Os vencedores do Festival de Vitória

Por Maria do Rosário Caetano, de Vitória (ES)

O Festival de Cinema de Vitória entregou seus prêmios aos melhores filmes de sua vigésima-sexta edição, em noite de contundentes discursos em defesa do audiovisual brasileiro, da democracia e contra a censura. Mas o fez em clima festivo e sob palavras de ordem — “o amor cura!”, “o afeto acima de tudo” — marcadas pela esperança.

O júri oficial consagrou o cinema nordestino. O vencedor foi “Casa”, da realizadora baiana Letícia Simões, e o filme mais premiado, o paraibano “O seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira)”, de Bertrand Lira, que levou quatro Troféus Vitória (direção, roteiro, interpretação e menção honrosa).

O festival capixaba só premia longas-metragens em cinco categorias (filme, diretor, interpretação, roteiro e contribuição artística). Coube a Marcélia Cartaxo o único troféu destinado a atores. Ela foi premiada por dois filmes: “Pacarrete” e “O seu Amor de Volta”(Mesmo que Ele Não Queira).

No filme do cearense Allan Deberton, Marcélia interpreta bailarina sexagenária, tida como louca, e que deseja montar um ballet para os festejos do bicentenário de sua cidade, Russas, no interior do Ceará. Já em “O seu Amor de Volta”, que Bertrand Lira (paraibano de Cajazeiras, como ela) define como “um documentário em pelo menos 85% de sua narrativa”, Marcélia integra quarteto que revela vivências e perdas amorosas enquanto consulta videntes, cartomantes ou pais de santos. Cabe a ela construir dois testemunhos: um sobre Macabéia, personagem lispectoriana que a revelou no filme “A Hora da Estrela”, e outro sobre perda amorosa que a marcou de forma dolorosa e profunda.

“Casa”, o vencedor, embora tenha produção pernambucana (da Carnaval Filmes), é um longa documental rodado integralmente na Bahia (na Ilha de Itaparica e Salvador). É em sua cidade natal, a capital baiana, que a poeta e cineasta Letícia Simões realiza duro e revelador acerto de contas com a mãe, a já sexagenária Heliana. Esta, por sua vez, faz seu acerto de contas com a própria mãe (e avó de Letícia) Carmelita, de 92 anos. O encontro das três, numa tumultuada noite de Natal, desanda em torno de uma garrafa de vinho e várias caixas de remédio. Mas o filme construirá momentos de ternura, mesmo que raros e fugazes. Pincipalmente, entre a mãe e sua jovem filha-cineasta. Fotografias, em especial, as que Heliana guarda em imensas gavetas (seus “arquivos implacáveis”) serão essenciais à narrativa.

O Júri atribuiu ao documentário gaúcho “Mirante”, de Rodrigo John, o prêmio de melhor Contribuição Artística. Durante longos anos, o cineasta deu uma de “James Stewart dos pampas” e com uma teleobjetiva filmou fragmentos de Porto Alegre, vista do décimo-sétimo andar do Edifício Corcovado. Durante um ano, ele se recuperou de rompimento nos ligamentos do joelho fechado em casa. Resolveu imitar o personagem de Hitchcock em “Janela Indiscreta” e filmar pessoas, prédios, antenas, aves, o rio visto ao longe e captar sons vindos dos noticiários da TV. Começou na era Lula, passou pelo impeachment de Dilma e pelos anos Temer e pressentiu a fúria que tomaria conta do país e elegeria Bolsonaro.

Dois, entre os seis filmes da competição, não foram premiados: o paulistano “Selvagem”, de Diego da Costa (ficção inspirada nas ocupações de escolas secundaristas em São Paulo/2015) e o paranaense “Alice Júnior”, de Gil Baroni, sobre youtuber transexual pernambucana que chega à cidade (fictícia) de Araucária do Sul e tenta inserir-se em meio aos jovens sulistas. Este filme transformou o cinema do Centro Cultural Sesc Glória em espaço de alegria e celebração da diversidade. Se houvesse júri popular para longas-metragens, teria chances.

A mostra competitiva de curtas nacionais consagrou “Negrume3”, de Diego Paulino, com os dois principais Troféus Vitória: melhor filme e melhor diretor. Premiou-se, assim, duas das mais fortes vertentes do festival (junto com o feminismo): o cinema black e o homoafetivo. Diego, que não pôde estar na capital capixaba, pois mostrava o mesmo “Negrume3” em Portugal, é homossexual e negro. Ele define seu curta, uma ficção plugada no afrofuturismo, como “um ensaio sobre negritude, viadagem e aspirações espaciais dos filhos da diáspora”.

O melhor curta capixaba foi o documental “Jardim Secreto”, de Shay Peled. Trata-se de trabalho de muitas qualidades. A jovem cineasta acompanha o comerciante Eugênio Martini que, depois de ser assaltado dezenas de vezes, implantou, no centro de Vitória, rede de câmaras de vigilância. E um jardim com muitas flores, coelhos e pássaros. Na primeira metade do filme, o público pensa tratar-se de cidadão com alto espírito comunitário. Mas, com o passar do tempo, se descobrirá que ele é dono de temperamento autoritário e comunga de ideias do tipo “bandido bom é bandido morto”. Foram muitas as vaias dos espectadores aos discursos e posturas do comerciante. Não ao filme, construído com ética e habilidade, de forma a destacar as ambiguidades do controverso (e bisbilhoteiro da vida alheia) personagem.

Confira abaixo os vencedores do festival:

LONGAS-METRAGENS

. “Casa”, de Letícia Simões (PE-BA) – melhor filme

. “O seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira”(PB) – melhor diretor (Bertrand Lira), melhor roteiro (Bertrand Lira), melhor interpretação (Marcélia Cartaxo), menção honrosa para William Muniz (pelo papel de Laura de Jezebel).

. “Pacarrete” (CE) – melhor Interpretação para Marcélia Cartaxo

. “Mirante”, de Rodrigo John (RS) – Contribuição Artística

CURTAS-METRAGENS

. “Negrum (SP) – melhor filme, melhor diretor (Diego Paulino)

. “Sangro”, de Tiago Minamisawa, Bruno H. Castro e Guto BR (SP)- melhor filme pelo Júri Popular

. “O Órfão” , de Carolina Markowicz (SP) – melhor Interpretação para Kauan Alvarenga

. “A Praga do Cinema Brasileiro” (DF) — melhor roteiro (William Alves e Zefel Coff)

. “Quando Elas Cantam” , de Maria Fanchin (SP): Contribuição Artística

. “Guaxuma”, de Nara Nomande (PE) – Prêmio Especial do Júri

MOSTRA FOCO CAPIXABA

. “Jardim Secreto”, de Shay Peled (melhor filme)

FESTIVALZINHO DE CINEMA DE VITÓRIA

. “Arani Tempo Furioso”, de Robert Chay Domingues da Rocha (melhor filme pelo júri popular)

MOSTRA DO OUTRO LADO

. “Caranguejo Rei”, de Enock Carvalho e Matheus Farias (melhor filme)

. “Carne Infinita”, de Isadora Cavalcanti (menção honrosa)

MOSTRA NACIONAL DE CINEMA AMBIENTAL

. “Ka’a zar ukyze wà – Os Donos da Floresta em Perigo”, de Flay Guajajara, Edvan dos Santos Guajajara e Erivan Bone Guajajara (melhor filme)

MOSTRA NACIONAL DE VIDEOCLIPES

. “Pedrinho” (da cantora Tulipa Ruiz), de Fábio Lamounier, Pedro Henrique França e Rodrigo Ladeira (melhor videoclip)

. “Ok Ok Ok” (do cantor Gilberto Gil), de Victor Hugo Fiuza (menção honrosa)

MOSTRA MULHERES NO CINEMA

. “Deus te Dê Boa Sorte”, de Jacqueline Farias (melhor filme)

. “Afeto”, de Gabriela Gaia Meirelles e Tainá Medina (menção honrosa)

MOSTRA CINEMA E NEGRITUDE

. “Sem Asas”, de Renata Martins (melhor filme)

. “Motriz”, de Tais Amordivino (menção honrosa)

MOSTRA OUTROS OLHARES

. “Do Outro Lado”, de Bob Yang e Frederico Evaristo (melhor filme)

. “Kris Bronze”, de Larry Machado (menção honrosa)

MOSTRA CORSÁRIA (filmes experimentais)

. “A Profundidade da Areia”, de Hugo Reis, e “Plano Controle”, de Juliana Antunes — melhores filmes

MOSTRA QUATRO ESTAÇÕES

. “Tea for Two”, de Julia Katharine (melhor filme)

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