“Sideral”, premiado em dezenas de festivais, tenta vaga no Oscar, em dobradinha com “Marte Um”

Por Maria do Rosário Caetano, de Vitória

O curta-metragem “Sideral”, do cineasta Carlos Segundo, é um dos títulos que participam da vigésima-nona edição do Festival de Cinema de Vitória. Na manhã desta quarta-feira, 21 de setembro, durante o debate de curtas que participam das múltiplas competições do evento, o realizador paulista-mineiro-potiguar, radicado em Natal — ele é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte —, contou que está “habilitado a disputar vaga no Oscar da categoria”.

E isto acontece porque “Sideral” fez significativa carreira internacional. Começou sua trajetória no Festival de Cannes. Depois, passou por quase cem festivais nacionais e estrangeiros. Venceu o de Chicago, circunstância que o habilitou a postular vaga junto à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Ganhou, ainda, prêmios nos festivais de Los Angeles e Palm Springs. No total, são 45 láureas.

A trajetória de Carlos Segundo é singular. Eles nasceu em São Paulo, há 42 anos. Mudou-se para Minas Gerais. Fez mestrado em Psicologia na Universidade de Uberlândia, e doutorado em Cinema, na Unicamp. Fotógrafo, montador, roteirista e diretor, realizou seus primeiros curtas a partir de 2015. Ao radicar-se no Rio Grande do Norte, dirigiu um longa experimental, “Fendas” (2019). Mas sua carreira só deslanchou, para valer, com “Sideral” (2021). Pela primeira vez, um curta brasileiro realizado no Rio Grande do Norte competia no mais importante festival do mundo, o de Cannes. E, um ano depois, em agosto último, com “Big Bang”, ele vencia o Leopardo de Ouro de melhor curta no Festival de Locarno. E o fez em dobradinha com “Regra 3” , de Julia Murat, Leopardo de Ouro de melhor longa.

“Sideral”, se chegar à short list (15 títulos) e depois aos cinco finalistas ao Oscar — e o mesmo ocorrer com o longa-metragem mineiro “Marte Um”, de Gabriel Martins —, colocará o Brasil em órbita. Afinal, os dois filmes têm a ver com viagens planetárias. No longa, o menino Deivinho sonha em participar de programa de colonização do planeta vermelho. Em “Sideral”, Marcela (Priscilla Vilela), uma dona de casa que vive nas proximidades da Base Aérea de Natal, com o marido, filha e filho, comete ato inesperado no dia em que o Brasil lança seu primeiro foguete tripulado.

Carlos Segundo sabe que não será fácil chegar à short list do Oscar, pois depende dos votantes da Academia de Hollywood (que são milhares), incluindo os sócios brasileiros (que já somam mais de 50 nomes). Para poderem votar na categoria curta-metragem, eles devem assistir a todos os filmes habilitados. Ou seja, aos curtas vencedores de festivais habilitados.

“A mobilização na França, parceira na produção de ‘Sideral’” — admite Carlos Segundo — “é maior que aqui no Brasil”. E, desapontado, confessou no debate do Festival de Vitória, “não fomos nem indicados entre os cinco finalistas a melhor curta de ficção no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, outorgado anualmente pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais”.

Carlos Segundo, no Festival de Cinema de Vitória © Maria do Rosário Caetano

A segunda noite da mostra competitiva do festival capixaba contou, ainda, com os curtas cariocas “O Dendê de Mestre Didi”, de Beth Formaggini, e “Manhã de Domingo”, de Bruno Ribeiro, e com o alagoano “Infantaria”, de Laís Santos Araújo. E encerrou-se com o longa documental “A Mãe de Todas as Lutas”, de Susanna Lira.

Beth Formaggini, que já venceu a competição de longas do festival capixaba com o documentário “Pastor Cláudio” (2019) — figura controversa do aparelho repressivo convertida ao evangelho — evoca em cinco minutos sua história afetiva com palmeira, cuja muda lhe fora presenteada, na Bahia/1985, por Mestre Didi. Plantada em seu quintal, no Rio de Janeiro, a hoje vigorosa árvore sagrada do dendê reúne maritacas e lembranças muito felizes para a cineasta. Só que, com a chegada da pandemia, Beth ficou entre a vida e a morte e temeu não ver mais o dendê do Mestre Didi. O filme merecia mais que seus sintéticos cinco minutos.

“Manhã de Domingo” chegou a Vitória com um Urso de Prata na bagagem. Seu diretor, o jovem Bruno Ribeiro, de 27 anos, não pôde estar na capital capixaba, nem mandou representante. Mas, ao final da sessão, todos estavam impressionados com as qualidades do curta de 25 minutos, que narra a história de Gabriela (Raquel Paixão), uma pianista negra. Ela prepara seu primeiro grande recital. Porém, um sonho com a mãe morta a deixará emocionalmente fragilizada. O filme, soube-se depois do prêmio em Berlim 2022, tem muito das vivências do jovem cineasta afro-carioca, que perdeu a mãe durante a pandemia, vítima de câncer. Fotografado por Wilssa Esser (de “Temporada”), “Manhã de Domingo” revela um realizador de olhar renovado e com muito por dizer.

Outro curta que chamou atenção foi o alagoano “Infantaria”, de Laís Santos Araújo, também fotografado por Wilssa Esser, hispano-americana oriunda da Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, de Cuba. A diretora, que está realizando novo trabalho, não pôde comparecer ao festival, mas se fez representar por sua diretora de arte, Lyara Cavalcanti, muito articulada e conhecedora do projeto do filme. No debate, Lyara justificou desde o título — que evoca questões militares, mas também, de alguma forma a infância — até os propósitos mais íntimos do curta.

A protagonista de “Infantaria” é a menina Joana, que sonha virar mocinha. Ela vive com a mãe, uma ocupada costureira, que exerce outra (secreta) função. E com o irmão, um garoto implicante, que se espelha no pai, ausente, pois segue carreira militar. No dia em que a ocupada mãe prepara a festa de aniversário de Joana, uma adolescente, Verbena, de 16 anos, chegará inesperadamente à casa. O sangue vai marcar a vida dessas três mulheres.

O longa da noite, “A Mãe de Todas as Lutas”, é mais um projeto da incansável realizadora carioca Susanna Lira, diretora de curtas, médias, séries (“Adriano, o Imperador”) e longas (como “Torre das Donzelas” e “Mussum, um Filme do Cacildis”). Ocupada com questões de direitos humanos, temas sociais e o ponto de vista feminino, Lira vem trabalhando incansavelmente, com equipe fiel e espírito coletivo. E um sentido de urgência.

Neste que é seu décimo-quinto longa documental, Susanna Lira abre espaço nobre para duas mulheres — a indígena Shirley Krenak e a afro-paraense Maria Zelzuita, sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás. As duas fizeram da luta pela terra a razão de suas existências.

Shirley atua em Minas Gerais, na região do Rio Doce, onde vive seu povo, a nação Krenak. Zelzuita vive no Pará, milita no MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra). Donas, ambas, de discurso experienciado e forte, mas sem panfletarismo, elas conduzem a narrativa, que deriva rumo a catástrofes ambientais. A diretora recorre, ainda, a documentos históricos (em especial do Museu do Índio), sem perder o fio da meada. Somos, ao longo de 84 minutos, apresentados a um complexo retrato da luta pela terra. E coloca-se em relevo, com rara e necessária oportunidade, o espantoso depoimento de proprietário de terras brasileiro, que exibe seu revólver ‘made in USA’ e dá tiros a esmo. O fazendeiro avisa que com ele ninguém brinca. Quem invadir suas terras será recebido à bala. Recarrega o tambor do revólver e repete nova salva de tiros. São imagens originais do filme “The Troubled Land” (1961), que vimos em impressionante documentário pernambucano (“Em Nome da América”, de Fernando Weller, 2018), sobre os Corpos da Paz, que atuaram na América Latina. Filmes que se complementam, o de Weller e o de Susanna Lira.

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