“Blonde” e erotizada Marilyn Monroe da Netflix desconhece a sutileza

Por Maria do Rosário Caetano

“Blonde”, a mais badalada estreia da temporada, chega à Netflix vindo direto da competição pelo Leão de Ouro de Veneza. Trata-se de mais uma cinebiografia da mais fulgurante estrela de Hollywood, Marilyn Monroe, aquele “pecado” em corpo de mulher, que morava ao lado. Blonde, platinadíssima, pois os homens as preferiam assim. Aquela deusa de celulóide que só encontrou potência erótica similar na francesa Brigitte Bardot.

O filme, de quase três horas de duração, traz o crédito do cineasta australiano Andrew Dominik, do curioso “O Assassino de Jesse James pelo Covarde Robert Ford”. E baseia-se em romance da respeitada escritora estadunidense Joyce Carol Oates. Portanto, tem algo da vida real da estrela (filha de pai desconhecido, mãe que enlouqueceu e foi internada em instituição psiquiátrica, infância e pré-adolescência em orfanato, testes de sofá para conseguir espaço na indústria do entretenimento, casamentos com o atleta Joe DiMaggio e com o dramaturgo Arthur Miller, affair com o presidente John Kennedy, etc., etc.). E muita invenção-imaginação.

A romancista, para estruturar seu livro, estabeleceu duas premissas: Norma Jeane Baker, nome civil do torpedo hormonal de voz infantilizada, daria a vida para conhecer o pai e para ser mãe. Como não conseguiu atingir nenhum destes objetivos, passará o filme derramando lágrimas, gritando, quebrando objetos ou derrubando bandejas.

Andrew Dominik escalou a atriz cubana Ana de Armas (de “Wasp Network” e “Sérgio”) para incorporar Marilyn Monroe. Escolha arriscada, pois Ana é latina e morena, e Norma Jeane uma anglo-saxã de pele diáfana. Mas os milagres do cinema resolveram bem o desafio. A caribenha dá conta do recado. Há momentos em que a semelhança entre as duas impressiona. O que incomoda no filme é a “pegada” do australiano de 54 anos (nascido em Wellington, na Nova Zelândia). Sutileza tornou-se vocábulo desconhecido em seus sets de filmagem.

Tudo é óbvio e ululante. Os testes de sofá de Norma Jeane são dignos de filmes de pornochanchada. Seus pesadelos com os dois abortos sofridos são visualmente grosseiros, agressivos. Os fetos em close ganham exposições demoradas na tela e um deles até dialoga com a frustrada (arruinada) mamãe. Mas o mais grotesco e assustador é a ‘felatio’ praticada pela atriz, então uma estrela de primeira grandeza de Hollywood, no presidente Kennedy.

A sequência é sórdida. Realizada em close, resulta aviltante em todos os sentidos. Marilyn é objetificada erótica e politicamente. Como é que Ana de Armas, sendo cubana, aceitou protagonizar tal sequência, sem questioná-la?

Às favas o spolier. Dois brutamontes, seguranças de Mister President, levam a “bonequinha de Hollywood” aos aposentos kennedianos. Ele, John, o católico, está ao telefone, discutindo a Crise dos Mísseis, que antagonizou os EUA à URSS, pois, em plena Guerra Fria, a potência socialista resolvera instalar base militar na ilha caribenha. Sem tempo para a deusa de Hollywood, Kennedy ordena que ela o chupe. (O cadáver de Marilyn deve ter se remexido no túmulo).

Por que a única referência política de “Blonde” tem a ver com a Crise dos Mísseis? E resultou tão superficial, passageira, banal e grosseira? Por que em quase três horas de filme, o fundo político é ignorado? Por que os ideais políticos de Arthur Miller, um homem de esquerda, são ignorados? Por que o direitismo dos tycoons de Hollywood não merece nenhuma estocada?

Um dos pontos mais interessantes do filme –  o triângulo amoroso formado entre a jovem Norma Jeane (já interpretando seus primeiros papéis) e os filhos de dois ícones de Hollywood – Charles Chaplin e o cara-dura Edward G. Robinson (batizados ambos com os nomes dos pais) – é pura invenção de Joyce Carol Oates.

Claro que o artifício dá ao roteiro um gancho que prende a atenção do espectador. Aqui não se recorrerá a nenhum spoiler. Só se fornecerá ao leitor duas datas importantes para que ele as rememore depois de assistir ao filme: Marilyn Monroe, vítima aos 36 anos de overdose de barbitúricos, morreu em agosto de 1962. Charles Chaplin Jr, o Cass (Xavier Samuel, em “Blonde”), só morreria em março de 1968.

Dados que complexificariam bastante os dois pilares da narrativa romanesca de Joyce Carol Oates e base do filme (a obsessão de Norma Jeane-Marilyn Monroe pela figura paterna e pela maternidade): a atriz teria feito 12 abortos. Sua avó e sua mãe (no filme, a ótima atriz Julianne Nicholson) tiveram graves problemas mentais e morreram em clínicas psiquiátricas. Parentes de Marilyn recorreram ao suicídio.

O visual de “Blonde” lembra, em muitos momentos, o de “Mank” (David Fincher, 2020), com sua fotografia em preto-e-branco estilizada. Mas o diretor de imagens (Chayse Irvin) usa também a cor, em tons discretos, sem os exageros do technicolor. Já pensou a ‘felatio kennediana’ com as cores dos épicos bíblicos dos anos 1950 e 1960? Em favor do filme, um destaque: são majestosas e féericas as sessões de pré-estreias dos filmes de Marilyn, “o anjo do sexo”, com seus vestidos brilhantes, seus casacos de vison, suas joias e impecáveis mechas de cabelo platinado. E divertido ver Billy Wilder, o mais bem-humorado sátiro do mundo, quase arrancando os cabelos que não-tinha, frente a cada nova crise de sua estrela (durante as filmagens de “Quanto Mais Quente Melhor”).

Agora, vem cá, precisava explorar a sequência dos revolteios da saia plissada da diva na saída de ventilação do metrô infinitas vezes, para deixar o carcamo DiMaggio tão enlouquecido de ciúmes?

 

Blonde
EUA, 166 minutos, 2022
Longa-metragem baseado em romance de Joyce Carol Oates
Direção: Andrew Dominik
Elenco: Ana de Armas (Marilyn Monroe), Adrien Brody (Arthur Miller), Bobby Cannavale (DiMaggio), Xavier Samuel (Charles Chaplin Jr), Evan Williams (Edgard G. Robinson Jr), Julianne Nicholson (mãe de Marilyn), Caspar Philipson (John Kennedy), Lily Fisher (Marilyn criança)
Produção: Brad Pitt, Scott Andrew, Dede Gardner, Jeremy Kleiner e Tracey Landon
Fotografia: Chayse Irvin
Onde: Neflix

2 thoughts on ““Blonde” e erotizada Marilyn Monroe da Netflix desconhece a sutileza

  • 2 de outubro de 2022 em 22:36
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    Achei o filme muito ruim. Assisti ontem e estou ainda chocada com o quanto o filme é ruim. Meu Deus.
    O problema não é a Ana de Armas, é o roteiro. Que Marilyn mais chata, pesaram a mão na fragilidade, ingenuidade e insegurança.
    Ou ela está sempre prestes a desmoronar emocionalmente ou está realmente desmoronando. É submissa a todos os homens que aparecem em sua vida, sempre em busca de aprovação, sempre se culpando.
    Não há uma evolução emocional. Ela realmente foi a mesma pessoa do início da carreira até o fim da vida? Enfim, perplexa…

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  • 5 de outubro de 2022 em 00:24
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    Vocês não sabem NADA de Marilyn! O filme é magnífico!

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