O Canto Livre de Nara
Por Maria do Rosário Caetano
Se não tivesse morrido aos 47 anos, Nara Leão, a mais carioca das cantoras capixabas, faria 80 anos nesse mês de janeiro. Para lembrar a data e revisitar a fértil carreira da artista, o documentarista Renato Terra realizou a série “O Canto Livre de Nara”, que estreia na Globoplay, nessa sexta-feira, 7 de janeiro.
O cineasta, codiretor de “Uma Noite em 67” e “Narciso em Férias”, ambos fruto de parceria com Ricardo Calil, dividiu a trajetória da artista, um dos pilares da Bossa Nova e da canção de protesto, em cinco episódios.
“No primeiro” – detalha – “falamos justamente sobre a Bossa Nova e há um momento incrível, que a gente reconstitui, com auxílio de fotos raríssimas, as reuniões no mítico apartamento da família de Nara em Copacabana. Colorizamos algumas dessas fotos”.
“Cada episódio tem sua atmosfera própria”, lembra o cineasta, um realizador apaixonado pela era dos festivais (embora só tenha 40 anos) e pela MPB. Tanto que realizou, com Calil, outra série disponível na Globoplay, “Noites de Festival”, de ótima qualidade.
“Não seguimos uma fórmula na estruturação de ‘O Canto Livre de Nara’”, conta o diretor. “O primeiro episódio é leve, solar, tem muitas imagens de arquivo nas quais os participantes da Bossa Nova estão jovens e radiantes”. Já o segundo, “que culmina no show Opinião, tem um peso maior. É mais denso, complexo. Conseguimos documentos inéditos da ditadura sobre a Nara”.
O terceiro vai atrair os fãs da cantora e os de Chico Buarque de Hollanda. “Falamos da incrível parceria de Nara com o autor de tantas músicas gravadas por ela, a começar por ‘A Banda’. O Chico deu um longo e generoso depoimento exclusivo para nossa série”.
Renato Terra lembra que, “no quarto episódio, vemos Nara Leão rompendo preconceitos no campo da música e dos costumes”. A ponto de “participar do Tropicalismo e depois gravar um disco inteiro só com músicas de Roberto e Erasmo Carlos, quando a MPB ainda torcia o nariz para eles”.
“No episódio final, sobre a intimidade da Nara” – conta (mas não conta!) –, “tem a cena mais linda que já gravei na vida. Mas não vou dar spoiler. Espero que o público se emocione metade do que me emocionei ao registrá-la”.
Claro que uma das presenças garantidas na série é a do mais carioca dos capixabas, Roberto Menescal, de 84 anos. A amizade dos dois era tão profunda que, em 1989, quando Nara viveu a fase derradeira do câncer do qual foi vítima, Menescal pediu licença do emprego (era produtor e executivo de uma das mais importantes gravadoras do país) para ajudar a cuidar dela.
O cineasta, que prepara mais uma incursão cinematográfico-musical pelo universo musical de Belchior, diz que “O Canto Livre de Nara” não teria chegado ao resultado que chegou, se não contasse com parceira fundamental, a montadora Jordana Berg. “Sem ela, não sou ninguém”, exagera.
A Revista de CINEMA quis saber do documentarista e jornalista (da equipe da revista Piauí e da Folha de S. Paulo) de onde vem tamanha paixão pelos festivais e pela música popular brasileira. E sobre o projeto Belchior.
Você tem se dedicado, desde “Uma Noite em 67”, ao fértil tema da MPB e dos festivais. De onde vem sua paixão por documentários musicais? Você acredita que o brasileiro ainda é o “tal” em futebol e na canção popular?
Começou vendo como meus pais se relacionavam com música. Paulo Terra, meu pai, foi um pretendente a ator e participou da peça “Calabar”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, como figurante. Também produziu e dirigiu um show da Adelaide Chiozzo. Minha mãe mudava todo seu semblante quando ouvia Gonzaguinha. Depois, na faculdade, fui perceber que Chico, Caetano, Gil foram também figuras paternas para mim (dessa vez, olhando para fora da janela, aprendendo a interpretar o Brasil, a olhar para nossa realidade). Me senti pertencente a alguma coisa ali. Mas é mais do que isso, tem uma coisa grande na nossa relação com a música que eu não sei muito bem como nomear. Mas existe até hoje.
Você e Calil realizaram série sobre festivais, foram à Jovem Guarda, com Carlos Imperial, mergulharam na prisão de Caetano Veloso durante a ditadura militar e agora você chega a Nara. Há novos projetos para cinema ou TV com novos nomes de nossa música?
Junto com Ricardo Calil, por enquanto, não há nada de concreto. Tenho o projeto de um filme a partir do disco “Alucinação” do Belchior. Mas não é um filme sobre o disco. É um filme que parte das músicas do disco para tentar fazer uma crônica visual e sonora da geração 1970 no Brasil.
FILMOGRAFIA
Renato Terra (Rio de Janeiro/RJ, 1981)
2010 – “Uma Noite em 67” – Com Ricardo Calil (sobre o Festival da Canção da TV Record, em 1967)
2013 – “Fla x Flu – 40 Minutos Antes do Fim” (sobre a centenária rivalidade entre Flamengo e Fluminense)
2015 – “Eu Sou Carlos Imperial” – Com Ricardo Calil (sobre o compositor e produtor da Jovem Guarda)
2020 – “Narciso em Férias” – Com Ricardo Calil (sobre a prisão de Caetano Veloso, durante a ditadura militar)
2020 – “Noites de Festival” – Com Ricardo Calil (série Globoplay relembra a chamada Era dos Festivais, de 1965 a 1972)
2022 – “O Canto Livre de Nara” (série Globoplay)