UFF guarda imagens de Graciliano Ramos filmadas por Esdras Baptista
Por Maria do Rosário Caetano
Acreditava-se que Graciliano Ramos (1892-1953), autor de obras-primas como “Vidas Secas”, “São Bernardo” e “Memórias do Cárcere”, todas transformadas em grandes filmes, nunca tivesse sido filmado. Que do escritor alagoano só haviam sobrado fotos fixas.
Pois o professor Rafael De Luna Freire, coordenador do Lupa-UFF (Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual da Universidade Federal Fluminense) confirma que há, sim, imagens em movimento de Graciliano e que elas foram feitas pelo cinegrafista alagoano, radicado no Rio de Janeiro, Esdras Baptista (1923-1988).
“Esdras, um nome esquecido na historiografia do cinema brasileiro” – conta o coordenador do Lupa –, “foi a única pessoa a filmar Graciliano Ramos em vida. O fez no apartamento do escritor, graças à intervenção de um amigo em comum, o crítico de cinema e produtor comunista Yolandino Maia.
“Em 1992, ano do centenário de nascimento de Graciliano” – prossegue De Luna –, “Hilca Pappi, viúva de Esdras Baptista, começou a produzir um documentário em vídeo sobre o escritor alagoano, intitulado ‘Graciliano: Pequena História de uma Grande Vida’, com novas entrevistas e o material de arquivo deixado pelo marido”.
O acervo de Esdras, todo captado em 16 milímetros, ficou anos sob os cuidados de Hilca Pappi (depois do filho único do casal, Markos, e finalmente da neta Paloma, que doou o acervo ao Lupa). Hilca conseguiu lançar o documentário em vídeo, em 1994, com apoio da Rio Arte e UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)”.
A partir de “Graciliano: Pequena História de uma Grande Vida” – supõe o coordenador Lupa –, “as imagens em movimentos do escritor foram reutilizadas em alguns documentários e estão na internet, provavelmente a partir de fita VHS ofertada à família do autor de ‘Angústia’”.
As imagens registradas por Esdras Baptista mostram cenas raras dos últimos dias de Graciliano Ramos em sua casa, cercado dos filhos e de amigos, caso do pintor Candido Portinari e do editor José Olympio. Se esta é uma boa notícia, há outra preocupante.
Rafael De Luna, depois de lembrar que o Lupa-UFF recebeu, em 2019, o Acervo Esdras Baptista, e está cuidando de sua preservação e catalogação, garante não pode afirmar “se as imagens originais em película de Graciliano ainda podem ser salvas”.
E detalha: “Não conseguimos restaurar todo o material (mais de mil latas) que nos chegou. Estamos fazendo tudo com o devido cuidado. Estamos, inclusive, nos ocupando de vários rolos de materiais colhidos para um documentário em 16 milímetros, nunca concluído, sobre Graciliano, com filmagens nos anos 1970, realizadas em Alagoas”.
“De qualquer modo” – tranquiliza aos que admiram o autor de “Infância” e “Insônia”–, “temos ainda os materiais do documentário em vídeo, que nunca mais circulou após a estreia em 1994”. E garante: “Tudo será, em breve, digitalizado e colocado novamente em circulação, assim como várias outras imagens raras e inéditas filmadas por Esdras Baptista entre os anos 1940 e 1980”.
O cineasta Sylvio Back, que planejava transformar o romance “Angústia” em obra ficcional, projeto ainda não concretizado, acabou por lançar, em 2013, o longa documental “O Universo Graciliano”. O filme, exibido no Festival É Tudo Verdade, se construiu com depoimentos sobre o escritor (de Clara Ramos, Elizabeth Lins do Rego, Oscar Niemeyer, Lêdo Ivo, Beatriz Riff, entre outros) e imagens evocativas do mundo em que o escritor viveu. Mas sem as imagens captadas por Esdras Baptista.
Entre os materiais do Acervo legado por Paloma, neta de Hilca Pappi, que o Lupa-UFF já restaurou, há imagens da Passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro em 1968 (portanto, 15 anos depois do registro feito na casa de Graciliano Ramos). Com seis minutos de duração, o filme da rebelião carioca, captado em 16 milímetros, já foi digitalizado e mostrado em festival em Montreal, no Canadá.
João Luiz Vieira, professor da UFF, diz que o material traz novos personagens e ângulos da famosa passeata ocorrida em 26 de junho de 1968.
“Sílvio Tendler” – contou ele –, “grande conhecedor de materiais de arquivo sobre manifestações de rua da esquerda brasileira dos anos 60 e 70, ficou muito bem impressionado. E comentou que não havia visto imagens frontais de Grande Otelo, com duas crianças, na Passeata dos Cem Mil”.
Rafael De Luna destaca, também, imagens feitas por Esdras Baptista do cosmonauta soviético Yuri Gagárin, em sua passagem pelo Rio de Janeiro, e também do comandante-em-chefe de Cuba, Fidel Castro. No campo de personalidades brasileiras há, claro, imagens do presidente Getulio Vargas e dos jogadores que triunfaram na Copa do Mundo de 1958, conquistada na Suécia. E desfiles de Miss, muito populares dos anos 1940 até 1970. No ano da morte de Graciliano (ele faleceu em 20 março de 1953, aos 60 anos), Esdras Baptista filmou protesto de estudantes em Frente à Escola Nacional de Belas Artes.
O coordenador do Lupa-UFF avisa que, quando todo o material do Acervo Esdras Baptista estiver restaurado e catalogado, ele será disponibilizado no YouTube, no endereço www.cinevi.uff.br/lupa.