Sucesso cabra da peste

Por Maria do Rosário Caetano

“Cine Holliúdy 2 – A Chibata Sideral”, parte final da trilogia roliúdiana de Halder Gomes, iniciada com “Cine Holliúdy”, em 2013, e sequenciada com “O Shaolin do Sertão” (2016), conseguirá romper as fronteiras do Ceará? Fará sucesso no Sudeste? Chegará aos cinemas do Sul? Conseguirá superar o público de suas duas primeiras partes (o primeiro vendeu mais de 400 mil ingressos, e o segundo, mais de 600 mil)?

Ainda é cedo para responder a estas perguntas. O que dá para afirmar é que o filme, lançado em 89 salas do Nordeste (a maioria no Ceará) e do Distrito Federal, teve uma boa arrancada. No Estado natal de Halder Gomes, dublê de cineasta e lutador de artes marciais, os números são dos mais animadores.

“A Chibata” vendeu mais ingressos que “Nós”, o sólido terror de Jordan Peele, e que “Capitã Marvel”, o blockbuster hollywoodiano, em sua terceira semana em cartaz. A média em alguns cinemas cearenses que exibiam “Chibata Sideral” foi superior a mil espectadores. Mas tamanho sucesso não se verificou em todos os cinemas nordestinos, nem no DF. Mesmo assim, a média por sala, segundo o Boletim Filme B, foi de 585 ingressos. Melhor que a de “Chorar de Rir”, comédia estrelada por Leandro Hassum, que, lançada em 209 salas, fez média de 194 espectadores.

Em seus primeiros dias em cartaz, “Cine Holliúdy 2 – A Chibata Sideral” vendeu 50 mil ingressos (68% deles no Ceará). “Chorar de Rir” vendeu 41 mil. Os dois sofrem, o segundo mais que o primeiro, com a crise econômica, que afastou a classe C dos cinemas.

“Chibata Sideral” estreia nas regiões Norte e Sudeste no próximo dia 4 de abril. O distribuidor Bruno Wainer, da Downtown, já garantiu salas em São Paulo, Rio, BH, Vitória, Manaus, Belém e Rio Branco. Não há, por enquanto, previsão de estreia na região Sul.

Quem assistiu aos dois primeiros filmes da trilogia “roliúdiana” de Halder Gomes lembra que os filmes têm muito de autobiográfico. Ou seja, narram vivências do realizador, um cearense nascido na capital, mas criado em cidade pequena, onde a TV roubou o público do cinema. Mas não dobrou a paixão de seu alter ego, o abnegado Francisgleydisson (interpretado por Edmilson Filho, como Halder, lutador de Artes Marciais). Acompanhado da mulher Das Graças (Miriam Freeland) e do filho Francin, Francisgleydisson se vira nos trinta para continuar mostrando os filmes que tanto ama. No primeiro longa, o filho era uma criança. Neste terceiro, é rapaz feito (o ótimo Ariclenes Barroso), louco por cinema como o pai.

No segundo momento da trilogia, “O Shaolin do Sertão”, Halder e Edmilson homenagearam os filmes de Kung-Fu, febre no Brasil dos anos 1970, que entrou pelos 80. Tempo, também, da chegada do videocassete, que trazia o cinema para o espaço doméstico.

Agora, em “Cine Holliúdy 2 – A Chibata Sideral”, Francisgleydisson encontra-se sem rumo, por não ter onde exibir suas fitas. Ao saber que um amigo foi “abduzido por um disco voador”, ele tem ideia abusada: virar diretor de cinema e realizar um filme no qual alienígenas enfrentarão Lampião e Bando.

Sem grana para bancar o filme, ele sai em busca de apoio. Não consegue nada. Até que o prefeito de Pacatuba (Roberto Bomtempo), influenciado por sua Evita sertaneja (a ótima comediante Samantha Schmütz, de “Tô Ryca”), resolve bancar as filmagens. Mas os problemas vão multiplicar-se e obrigar o cineasta neófito a recorrer a vaquinha (ou crowdfunding) improvisada para levar o filme a termo.

“A Chibata Sideral” é falado em cearencês sertanejo, com muita gíria, em especial “ô macho”, tão recorrente quanto o “uai” mineiro. Por isto, o filme bate nas telas legendado em português. Inclusive nos cinemas do Ceará. “Mostramos o filme legendado no país inteiro” – admite Halder –, “porque usamos gírias comuns em pequenas cidades do interior do Ceará”. Por isto, “até em Fortaleza” – conta, divertindo-se – “muita gente não entende o cearencês sertanejo”.

O elenco do filme é imenso (Halder faz questão de colocar todos os comediantes “esquisitos” e “feios” do Ceará em suas tramas). Soma a prata da casa a atores conhecidos no cinema e TV do Sudeste. Além de Bomtempo, Samantha, Freeland e Ariclenes, estão na “Chibata” Chico Diaz, Gorete Milagres, Milhem Cortaz, Francisco Gaspar, Sophia Abrahão, Sérgio Malheiros, Rainer Cadete e o arquiteto, cantor e humorista Falcão, este um cearense que rompeu fronteiras. Se não bastassem tantos personagens, Halder ainda oferece a Edmilson Filho, seu protagonista absoluto, papel duplo.

O ator, lutador, coreógrafo, corroteirista e coprodutor do filme interpreta o caricato Pastor Esmeraldo, evangélico que combate as indecências do cinema. Se brilha na pele de Francisgleyssson, o marido e pai amoroso, louco por cinema, Edmilson erra a mão no segundo personagem (exagerado no visual, nos gestos e nas falas).

O argumento de “Cine Holliúdy 2 – A Chibata Sideral” é do próprio Halder. O roteiro é do eclético L.G. Bayão, que também se vira nos trinta (escreveu dramas como “Irmã Dulce”, comédias românticas como “Ponte Aérea”, ou apimentadas como “O Último Virgem”). A parceria com Halder Gomes começou em “O Shaolin do Sertão”. Deu tão certo, que Bayão foi convocado para engendrar a mirabolante trama da “Chibata Sideral”.

Além de misturar ETs com cangaceiros, pastor evangélico com cego safado, beatas puritanas com homens lúbricos, sogra durona com “Bichinha 6 Volts” (não há filme de Halder sem gays espalhafatosos), a trama vem temperada com tiradas políticas. Além do prefeito e primeira dama que evocam Perón e Evita, há cutucadas nos vereditos da turma de Curitiba, pois recorre-se, no lugar de provas, à “convicção”, sobra ironia para “Temer” e pregação contra a arte. Para evocar o cinema dos anos 1970/80 e reforçar o caráter metalinguístico de “Cine Holliúdy”, Pedro Azevedo interpreta Steven (decalque de Spielberg, claro!) e Jarrod Bryant faz um tradutor do cearencês para o inglês.

Como é que Bayão conhece tanta gíria das pequenas cidades do sertão do Ceará? Halder, responde, gaiato: “Edmilson e eu lemos o que ele escreve e damos nossos palpites, sugerimos esta ou aquela situação, esta ou aquela fala”. Por isto, aparecemos nos créditos como “colaboradores no roteiro”.

Depois do estouro de “Os Parças” – longa “paulista” comandado pelo próprio Halder e visto por 1,6 milhão de espectadores –, o fecho da trilogia roliúdiana mobilizou apoios poderosos. A produtora de Halder, a ATC Entretenimentos, fechou parceria com a carioca Glaz e obteve apoio da Globo Filmes, Paramount, Telecine, Downtown e Paris Filmes. Perto do “Cine Holliúdy” original, um B.O. (filme de baixo orçamento), “A Chibata Sideral” é uma superprodução. Por sorte, não tornou-se “metida a besta”. O cinema de Halder Gomes continua contaminando sua matriz, a produção hollywoodiana, com as agruras do cinema subdesenvolvido e periférico.

Seria fantástico ver um remake de “Carnaval Atlântida” (José Carlos Burle, 1952), assinado pelo diretor da trilogia roliúdiana. Afinal, é impossível assistir ao fecho a “Cine Holliúdy 2” sem pensar na chanchada atlântica e em “Saneamento Básico”, o engenhoso B.O. de Jorge Furtado. No dia em que o cineasta e lutador marcial cearense apostar na síntese e desinchar seus elencos, ele fará imensos (e ainda mais sedutores) progressos.

Assista ao trailer do filme aqui.

 

Cine Holliúdy 2 – A Chibata Sideral
Brasil, 1h45, 2019
Direção: Halder Gomes
Elenco: Edmilson Filho, Miriam Freeland, Ariclenes Barroso, Roberto Bomtempo, Samantha Schmütz, Chico Diaz, Gorete Milagres, Milhem Cortaz, Francisco Gaspar, Sophia Abrahão, Sérgio Malheiros e Falcão.

 

FILMOGRAFIA
Halder Gomes (Fortaleza, 15-02-1967)

2004 – “Sunland Heat – No Calor da Terra do Sol”
2008- “Cadáveres”
2011 – “As Mães de Chico Xavier” (parceria com Glauber Filho)
2013- “Cine Holliúdy”
2016- “O Shaolin do Sertão”
2018 – “Os Parças”
2019 – “Cine Holliúdy 2 – A Chibata Sideral”

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