Prêmio Ariel, o Oscar do México: última disputa de “Roma”

Por Maria do Rosário Caetano

“Roma”, de Alfonso Cuarón, disputa, na noite desta segunda-feira, 24 de junho, o Prêmio Ariel, o Oscar mexicano, em 15 categorias.

Ele será consagrado em sua terra natal com a mesma magnitude com que foi consagrado nos EUA e Europa? Afinal, o filme soma, até agora, 176 láureas da grandeza do Leão de Ouro, em Veneza, melhor filme estrangeiro e direção no Globo de Ouro, três estatuetas no Oscar, melhor filme no Bafta inglês e Platinos e melhor longa estrangeiro no Goya espanhol.

A lista de triunfos de “Roma” é uma das mais impressionantes da história do cinema. E por que? Porque Alfonso Cuarón realizou um filme autoral, que faz pensar e nos emociona. E, o que é raríssimo, o tem em múltiplos postos-chave: produtor (com a Netflix na retaguarda), diretor, roteirista, fotógrafo e montador. Algo inconcebível numa indústria poderosa como a norte-americana, na qual tais funções são distribuídas entre diversos profissionais.

Na sexagésima-primeira edição do Prêmio Ariel (o quarto mais antigo do Ocidente, atrás do Oscar, do Bafta e do Donatello italiano), “Roma” vai enfrentar quatro contendores. Dois já foram exibidos no Brasil: “Museu” (13 indicações), de Alonso Ruizpalácios, com Gael García Bernal, lançado comercialmente, e “Nuestro Tiempo” (seis indicações), de Carlos Reygadas, que causou, apesar de durar quase três horas, frisson na Mostra Internacional de São Paulo. Os outros dois concorrentes têm mulheres no comando: “Las Niñas de Bien” (13 indicações), de Alejandra Márquez Abella, e “La Camararista”, de Lila Avilés (10 indicações).

“Museu”, que concorreu em Berlim (ganhou o Urso de Prata de melhor roteiro), é um substantivo mergulho na história cultural do México. O filme promove, sem maniqueísmo, notável e necessária reflexão sobre pilhagem de acervos artísticos por nações ricas do Primeiro Mundo. Sua vibrante narrativa constrói-se a partir de furto (ocorrido na vida real) de peças raras do Museu Antropológico do México, por dois jovens, um deles, funcionário da instituição. A partir deste trágico fato policial, Ruizpalácios ergue vigoroso retrato dos dois inexperientes ladrões. E o faz em clima de road movie, já que os rapazes saem, país a fora, em busca de comprador para o imenso tesouro embalado em modesta sacola.

“Nuestro Tiempo” (seis indicações), que disputou a Palma de Ouro em Cannes/2018, é um longa-metragem ousado, inquieto e transgressor. Ao longo de 173 minutos, o cineasta, que protagoniza o filme com vários integrantes de sua família (esposa, filhos pequenos) nos transporta a um mundo mais de sensações, que de tramas. Vemos um grupo de crianças, magnificamente fotografadas por Diego García, chafurdando na lama. Somos, aos poucos, sem pressa, situados no ambiente principal do filme: uma fazenda no interior do México, cujos proprietários criam touros para competições. Juan, poeta renomado, cria e seleciona os animais. Esther, sua esposa, administra o empreendimento e, o que não se esperava, apaixona-se por um domador de cavalos. Juan entra em parafuso ao sentir-se incapaz de equacionar os sentimentos que o tomam de assalto.

Carlos Reygadas tem, em seu currículo, dois prêmios conquistados em Cannes (direção, por “Post Tenebras”, e Prêmio do Júri, por “Luz Silenciosa”). Faz cinema de invenção.

A Academia Mexicana de Artes e Ciências Cinematográficas deixa, este ano, o palco tradicional de sua festa de entrega do Ariel (o Palácio de Belas Artes, onde Frida Kahlo foi velada), e entrincheira-se na Cinemateca Nacional, moderno complexo de cinemas, restaurantes, bares e biblioteca de tirar o fôlego. Coisa de primeiro mundo. A instituição vai entregar três prêmios especiais (Ariel de Ouro) à roteirista Alícia Garciadiego, parceira de arte e vida de Arturo “Vermelho Sangue” Ripstein, ao produtor Héctor Bonilla e ao designer de som Nério Barberis.

Uma das escolhas dos 378 votantes da Academia – eles analisaram 144 filmes – causou polêmica: a índígena (de origem mizteca) Yalitza Aparício como uma das cinco finalistas ao Ariel de melhor atriz. Segmentos da categoria de intérpretes entendeu que a protagonista de “Roma” não é atriz, mas sim uma professora que fez um filme.

Os acadêmicos não aceitaram a objeção e a jovem continua na disputa tendo como concorrentes Gabriela Cartol (por “La Camarista”), Ilse Salas, por “las Niñas de Bien”, Concepción Márques, por “Cría Puercos”, e Sophie Alexander, por “Katz”. Detalhe: os tradicionalistas não tiveram necessidade de indignar-se com o elenco doméstico-familiar de Reygadas, pois nem ele, nem sua esposa, nem filhos foram indicados a melhor ator/atriz (principais, coadjuvantes ou revelação).

Na categoria melhor ator, Gael García Bernal é o franco favorito. Seu papel como protagonista de “Museu” reúne todas as qualidades possíveis. E, nesta categoria, “Roma” não marca presença. Afinal, os dois principais papeis do filme são femininos (Cleo, a doméstica indígena, e a patroa, interpretada por Marina Tavira, que disputa como coadjuvante).

Os concorrentes de Gael García Bernal, intérprete do ladrão que engendra o roubo do Museu Antropológico, são Daminán Alcazar (por “De La Infancia”), famosíssimo em seu país natal e na América Hispânica, Luis Gerardo Méndez (por “Bayoneta”), Baltimore Beltrán (por “Mente Revólver”) e Noé Hernandez (por “Ocho de Cada Diez”).

Na categoria melhor ator coadjuvante, “Roma” leva chance com o jovem Jorge Antonio Guerrero, que faz o namorado que engravida a doméstica Cleo, abandonando-a em seguida. Mas ele terá que derrotar uma lenda viva do cinema mexicano, o veterano Ernesto Gómez Cruz, de 86 anos. Só para reavivar nossa memória sobre o cinema azteca: Dom Ernesto protagonizou “El Império de la Fortuna”, baseado em Gabriel García Márquez e dirigido por Arturo Ripstein, e deu vida a Don Ru, o velho Rutílio, que descobre sua tardia homossexualidade no belíssimo “O Beco dos Milagres”, de Jorge Fons (este, um filme baseado no livro homônimo do egípcio Naguib Mahfouz, Prêmio Nobel de Literatura).

O Brasil, mais uma vez, está fora da disputa pelo Ariel de melhor filme ibero-americano. Nosso diálogo com os vizinhos hispano-americanos segue difícil. Fora o melhor dos concorrentes (o colombiano “Pássaros de Verão” – ver lista abaixo), todos os outros quatro, obras que vão do bom ao ótimo, foram lançados comercialmente em nosso circuito exibidor.

Um registro final: os mexicanos, que há 60 anos entregam o Ariel, conseguiram manter número razoável de categorias em disputa (24). A Academia Brasileira de Cinema, responsável pelo Prêmio Otelo, conseguiu, em menos de 20 anos de existência, inchar sua lista de premiáveis de forma espantosa (33). Se continuar neste ritmo, em breve será um dos prêmios mais distributivistas do mundo.

MELHOR FILME, DIREÇÃO E ROTEIRO

. “Roma”, Alfonso Cuarón
. “Museu”, Alonso Ruizpalácios
. “Nuestro Tiempo”, Carlos Reygadas
. “Las Niñas de Bien”, de Alejandra Márquez
. “La Camararista”, de Lila Avilés

MELHOR OPERA PRIMA (DIRETOR ESTREANTE)

.“Ayotzinapa, El Paso de la Tortuga”, de García-Meza
. “Cría Puercos”, de Ehécatl Garage
. Hasta los Dientes, de Alberto Arnaut
. “Los Dias Mas Oscuros de Nosotros”, de Astrid Rondero
. “La Camararista”, de Lila Avilés

MELHOR DOCUMENTÁRIO

. Rush Hour, de Luciana Kaplan
. Rita, el Documental, de Arturo Diás Santana
. Hasta los Dientes, de Alberto Arnaut
. Witkin y Witkin, de Trisha Ziff
. Ayotzinapa, El Paso de la Tortuga, de García-Meza

MELHOR FILME IBERO-AMERICANO

. “Pájaros de Verano”, de Ciro Guerra & Cristina Gallego (Colômbia)
. “La Herederas”, de Marcelo Martinessi (Paraguai)
. “La Noche de 12 Años”, de Alvaro Brechner (Uruguai)
. “El Angel”, de Luis Ortega (Argentina)
. “Campeones”, de Javier Fesser (Espanha)

MELHOR ANIMAÇÃO

. “Ahí Viene Cascarrabias”
. “Ana y Bruno”
. “El Angel em el Reloj
. “La Leyenda del Charro Negro”

MELHOR FOTOGRAFIA

. Alfonso Cuarón (por “Roma”)
. Damián García (por “Museu”)
. Diego García (por “Nuestro Tiempo”)
. Daniela Ludlow (por “Las Niñas de Bien”)
. Carlos F. Rossini (por “La Camararista”)

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