João Acaiabe, o Tio Barnabé do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, morre vítima de Covid-19
Por Maria do Rosário Caetano
O ator, locutor, dublador e professor João Acaiabe, protagonista do filme “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda” e figura presente em muitos programas infantis, como o “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, da Globo, e o “Bambalalão”, da TV Cultura, morreu na madrugada dessa quinta-feira, primeiro de abril, em São Paulo, vítima de Covid-19. João Batista Acaiabe, que nasceu no interior de São Paulo, em Espírito Santo do Pinhal, região de Campinas, faria 77 anos no próximo mês de maio.
Quem foi criança no comecinho dos anos 2000, lembra-se de Acaiabe na pele de Tio Barnabé, na segunda adaptação do texto lobatiano, produzida pela Globo e embalada por sacudida canção-tema de Gilberto Gil.
O ator Paulo Betti, interiorano como Acaiabe, pranteou o colega, que era “um grande ator, professor e contador de histórias”. E que ficará guardado na memória infantil pelo bordão “Senta que lá vem história”, pronunciado centenas de vezes, na TV Cultura, para atrair a atenção da garotada.
A memória dos cinéfilos preservará em lugar nobre o curta-metragem gaúcho “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda”, dirigido por Jorge Furtado e José Pedro Goulart, premiado no Festival de Gramado (além de melhor filme, Acaiabe ganhou o Kikito de melhor ator) e no Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana, em 1986. O prêmio Coral cubano foi entregue aos jovens Furtado e Goulart pelo cineasta Francis Ford Coppola.
“Dorival” nasceu de trecho do romance “O Amor de Pedro por João”, de Tabajara Ruas, e conta a história de preso que deseja tomar banho, em dia de Carnaval e muito calor. Soldado, cabo, enfim, a guarda inteira, resolvem impedi-lo. Em diálogo com o cinema, militar de baixa patente associa o rebelde prisioneiro negro a um filme, evocando “King Kong”. Evoca-se, também, westerns sessão da tarde e “Casablanca”. Ninguém pense, porém, que curta-metragem, que arrebata e faz o público pensar, reforça preconceitos. Ao contrário, a narrativa demostra a força libertária do encarcerado.
O filme gaúcho foi eleito um dos 100 mais importantes curtas-metragens brasileiros segundo votação da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Na lista – encabeçada por “Ilha das Flores”, do mesmo Jorge Furtado –, ele ocupa o vigésimo lugar.
Em depoimento emocionado e bem-humorado, o portalegrense Furtado relembra as filmagens do “Dorival”, na capital gaúcha, e o primeiro encontro dele e do parceiro José Pedro Goulart com João Acaiabe.
“Estou muito triste com a morte do Acaiabe, um grande ator e um amigo. Ele foi um encontro que mudou minha vida, ao encarnar o personagem Dorival”. Para prosseguir: “Zé Pedro Goulart e eu já estávamos filmando, quando ele chegou de São Paulo, só havíamos nos comunicado por telefone. João entrou no set, uma sala de aula do Colégio Rosário, olhou para mim e para o Zé Pedro, dois jovens e inexperientes diretores, e disse em alto e bom som, para que toda a equipe ouvisse: “Diretor e merda para mim é a mesma coisa!” Foi o início de uma longa amizade”. O ator, de verve única, brincalhão como ele só, emulava frase do roteiro que lhe coubera decorar: “Cabo e merda para mim é a mesma coisa, tu gosta é de dar o rabo pros recrutas”. Os diálogos do filme, coloquiais e cotidianos, são recheados de palavrões.
O roteiro, escrito a quatro mãos, pelos diretores e por Giba Assis Brasil e Ana Luiza Azevedo, é impregnado por ira santa, muito humor e metalinguagem nada artificiosa. As citações ao cinema (a “King Kong”, ao faroeste e ao clássico “Casablanca”) fazem parte da essência estrutural do filme.
Além de “Dorival”, Acaiabe atuou em 22 filmes (os mais conhecidos são os longas-metragens “Eles Não Usam Black-Tie”, de Leon Hirzman, e “Casa de Areia”, de Andrucha Waddington). Mas sua fama veio, primeiro, dos programas infantis, depois das telenovelas. Ele interpretou Seu Pimpinonni em “Uma Rosa com Amor”, protagonizada por Marília Pera, fez “Tenda dos Milagres”, baseada em dois livros de Jorge Amado, e causou frisson na pele do cozinheiro Chico na versão brasileira de “Chiquititas”, esta no SBT.
O ator gaúcho Sirmar Antunes, que trabalhou com Acaiabe no elenco de “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda”, relembra o amigo, com saudades. “Quando fui morar em São Paulo, levei o Troféu Kikito que ele ganhara, cinco anos antes, pelo ‘Dorival’. Ao recebê-lo, o rosto de Acaiabe iluminou-se em um grande sorriso”.
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Descanse em paz! Perdemos um grande artista