Festival In-Edit reúne Belchior, Cafi, Manguebit e Sinfônica de Campinas

Por Maria do Rosário Caetano

A décima-quarta edição do Festival In-Edit Brasil, dedicado por inteiro a documentários musicais, começa nessa quarta-feira, 15 de junho, em formato híbrido, com sessões presenciais em diversos cinemas paulistanos e com sessões on-line acessíveis em todo território brasileiro.

A festa de sons e imagens prossegue até dia 26, com sessões gratuitas (exceção para o CineSesc) e fornecerá aos melômanos 67 filmes, sendo 33 brasileiros. O vencedor da competição nacional representará o Brasil no In-Edit Barcelona, matriz desse evento, capaz de mobilizar multidões em dezenas de países.

O Festival Brasileiro de Documentários Musicais não investe muita energia em correr atrás de filmes 100% inéditos. O que seu comando deseja é oferecer ao público amplo panorama do que se fez, no país, em curta, média e longa-metragem, na área da música popular, na qual temos know-how respeitável, e no campo erudito. Sob a sigla MPB está diretamente ligado o filme sobre Belchior, o belo e comovente “Apenas um Coração Selvagem”, de Natália Dias e Camilo Cavalcanti. E, indiretamente, “Cafi”, de Lírio Ferreira e Natara Ney, sobre um dos mais famosos capistas de 300 de nossos elepês, o pernambucano Carlos da Silva Assunção Filho (1950-2019). Ele não era músico, mas embalou com suas imagens capas de centenas de vinis e CDs, sendo a mais famosa de todas, a do Clube da Esquina, com dois meninos, um negro e um branco, numa beira de estrada de chão batido.

Da Bahia chega “Alan”, dos Irmãos Lisboa, Daniel e Diego, sobre um rapper do Terceiro (ou Quarto) Mundo, soteropolitano, que de tão pobre, não tinha como entrar nos shows, nem produzir suas performances rimadas. Invadia, pois, shows alheios, pelo teto, correndo risco de vida. E, também, invadia palcos, para mostrar seus versos ritmados. Viveu com duas armas na mão: ora a caneta, ora um revólver.

De Pernambuco chega “Manguebit”, de Jura Capela, registro do movimento que sacudiu mangues e asfaltos do Recife, na década de 90, com a geração de Chico Science, Fred Zero 4 e Nação Zumbi. Já “As Faces do Mao”, de Dellani Lima e Lucas Barbi, marca encontro com José Mao Rodrigues Jr, professor universitário, militante político e anarquista, líder da banda Garotos Podres.

“A Música Natureza de Léa Freire”, de Lucas Weglinski, apresentará ao público cinéfilo, a compositora e instrumentista Léa Freire, que iniciou sua trajetória na noite paulistana e chegou, segundo a equipe do filme, “a ser comparada a Tom Jobim, Villa-Lobos e Hermeto Pascoal”.

Na mostra de curtas, composta com onze títulos, um chama atenção especial – “A Orquestra das Diretas”, de Cauê Nunes. Em apenas 20 minutos, o jovem cineasta relembra a história da Sinfônica de Campinas e de seu maestro, Benito Juarez (1933-2020). Depois de criar o Coral da USP e passar pela Banda Sinfônica do Exército, o miúdo e elétrico Benito, nascido em Januária-MG, deu com os costados em Campinas, e, por 25 anos, foi diretor artístico e regente da Orquestra Sinfônica do rico município paulista. Na época da campanha das Diretas, Já!, ele e seus músicos marcaram presença em atos cívicos que transformaram a formação orquestral campineira em patrimônio afetivo-familiar de milhões de brasileiros.

Quem acompanhou o In-Edit 2020 e 2011 – ambos integralmente on-line – pela telinha e quiser assistir aos filmes premiados, agora na telona, poderá fazê-lo. Pois os longas documentais dedicados ao genial violonista Garoto, a Dom Salvador, a Alzira E e aos Secos & Molhados estão programados em Sessões Especiais ao Vivo.

Como o In-Edit é um evento de alcance internacional, 25 documentários estrangeiros serão exibidos em sessões presenciais (uma seleção deles será disponibilizada on-line). O filme inaugural, o inédito “Nothing Compares”, de Kathryn Ferguson, registra momentos da polêmica trajetória da cantora irlandesa Sinéad O’Connor. A diretora, também irlandesa, promete um olhar feminista sobre a vida da artista que mudou radicalmente a figura da mulher no rock com suas atitudes (raspar sua cabeça, usar roupas masculinas e soltar frases polêmicas ao referir-se à moral e aos bons costumes britânicos). Além de ser narrado pela voz da própria Sinéad O’Connor, o filme traz imagens inéditas dela, oriundas de arquivos diversos.

Amantes do jazz não podem perder “Rewind and Play”, de Alain Gomis, registro raríssimo do genial Thelonious Monk (1917-1982), resgatado dos acervos do INA (o poderoso Instituto Nacional de Arquivos da França). No final dos anos 1960, o grande artista norte-americano foi, acompanhado pela inseparável esposa Nellie Smith, apresentar-se em Paris. E concedeu entrevista (à TV) em que praticamente repetia, na afirmativa, o que o entrevistador colocara em tom interrogativo. Se a entrevista não rendeu nada (e por isso nem foi ao ar), o que suas mãos executaram ao piano em entrega total ao instrumento (ele suava em bicas) deixará os espectadores em estado de graça. O que um dia não teve nenhum valor jornalístico e foi arquivado, hoje é capaz de provocar encantamento.

Do mundo afro-lusitano, chega “Cesária Évora”, de Ana Sofia Fonseca, sobre a musa dos pés descalços, a grande cantora caboverdiana. Quem perdeu a exibição do filme no festival É Tudo Verdade, não pode vacilar. Trata-se de biscoito fino. As mornas de Cesária (1941-2011) são inesquecíveis e fazem muita falta.

Outro filme lusitano programado pelo In-Edit é “Já Estou Farto!”, de Paulo Antunes, que tem a Banda Peste & Sida em seu foco. Criado em 1986, o grupo lisboeta pode ser acusado de tudo, menos de ter um nome esquecível. Optou por achado de rara inventividade. Impossível olvidá-lo e deixar de evocar seus muitos significados. Também de Portugal nos chega “Meu Caro Amigo Chico”, de Joana Barra Vaz. Todo mundo sabe que Chico Buarque dialogou, em “Meu Caro Amigo”, com Augusto Boal, que encontrava-se no exílio. Pois Joana, que é cantora, resolveu realizar um longa-metragem musical em forma de carta. E colocou, para dialogar com o compositor brasileiro, artistas portugueses (entre eles António Zambujo, Bernardo Barata etc.). Estes enviam canções ou testemunhos ao autor de “Tanto Mar”. Embora a ideia seja melhor que o resultado (o filme foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo), “Meu Caro Amigo Chico” serve como prova do quanto nossa música popular é capaz de romper fronteiras.

Amantes da música black têm encontro marcado com ao menos dois filmes: “Tina”, de Daniel Lindsay e T.J. Martin, e “Studio 17: The Lost Reggae Tapes, de Mark James. Este relembra os tempos em que Bob Marley & The Wailers, Lee “Scratch” Perry, Peter Tosh, Gregory Isaacs, The Skatalites eram os reis do ritmo e da malemolência embalada pela marijuana. No famoso estúdio, encontraram-se os artífices da revolução musical jamaicana que sacudiu o Ocidente após a independência da grande ilha caribenha (em 1962, três anos depois de Cuba). E plantou sucursais duradouras nos nossos Maranhão e Bahia.

“Tina”, como o próprio nome diz, traz um pouco das venturas e desventuras da estrela black Tina Turner, que em novembro completará 83 anos. Com esse filme, Lindsay e Martin garantem que ela se despede da vida pública e o faz com “um relato íntimo e revelador sobre sua vida e sua carreira”. O documentário já foi exibido em canais de streaming e VOD, mas – argumentam os organizadores do In-Edit – exibido em um cinema, com imensa tela e sala cheia, a sensação há de tornar-se inigualável.

O filme “The Conductor”, de Bernadette Wegenstein, desenha retrato da regente Marin Alsop que atuou, por significativo período (2011 a 2019), na regência da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) ajudando a transformá-la numa das mais conceituadas do mundo. Já “The Unicorn”, de Isabelle Dupuis e Tim Geraghty, documenta a vida de Peter Grudzie, notável por ter gravado o elepê “The Unicorn”, tido como o primeiro álbum country abertamente gay da história. Registremos que o meio “caipira” é tido, tanto nos EUA como aqui, quanto em outras paragens, como dos mais conservadores.

Confira a programação:

. Abertura- Sessão presencial gratuita, nesta quarta-feira, 15 de junho, às 20h30, no CineSesc – “Nothing Compares”, de Kathryn Ferguson. Ingressos distribuídos na bilheteria do cinema, com uma hora de antecedência (sujeito à lotação da sala).

PANORAMA BRASILEIRO

Competição Nacional:

. “Alan”, de Daniel Lisboa e Diego Lisboa, os Irmãos Lisboa (BA)
. “Belchior – Apenas um Coração Selvagem”, de Natália Dias e Camilo Cavalcanti (RJ)
. “Cafi”, de Lírio Ferreira e Natara Ney (PE)
. “Manguebit”, de Jura Capela (PE)
. “A Música Natureza de Léa Freire”, de Lucas Weglinski (SP)
. “As Faces do Mao”, de Dellani Lima e Lucas Barbi (SP)

Mostra Brasil:

. “Bandoneando – A Busca pelos Bandoneonistas Negros da Campanha Gaúcha”, de Diego Müller (RS)
. “Castanheiro do Forró”, de Alfredo Bello (SP-PE)
. “Cine Rabeca”, de Marcia Mansur (RS)
. “Ivo Perelman – A Musical Storyteller”, de Leonel Costa (SP)
. “Lenha, Brasa e Bronca: A História de Jacildo e Seus Rapazes”, de Dennis Rodrigues (MT)
. “Queremo Róque!”, de Jivago Del (SC)
. “Tambores da Diáspora”, de João Nascimento (SP)
. Me Chama que Eu Vou, de Joana Mariani (RJ)

Curta um Som:

. “A Orquestra das Diretas”, de Caue Nunes
. As Canções de Amor de uma Bixa Velha, de André Sandino Costa
. “Berimbauzeiro”, de Marco Poglia, Magnólia Dobrovolski e Mário Saretta
. “Da Boca da Noite à Barra do Dia”, de Tiago Delácio (PE)
. “Endless Love”, de Duda Gambogi (RJ)
. “Geruzinho”, de Juliana Teixeira, Luli Morante e Rafael Amorim (SE)
. “Hoje Estamos Aqui: Breve História de um Sound System Amazônico”, de Darien Lamen (AM)
. “Passar Uma Chuva”, de Aron Miranda e Cassandra Oliveira
. “ RAP – Revolução Através da Palavra”, de Washington Deoli (SP)
. “ Sinal de Alerta: Lory F”, de Fredericco Restori (RS)
. “Sobre Pardinhos e Afrocaipiras”, de Daniel Fagundes

Sessões Especiais (presenciais):

. “Carlini – Guitarrista de Rock”, de Luiz Carlos Lucena
. “Gueto Flow, Preto Show”, de Adrianna Oliveira
. “Música para um Filme”, de Otavio Cury
. “Um Disco Normal”, de João Kombi
. “Dom Salvador & Abolition”, de Artur Ratton e Lilka Hara
. “Garoto – Vivo Sonhando”, de Rafael Veríssimo
. “ Aquilo Que Eu Nunca Perdi”, de Marina Thomé
. “Secos & Molhados”, de Otávio Juliano

PANORAMA MUNDIAL

. “Já Estou Farto!”, de Paulo Antunes (Portugal, Banda Peste & Sida)
. “Cesária Évora”, de Ana Sofia Fonseca (Portugal, Cabo Verde)
. “Meu Caro Amigo Chico”, de Joana Barra Vaz (Portugal)
. “Rewind and Play” (sobre Thelonius Monk), de Alain Gomis (França/Alemanha)
. “Tina”, de Daniel Lindsay e T.J. Martin
. “a-ha: The Movie”, de Thomas Robsahm e Aslaug Holm
. “Anonymous Club”, de Danny Cohen
. “Bitchin’: The Sound and Fury of Rick James, de Sacha Jenkins
. “The Conductor”, de Bernadette Wegenstein
. “Crestone”, de Marnie Ellen Hertzler
. “Delia Derbyshire: The Myths and the Legendary Tapes, de Caroline Catz
. “El Niño de Fuego”, de Ignacio Acconcia
. “ Flaming Lips – Space Bubble Film, de Wayne Coyne e Blake Studdard
. “ Freakscene: The Story of Dinosaur Jr.”, de Philipp Reichenhei
. “Getting It Back: The Story Of Cymande”, de Tim Mackenzie-Smith
. “I Get Knocked Down”, de Sophie Robinson e Dunstan Bruce
. “I’m Wanita”, de Matthew Walker
. “Lydia Lunch: The War Is Never Over”, de Beth B.
. “No Ordinary Man”, de Aisling Chin-Yee e Chase Joy
. “Other, Like Me: The Oral History of Coum Transmissions and Throbbing Gristle”, de Marcus Werner Hed e Dan Fox
. “Studio 17: The Lost Reggae Tapes, de Mark James (sobre Bob Marley & the Wailers, Lee “Scratch” Perry, Peter Tosh, Gregory Isaacs, The Skatalites)
. “ In the Court of the Crimson King”, de Toby Amies
. “The Unicorn”, de Isabelle Dupuis e Tim Geraghty

 

14º In-Edit Brasil – Festival Intrnacional do Documentário Musical
Data: 15 a 26 de junho
Formato híbrido. Sessões presenciais em salas paulistanas (CineSesc, Cinemateca Brasileira, Cine Bijou, CCSP – Lima Barreto, Circuito Spcine Roberto Santos, Circuito Spcine Cidade Tiradentes, com sessões especiais na Sala Olido e na Sala São Paulo), e online, na plataforma do Festival e em plataformas parceiras, disponível em todo território brasileiro.
A programação conta ainda com shows (com Banda Mantiqueira, Mundo Livre SA, Black Pantera, Benjamim Taubkin, banda Test, Carline and Friends, Garotos Podres, Os Imitáveis e Alzira E.), masterclass, debates, encontros, sessões apresentadas por convidados e Feira de Vinil. Mostra “Especial Heavy Metal” (com filmes sobre nomes do metal nacional e mundial). Sessões gratuitas (menos no CineSesc, com ingressos de R$8,00 a R$24,00)
Programação completa no site: www.in-edit-brasil.com

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