Mostra de São Miguel do Gostoso promove “festival dos festivais” na Praia do Maceió

Foto: “Carvão”, de Carolina Markowicz

Por Maria do Rosário Caetano

A nona edição da Mostra de Cinema de Gostoso levará às areias quentes da Praia do Maceió, no balneário potiguar de São Miguel do Gostoso, um verdadeiro ‘festival dos festivais’ com os mais premiados filmes do cinema independente brasileiro. Ao longo de cinco dias de muito sol, vento (Gostoso orgulha-se de ser a capital nacional do kitesurfe), risotos de caju e frutas nordestinas (incluindo sapotis) de sobremesa. Sem esquecer o mar de águas cristalinas e, claro, filmes, debates, seminários, oficinas, projeto BRLab e encontros de produtores.

Tudo começa nessa sexta-feira, 4 de novembro, ao ar livre e sob a luz do luar, num telão gigante, no qual serão exibidas as imagens humanistas, vibrantes e bem-humoradas de “Marte Um”, do mineiro Gabriel Martins, nosso candidato a uma vaga entre os finalistas ao Oscar internacional.

Na terça-feira, dia 8, um convidado especial, “Mato Seco em Chamas”, do brasileiro Adirley Queirós e da portuguesa Joana Pimenta, que passou por Berlim, encerrará a mostra criada pelo cineasta Eugenio Puppo, da Heco Produções, em parceria com o Coletivo de Direitos Humanos, Ecologia, Cultura e Cidadania e pela Guajirú Produções.

No recheio das duas mostras – uma competitiva e outra informativa – serão exibidos curtas e longas-metragens oriundos de todas as regiões brasileiras. Os filmes se propõem a atualizar a população do balneário (de apenas 10 mil habitantes) e adjacências (incluindo Natal, capital do estado, situado há 100 km) com produções badaladas, como “Regra 34”, de Júlia Murat, vencedor de Locarno, “Paloma”, de Marcelo Gomes, prêmio Redentor no Festival de Rio, “Noites Alienígenas”, principal (e surpreendente) Kikito em Gramado, “A Filha do Palhaço”, de Pedro Diógenes, melhor ator (o “Sean Penn de Fortaleza” Démick Lopes) no Cine Ceará, “A Mãe”, de Cristiano Burlan, vencedor do Festival de Vitória, “Carvão”, de Carolina Markowicz, da seleção de Toronto, além de uma pequena joia nipo-brasileira, “Bem-Vindos de Novo”, do uspiano Marcos Yoshi. A presença deste longa documental em Gostoso mostra o quanto os curadores Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld estão sintonizados com o que de promissor surge no cinema brasileiro. Este filme, realizado por jovem de origem japonesa, traz a luta de seus pais pela sobrevivência —  seja no Brasil ou como dekasseguis em solo oriental. Uma epopeia com surpreendentes lances de duro melodrama familiar.

O festival potiguar nasceu dez anos atrás para agitar a pequena cidade de São Miguel do Gostoso, no litoral do Rio Grande do Norte. Tratava-se de um rústico (e hippie) paraíso turístico frequentado por praticantes de kitesurfe, que cada vez mais atraía europeus (em especial portugueses e espanhóis). Ali, eles construíam suas casas de veraneio. Puppo realizou na região o longa-metragem “São Miguel do Gostoso” (2011) e percebeu que muitos jovens conviviam com sintomática falta de emprego, a chegada das drogas e outras tentações vindas das grandes metrópoles. Viu no cinema uma forma de mobilizar a juventude local.

Sundfeld e Puppo, no comando da Mostra desde então, lembram que o evento, desde sua primeira edição, fez questão de “oferecer a jovens a partir de 18 anos, moradores de São Miguel do Gostoso e distritos dos arredores, uma série de cursos de formação técnica e audiovisual”. Estes cursos “são realizados meses antes do início do festival e têm como objetivo proporcionar aos oficineiros o domínio de diversas áreas da produção cinematográfica, sendo transmitidos conhecimentos teóricos e práticos, abordando temas como história do cinema, elementos de linguagem audiovisual, produção, fotografia e roteiro”. O conhecimento adquirido pelos alunos é colocado em prática com a realização de curtas-metragens e a participação direta na equipe de organização da Mostra de Cinema de Gostoso”.

“Tanto as temáticas que envolvem os cursos quanto os filmes produzidos” – detalham – “são pensados dentro de uma lógica de valorização das tradições e costumes da comunidade”. Por isso, “os alunos são incentivados a explorar o imaginário cotidiano de São Miguel do Gostoso ao elaborarem seus argumentos e roteiros, dentro de um processo de reconhecimento da cultura local”. Assim sendo, “eles acabam por refletir sobre o ambiente em que vivem de maneira crítica e cultivam a formação de suas identidades”.

Em 2013, “os próprios alunos criaram o Coletivo Nós do Audiovisual e desde então já participaram de 47 oficinas e realizaram 21 curtas-metragens, que foram selecionados por diversos festivais de cinema no Brasil”. Em 2022, foi aberta a terceira turma dos Cursos de Formação com 30 novos alunos, que participaram de cinco oficinas e realizaram dois curtas-metragens que serão exibidos nesta nona edição da Mostra de Cinema de Gostoso: “Arrebentação”, de Cristina Lima e Roberto de Lima, e “Os Barraqueiros”, de Maísa Tavares e Bruna Farias.

Repleto de atividades e vivências, o festival conta com ampla participação da comunidade local, que lota as cadeiras-espreguiçadeiras espalhadas geometricamente pela areia. Outros preferem assistir aos filmes deitados em esteiras. O interesse pelo evento cresceu de tal forma, que este ano – contam os curadores – receberam número recorde de inscrições – “927 curtas e longas-metragens de todas as regiões do país”. Tiveram que optar por “apenas 24 títulos, que serão apresentados em nosso telão de 12m x 6,5m, em projeção de ponta com resolução 2K e som 7.1”. Puppo e Sundfeld asseguram: “nossa sala ao ar livre propicia experiência imersiva similar à de um cinema de alta tecnologia, pois fazemos questão que seja assim. Afinal, queremos que a população de Gostoso e visitantes usufruam de tal qualidade e não de um quebra-galho. Muito pelo contrário”.

Dois adjetivos são inseparáveis do festival da pequena São Miguel: gostoso e cascudo. O primeiro, por incrível que pareça – num país católico! – agregou-se a um santo, o arcanjo São Miguel e faz parte do folclore local, correndo de boca em boca. O segundo dá nome ao troféu que será entregue aos vencedores da mostra cinematográfica e homenageia um dos mais importantes intelectuais das terras potiguares, o folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). Os filmes da mostra competitiva (ver lista abaixo) concorrem ao Troféu Cascudo, concedido pelo voto popular (não há júri oficial): melhor curta e melhor longa-metragem. O Troféu da Crítica será conferido pela imprensa especializada presente à Mostra.

Neste ano, a Mostra de Cinema de Gostoso contará com um novo local de exibição: uma tenda coberta e climatizada na mesma Praia do Maceió, com 80 lugares. Nela serão exibidos, em horário vespertino, os filmes da Mostra Panorama (de caráter informativo), composta com longas e curtas. Pela luminosidade da mais famosa das praias do balneário, só podem ser exibidos filmes no local, durante o dia, em ambientes totalmente vedados. Ao ar livre, só sob a tênue luz do luar.

 

IX Mostra de Cinema de Gostoso
Data: 4 a 8 de novembro
Local: São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte
Curadoria: Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld
Exibição de 24 filmes no Cine Praia do Maceió e no Cine-Tenda
Debates, oficinas e seminário na Pousada dos Ponteiros
Todas as atividades são gratuitas

 

PROGRAMAÇÃO

Mostra Competitiva:

Longa-metragem

. “Carvão”, de Carolina Markowicz – São Paulo
. “A Filha do Palhaço”, de Pedro Diógenes – Ceará
. “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho – Acre
. “Paloma”, de Marcelo Gomes – Pernambuco

Curta-metragem

. “A Cabaça da Criação”, de Altemir Avilis, Gil Leal e Ramon Bezerra – Rio Grande do Norte
. “Ainda Restarão Robôs nas Ruas do Interior Profundo”, de Guilherme Xavier Ribeiro – SP
. “Ela Mora Logo Ali”, de Fabiano Barros e Rafael Rogante – Roraima
. “Infantaria”, de Laís Santos Araújo – Alagoas

Mostra Panorama:

Longa-metragem

. “Alan”, de Daniel Lisboa e Diego Lisboa – Bahia
. “Regra 34”, de Julia Murat – SP-RJ
. “A Mãe”, de Cristiano Burlan – SP
. “Bem-Vindo de Novo”, de Marcos Yoshi- (USP – São Paulo)

Curta-metragem

. “Castelo da Xelita”, de Lara Ovídio – Rio Grande do Norte
. “Cordel da Vila: A Rainha Louca Contra o Escandaloso”, de, Gil Leal – Rio Grande do Norte
. “Cadê Heleny”, de Esther Vital – SP
. “Garotos Ingleses”, de Marcus Curvelo – Bahia
. “Manhã de Domingo”, de Bruno Ribeiro – RJ
. “Tekoha”, de Carlos Adriano – SP
. “Um Tempo para Mim”, de Paola Mallmann – Rio Grande do Sul

Sessões Especiais:

Filme de abertura

. “Marte Um”, de Gabriel Martins – Contagem-MG

Filme de encerramento

. “Mato Seco em Chamas” de Adirley Queirós e Joana Pimenta- Distrito Federal

Mostra Coletivo Nós do Audiovisual

. “Arrebentação”, de Cristina Lima e Roberto de Lima – Rio Grande do Norte
. “Os Barraqueiros”, de Maisa Tavares e Bruna Farias – Rio Grande do Norte

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