Academia Brasileira indica “Deserto Particular” para campanha ao Oscar internacional
Por Maria do Rosário Caetano
A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais indicou, por decisão de júri composto de sete integrantes, o longa paranaense “Deserto Particular”, de Aly Muritiba, à disputa por vaga no Oscar internacional.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deve receber, para sua nonagésima-quarta edição, mais de 100 indicações vindas dos cinco continentes. Só cinco chegarão à cerimônia anual. A data da entrega dos troféus, deste que é o mais badalado prêmio cinematográfico do mundo, ainda não foi confirmada. Mas deve acontecer em fevereiro ou março de 2022.
Para colocar “Deserto Particular” na lista de pré-finalista ao Oscar internacional, Aly Muritiba enfrentou fortes concorrentes, como “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi, “7 Prisioneiros”, de Alex Moratto, e “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos. O primeiro, com temática ligada à cultura indígena e à Amazônia, santuário ecológico conhecido (e defendido) planetariamente. O segundo e o terceiro ancoraram suas narrativas em questões estruturais da vida brasileira – a escravidão, que subsiste em nossos dias, e o racismo.
O júri – formado com a atriz Virgínia Cavendishi, os produtores Paula Barreto e Leonardo Ede, os cineastas Allan Deberton e Belisário Franca, o montador Felipe Lacerda e o crítico Luiz Zanin – não escolheu como finalista um título ligado à vertente black, força significativa do cinema contemporâneo, mas seguiu pelos caminho dos novos afetos e configurações corporais. Para Muritiba, “Deserto Particular” é “um filme de amor”.
O cineasta vibrou com a indicação da Academia Brasileira. Politizado, como ele só, discursou: “Estou me sentindo extremamente feliz e honrado de ter o meu filme escolhido para representar o Brasil na corrida ao Oscar. ‘Deserto Feliz’ é um filme de amor, feito em um país conflagrado, dividido, que tem sido pautado pelo discurso do ódio”. Daí que “ter, nesse momento histórico, um filme de amor como representante de nosso país é uma bela mensagem, um belo sinal, mandado pelos representantes da Academia Brasileira de Cinema”.
Muritiba viu na escolha “um recado de crença no cinema, e de crença no poder transformador do amor, da tolerância, do encontro. Fico muito feliz de ter essa responsabilidade, de levar aos membros da Academia norte-americana de Cinema uma outra visão, uma visão distinta de Brasil. Um Brasil mais tolerante e amável. Um Brasil que está muito mais disposto ao encontro, ao sorriso e ao prazer do que à disputa, à guerra, à raiva e ao ódio”.
“Deserto Particular”, o escolhido, é o sexto longa-metragem do baiano (radicado no Paraná) Aly Muritiba, de 42 anos. O filme marca sua volta às origens, ou seja, ao sertão baiano. O cineasta (e ex-agente penitenciário) nasceu na pequena e sertaneja Mairi (19 mil habitantes), estudou Sociologia em São Paulo, fez concurso para a Polícia e foi aprovado. Inseriu-se, por muitos anos, no sistema prisional paranaense. Cursou Cinema em Curitiba, cidade onde realizaria seus primeiros curtas e o longa documental “A Gente”, em grande parte ligados ao mundo prisional.
Seu primeiro longa de ficção – “Para minha Amada Morta” – fez carreira em festivais internacionais e foi sequenciado com “Ferrugem”, melhor filme em Gramado, três anos atrás. Seguiram-se “Nóis por Nóis” (parceria com Jadir Santin) e o inédito “Jesus Kid”. Para a TV, Muritiba codirigiu “Carcereiros” (com José Eduardo Belmonte) e, sozinho, “O Caso Evandro”.
“Deserto Particular” começa em Curitiba, onde vive o policial Daniel (interpretado pelo maranhense, nascido em Paris, Antônio Saboia, de “Bacurau”). Afastado de suas funções e submetido a processo por desvio de conduta, o PM passa os dias na companhia do pai idoso e doente. Fala pouco e tem, como único motivo de alegria, contato digital com uma moça, identificada como Sara. Ela vive no sertão da Bahia, envolta em atmosfera de mistério.
Sem notícias de Sara, o rapaz resolve pegar a estrada até encontrá-la. Ela, afinal, é sua única esperança de amor e tempos melhores. Angustiado e ansioso, ele chega a Sobradinho, cidade erguida ao redor de imensa represa hidrelétrica. Por isso, o baiano Aly Muritiba viu nessa paisagem física, o espaço ideal para simbolizar os estados de alma de seu atormentado protagonista.
“Sobradinho” – lembra ele – “é uma cidade rodeada de energia elétrica, mas também erguida sob o signo do represamento, do controle do fluxo das águas”. A região foi, portanto, essencial à constituição da atmosfera que ele imprimiu ao filme.
O desvio de conduta do policial não é explicitado abertamente pela narrativa. Mas o roteiro fornece indícios, mesmo que lacunares, do incidente que o levaria a ser processado pela corporação à qual servia. O espectador tem que ficar atento a cada sinal, para não descrer dos atos de Daniel.
No elenco, além do protagonista Antônio Saboia, estão Pedro Fasanaro, Laila Garrin, Cynthia Senek e Thomas Aquino. A produção uniu Brasil (Grafo) e Portugal (Fado Filmes). O filme poderá ser visto pelo público na programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (de 20 de outubro a 3 de novembro). Sua estreia no circuito comercial está prevista para o dia 25 de novembro.
Confira os candidatos:
. “Deserto Particular”, de Aly Muritiba (Paraná), o escolhido
. “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi (SP)
. “7 Prisioneiros”, de Alex Moratto (SP)
. “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos (RJ)
. “Callado”, de Emília Silveira (RJ)
. “Cabeça de Nêgo”, de Déo Cardoso (Ceará)
. “Cavalo”, de Rafhael Barbosa e Werner Salles Bagetti (Alagoas)
. “A Nuvem Rosa”, de Luli Gerbase (Rio Grande do Sul)
. “Carro-Rei, de Renata Pinheiro (Pernambuco)
. “Por que Você Não Chora?, de Cibele Amaral (Brasília)
. “Meu Nome é Bagdá, de Caru Alves de Sousa (SP)
. “Limiar”, de Coraci Ruiz (Campinas-SP)
. “Um Dia com Jerusa”, de Viviane Ferreira (SP)
. “Doutor Gama”, de Jeferson De (SP)
. “Selvagem”, de Diego Costa (SP)
Desejaria muita sorte, ao cineasta. É uma pena que ele, esteja a esquerda no espectro político! Então não ficarei na expectativa!