“A Mãe”, “Sideral” e “MaKumba” triunfam no Festival de Vitória
Por Maria do Rosário Caetano, de Vitória
O longa-metragem “A Mãe”, drama ambientado na periferia de São Paulo, protagonizado pela atriz Marcélia Cartaxo e dirigido por Cristiano Burlan, foi o grande vencedor da vigésima-nona edição do Festival de Cinema de Vitória.
Na categoria curta brasileiro, o escolhido foi o potiguar “Sideral”, de Carlos Segundo, já premiado em diversos festivais internacionais e habilitado a concorrer ao Oscar por ter vencido o Festival de Chicago. O melhor curta capixaba foi “MaKumba”, de Emerson Evêncio.
“A Mãe” mostra as angústias de Maria, mulher-camelô, que vende óculos coreanos pelas praças de São Paulo. Ela procura o filho desaparecido na metrópole hostil, onde ninguém parece interessado pelo destino dele, jovem estudante e rapper. O filme foi eleito o melhor da competição capixaba pelo júri oficial, pelo público e pela Crítica. Cristiano Burlan ganhou o Trofeu Vitória de melhor diretor (mesma láurea obtida em Gramado) e Marcélia Cartaxo o de melhor atriz (idem). A fotografia de André S. Brandão também foi premiada.
O Festival de Vitória não é um fecundo celeiro de prêmios. Sua curadoria, felizmente, é econômica. Embora a lista de premiados (ver abaixo) pareça exaustiva, isto não é fato. Na categoria longa-metragem, para atores, por exemplo, só há um prêmio: melhor interpretação (vale para atriz, ator, protagonista ou coadjuvante).
O júri escolheu a paraibana Marcélia, cuja estante inclui um Urso de Prata de Berlim, vários Candangos, Kikitos, Troféus Vitória, etc. e etc. E atribuiu duas menções honrosas: uma para a paranaense Adriana Sottomaior, a protagonista de “Ursa”, longa de estreia do jovem William de Oliveira, e outra para o paraibano Fernando Teixeira, o protagonista de “Capitão Audácia”, também longa de estreia do brasiliense Filipe Gontijo. Brodagem do colegiado composto por Sabrina Fidalgo, Cavi Borges e André Felix?
De forma alguma. Eles foram justos. Deram destaque a dois ótimos trabalhos. Sottomaior é atriz de teatro muito respeitada em Curitiba, mas desconhecida nacionalmente. Ela se entrega com devoção ao papel da garçonete que deixa dois filhos pequenos aos cuidados de uma adolescente de 15 anos para poder trabalhar. Um dia, para resgatar uma bola, eles escalam grade da casa de vizinho recém-chegado ao bairro e uma cachorra pittbull os recebe a dentadas. O mais novo fica em estado gravíssimo.
O veterano Fernando Teixeira, de 80 anos, que vimos em “Baixio das Bestas”, “Aquarius” e “King Kong en Asunción”, três premiados filmes pernambucanos, é o que “Capitão Audácia” tem de melhor. Ele interpreta um avô que prefere virar um super-herói de gibi a morrer entrevado numa cama de hospital. Quer ir a um show de rock, mascarado e com a cueca fora da calça, para enfrentar vilão japonês, que assustava criancinhas com os sons de sua harpa-laser.
Embora tenha atribuído um prêmio a cada um dos filmes concorrentes, não houve reforma agrária de troféus, nem caridade. O Especial do Júri para “A Mãe de Todas as Lutas“, de Susanna Lira, reconheceu as qualidades deste documentário dedicado a duas mulheres que lutam pela terra, a líder do MST Maria Zelzuíta e a líder indígena Shirley Krenak. Mesmo caso para a menção honrosa a outro documentário, “Germino Pétalas no Asfalto”, da dupla campineira Coraci Ruiz e Júlio Matos. O filme, construído ao longo de cinco anos, nos revela um mundo novo – o da transição de gênero –, com complexidade e ternura, sem nenhum sensacionalismo.
O prêmio de melhor roteiro ao paranaense William de Oliveira, de 34 anos, foi justíssimo. William, que confessou-se admirador do cinema romeno (filmes como “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”, de Cristian Mungiu, “Polícia, Adjetivo”, de Corneliu Porumboiu, etc.), engendrou roteiro sintético e com ótimos (e cáusticos) diálogos. O filme tem falhas, mas não esconde suas promessas. O júri reconheceu, pois, as potencialidades do jovem diretor: urdir boas histórias apegadas à nossa realidade e dirigir atrizes (além de Adriana Sottomaior, destaque para outra garçonete, interpretada por Patrícia Cipriano).
No terreno do curta-metragem, o júri da competição brasileira contava com 16 opções. E entre os candidatos havia filmes laureados com o Urso de Prata em Berlim (“Manhã de Domingo”), pelo elenco coletivo em Sundance (“Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui”), como melhor filme e outras láureas em Chicago, Palm Spring e Los Angeles (“Sideral”) e “papa-tudo” em Gramado (“Fantasma Neon”). Em outra mostra – “Cinema de Mulheres” – havia outro “papa-tudo” – “Chão de Fábrica”. Todos títulos notáveis, criativos, ousados, desafiadores.
O júri da competição de curtas brasileiros, formado com Viviane Pistache, Leandra Moreira e Alexandre Taquary, fez a coisa certa. Valorizou o cativante “Sideral”, que representou o Brasil em Cannes e vem fazendo significativa carreira internacional, a ponto de ter se habilitado a concorrer ao Oscar. Ganhou alguns prêmios em festivais brasileiros, inclusive no Cine Ceará, mas faltava um prêmio principal num festival que faz do curta-metragem sua força motriz (exibindo mais de 50 deles, em mais de dez mostras temáticas).
O cineasta paulista-mineiro-potiguar Carlos Segundo, de 43 anos, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, prepara-se para curso de pós-doutorado em Paris, mas torce para que seu Troféu Vitória sirva como elemento motivador aos integrantes da Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais e aos seus conterrâneos que integram a Academia de Hollywood. Ou seja, que eles se empenhem em ver o filme e, assim, possam ajudá-lo a chegar à ‘short list’ (15 títulos) do Oscar.
O júri vitoriano foi sensível ao buscar novidades nos curtas selecionados (caso do gaúcho “Madrugada” e do cearense “Hospital de Brinquedos”) e valorizar também filmes já bastante premiados (caso do uspiano “Como Respirar Fora D’Água”, que rendeu o Troféu de melhor direção a Victoria Negreiros e Júlia Favero).
Na noite dos Troféus Vitória, o festival capixaba homenageou o cineclubista e fotógrafo Tião Xará (Sebastião Ribeiro Filho) e, para fechar a festa com chave-de-ouro, levou os convidados até Vila Velha, aos pés do secular Convento da Penha, onde todos assistiram a shows de Maíra Freitas e Jazz das Minas (ela, filha de Martinho da Vila), Johnny Hooker e do tremendão Erasmo Carlos. E prometeu edição especial do Festival de Cinema de Vitória 2023, quando o evento irá realizar sua trigésima edição.
Confira os vencedores:
. “A Mãe”, de Cristiano de Burlan (SP): melhor filme pelo Júri Oficial, pela Crítica, pelo Público, direção, atriz (Marcélia Cartaxo), fotografia (André S. Brandão)
. “Ursa”, de William de Oliveira (PR) – melhor roteiro (William de Oliveira), menção honrosa de melhor atriz (Adriana Sottomaior)
. “A Mãe de Todas as Lutas“, de Susanna Lira (RJ) – Prêmio de melhor contribuição artística
. “Germino Pétalas no Asfalto”, de Coraci Ruiz e Julio Matos (Campinas) – menção honrosa pela direção
. “Capitão Audácia”, de Filipe Gontijo (Brasília) – menção honrosa de melhor ator para Fernando Teixeira
CURTA-METRAGEM BRASILEIRO
. “Sideral”, de Carlos Segundo (RN) – melhor filme
. “Como Respirar Fora D’Água”, de Victoria Negreiros e Júlia Favero (SP): melhor direção
. “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli (RJ) – Prêmio Especial do Júri, melhor filme pelo Júri Popular
. “Madrugada”, de Leonardo da Rosa e Gianluca Cozza (RS) – Prêmio da Crítica e melhor fotografia (Rebeca Francoff)
. “Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui”, de Érika Sarmet (Niterói) – Contribuição Artística
. “Manhã de Domingo”, de Bruno Ribeiro (RJ) – melhor roteiro (Bruno Ribeiro e Tuanny Medeiros)
. “Hospital de Brinquedos”, de Georgina Castro (CE) – melhor elenco coletivo, menção honrosa para a atriz mirim (Ana Heloiza Ribeiro)
. “Orixás Center”, Mayara Ferrão (BA) – menção honrosa
. “Solmatalua”, de Rodrigo Ribeiro-Andrade (SP) – menção honrosa
. “Infantaria”, de Laís Santos Araújo (Alagoas) – Prêmio ABD-Espírito Santo
. “Transviar“, de Maíra Tristão – Menção especial do Júri ABD-ES
MOSTRA FOCO CAPIXABA
. “MaKumba”, de Emerson Evêncio – melhor filme pelo júri oficial e pelo júri popular
. “Latasha”, de Alex Buck – menção honrosa
MOSTRA MULHERES NO CINEMA
. “Chão de Fábrica”, de Nina Kopke (SP) – melhor filme
. “Two Girls With a Movie Camera (Slumber Party), de Victoria Brasil e Thamyres Escardoa (ES) – júri popular
MOSTRA NEGRITUDE
. “Sethico”, de Wagner Montenegro (ES) -melhor filme
. “O Ovo”, de Rayne Teles (BA), júri popular
CURTA FESTIVALZINHO
. “A Aventura da Primeira Bicicleta”, de Carlos Henrique da Costa (SP) – melhor filme pelo júri popular
MOSTRA CURTA AMBIENTAL
. “Quanto Vale a Vida no Manguezal”, de Lucas Oliveira (SP)
. “Cavalo Marinho”, de Gustavo Serrate Maia (DF-ES) – Júri Popular
MOSTRA CURTA FANTÁSTICO/TERROR
. “O que os Machos Querem”, de Ana Diniz (PB) -melhor filme
. “AzulScuro”, de Evandro Caixeta e Joao Gilberto Lara (MG) – Júri popular
MOSTRA CORSÁRIA (Experiência de Linguagem)
. “Sonhos de Pedra”, de Thabata Ewdra e Nay Mendl (SP) – melhor filme (ex-aequo)
. “Fragmentos de Pandemia” (ES), de Aline Dias, Marcus Neves e GEXS (Grupo de Experiência Sonora da UFES) – melhor filme (ex-aqueo) e Júri Popular
MOSTRA OUTROS OLHARES
. “Possa Poder”, de Victor Di Marco e Márcio Picoli (RS)
. “Angu Recheado de Senzala”, de Stanley Albano (MG), Júri Popular
MOSTRA 4 ESTAÇÕES (Diversidade Sexual)
. “Filhos da Noite”, de Henrique Arruda (PE) – melhor filme
. “Tenho Receio de Teorias Que Não Dançam”, de Gau Saraiva (BA) – Júri Popular
MOSTRA VIDEOCLIP
. “Chorar (Karola Nunes)”, de Juliana Segóvia (MT) – melhor videoclip
. “Tudo Eu (Amiri)”, de Elirone Rosa, Fernando Sá e Ione Maria (SP) – Júri Popular
. “Sou Negro (Monique Rocha)”, de Cíntia Braga (ES) – menção honrosa
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