liberdade de expressão. Um exemplo é a Turquia, onde o especialista em direito digital na Universidade Bilgi em Istambul Yaman Akdeniz comenta o impacto político dos acordos secretos entre o governo turco e o Facebook, que, para ter acesso a este mercado, aceitou limitar o acesso dos usuários locais às críticas ao governo. Outro personagem de destaque é o sírio Abdulwahab Tahhan, que trabalha no projeto sem fins lucrativos AIRWARS, em Londres, e ajuda a rastrear e arquivar fotos e vídeos da guerra na Síria, que são frequentemente excluídos pelos limpadores das redes.
O uso político das redes é também tema de análises do jornalista da TV pública nas Filipinas Ed Lingao, que, além de falar sobre a censura às críticas ao presidente Rodrigo Duterte, explica o uso de notícias falsas (fake news) para fins políticos. O impacto negativo das notícias falsas é tema da entrevista com o ativista e blogueiro da etnia Rohingya Nay San Lwin. Ele tem documentado tortura e subjugação enfrentadas por seu povo em Mianmar (Birmânia). Desde 2012, grupos extremistas têm perseguido esta minoria étnica e estimulando a violência por meio de notícias falsas nas redes sociais. Lwin acusa o Facebook de promover a disseminação do ódio e do assédio em sua plataforma.
Um “limpador” rápido avalia até 25 mil imagens em um dia com 10 horas de trabalho. “Não pense demais” é uma das primeiras regras que todo moderador de conteúdo aprende. São admitidos apenas três erros de avaliação por mês, mas apenas uma porcentagem muito baixa das decisões dos moderadores é checada por seus supervisores. Embora muitos dos uploads considerados sensíveis sejam sobre questões políticas, os moderadores não têm muito conhecimento sobre o assunto. Mas todos sabem que existem quase 40 organizações terroristas para moderar e apagar e têm de memorizar as características de cada uma delas.
Os mediadores não podem contar para seus familiares qual é seu trabalho. Moram em países pobres, como Filipinas e Indonésia. Por causa das imagens impactantes, eles também sofrem consequências psicológicas, que são consideradas equivalentes a soldados que retornam de conflitos e não recebem apoio. Em um dia normal, os moderadores observam milhares de fotos e vídeos considerados sensíveis, como assassinatos, suicídios, ataques e cenas de sexo.