King Kong en Asunción

Por Maria do Rosário Caetano

“King Kong en Asunción”, o terceiro longa-metragem de Camilo Cavalcante – o primeiro a unir quatro países (Bolívia, Paraguai, Argentina e Brasil) –, estreia, nessa quinta-feira, 2 de setembro, um ano depois de triunfar no Festival de Gramado.

Por que lançar um filme que encantou públicos dos mais diversos festivais em momento ainda tão difícil? Não dava para esperar o controle total da pandemia e o regresso do público aos cinemas?

O calmo Camilo Cavalcante, um dos nomes mais festejados e premiados do audiovisual pernambucano, externa as razões desse lançamento em tempos adversos: “’King Kong en Asunción’ participou mesmo de vários festivais e mostras no Brasil e no exterior. Caso do Los Angeles Brazilian Film Festival, no qual ganhou os prêmios de melhor filme, ator e direção. Foi selecionado e bem recebido em Santa Maria da Feira, Portugal, no Festival Internacional do Paraguai, no FAM (Florianópolis Audiovisual MercoSul), no Utopia Film Festival, no Reino Unido, no Festival do Rio, no Pachamama Fest e premiado na mostra Sob o Céu Nordestino, no Festival Aruanda”. Infelizmente – justifica – “devido aos prazos contratuais com a Ancine, que precisam ser cumpridos, não podemos esperar tempo mais elástico para fazer o lançamento nas salas de cinema. Como a maioria delas voltou a funcionar, torcemos para que o público vá prestigiar nosso filme”.

O recifense Camilo, de 46 anos, confia no trabalho de sua distribuidora, a Arthouse, de Marcelo Ludwig Maia e parceiros, que conseguiu articular salas para exibição de “King Kong em Asunción” em todo o território brasileiro. Mas, pondera, “como se trata de lançamento independente e com recursos limitados, sempre nos deparamos com um desafio muito grande”. É difícil “conseguir espaço de exibição neste latifúndio dominado por empresas estrangeiras”. Mesmo assim – garante – “seguimos em frente com persistência e estratégia para que o filme possa chegar ao seu público”.

Quanto à TV e ao streaming, a Arthouse e o pernambucano vão respeitar a devida “janela”. “Só no final do ano ‘King Kong en Asunción’ estreará no Canal Brasil e no Now, plataforma on-line”.

Depois de carreira bem-sucedida no curta-metragem, Camilo estreou no longa com “História da Eternidade”. E foi, já com o primeiro filme, consagrado no Festival de Paulínia. Realizou, depois, “Beco”, longa documental filmado em mercados e bares populares do Recife. Sentiu-se, então, encorajado a abraçar sua produção mais complexa: uma ficção, em diálogo com o cinema documental, filmada em três países (Bolívia, Paraguai e Brasil), com retaguarda argentina na produção e na trilha sonora (assinada por Shaman Herrera, músico radicado na Patagônia).

O que Camilo aprendeu com essa aventura sul-americana? Valeu a pena? Ou foi penoso?

O pernambucano tem certeza que valeu a pena: “Foi uma experiência incrível em vários aspectos. Filmamos com equipe compacta e estrutura de produção enxuta, seguindo o modelo de baixo orçamento”. Por outro lado, “estas condições injetaram um espírito de aventura à realização, processo permeado por extrema liberdade criativa e artística”. E mais: “este projeto também proporcionou intensa cooperação entre técnicos, artistas e profissionais do Brasil, da Bolívia, do Paraguai e da Argentina. Buscamos abolir as fronteiras e fomentar o olhar crítico para evidenciar o quanto temos em comum na história política e social latino-americana, cujo enredo foi construído de forma perversa, violenta e injusta”.

Outro aspecto relevante: “Em outubro ‘King Kong em Asunción’ será lançado na Bolívia e já estamos ultimando parceiras para lançá-lo no Paraguai”.

Só uma dor perturba os sentimentos de Camilo Cavalcante: “Infelizmente, nosso protagonista, o grande ator Andrade Júnior, força motriz desse projeto, faleceu em 2019, antes do filme ser finalizado. Isso dói muito”. Mas – recobra o pique – “a cada exibição, ele revive luminoso na tela com todo o seu talento e energia. Cada espectador que assistir ao nosso filme estará prestando homenagem a Andrade Júnior”.

“King Kong en Asunción” é uma narrativa livre, poética e visceral. Seu protagonista, o pranteado ator cearense-candango Andrade Júnior (ele viveu 60 de seus 74 anos em Brasília), atua como se tivesse possuído por seu personagem, “O Velho”, um pistoleiro de aluguel que perambula por charcos, salinas, montanhas e florestas latino-americanas, alugando sua mão-de-obra. Só que ele está cansado e deseja aposentar-se. E, principalmente, reencontrar uma filha, que não viu crescer.

Antes de aposentar-se, o Velho aceita uma última encomenda: matar um homem distinto, decerto um empresário (quem sabe um político). Nada saberemos do morto. Cumprido o trato, ele ruma para Assunção, onde nascera sua abandonada filha, fruto de relacionamento com Constanza, mulher paraguaia. Antes, porém, vai parar num bar boliviano, onde manterá conversa regada por alta dosagem etílica com Chiquitano (Juan Carlos Aduviri). Um interlocutor que quer “morrer de sífilis”, trazida por sexo, calibrado com infinitos tragos.

“King Kong en Assunción” resulta de hibridização de gêneros. Começa como um western crepuscular, ambientado num deserto de sal (a imensa Salina de Uyuni, na Bolívia). Depois, a narrativa transforma-se em um road movie. O Velho encostará seu esqueleto e sua enorme barriga em hotéis de segunda categoria, passará por prostíbulos e bares. Verá folguedos populares, igrejas e procissões. Pretende, finalmente, redimir-se de 40 anos dedicados à pistolagem. Quer deixar de ser um “bicho”, encontrar sossego junto a Constanza e à filha desconhecida. Realizará seu intento derradeiro? Só vendo o belo filme camiliano, narrado, com voz profunda e xamânica, por uma índia guarani (interpretado com imensa entrega pela atriz paraguaia Ana Ivanova, de “Las Herederas”).

 

King Kong en Asunción
Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina, 90 minutos, 2021
Direção: Camilo Cavalcante
Fotografia: Camilo Soares
Trilha sonora: Shaman Herrera
Elenco: Andrade Jr, Fernando Teixeira, Ana Ivanova, Juan Carlos Aduviri, Georgina Genes, Ede Colina, Lucrecia Carrillo, Laura Marín e Maycon Douglas

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