Diretor de “Border” constrói suspense com serial killer que extermina prostitutas para limpar cidade sagrada

Por Maria do rosário Caetano

“Holy Spider”, um dos 15 pré-finalistas ao Oscar internacional, chega aos cinemas brasileiros nessa quinta-feira, 19 de janeiro, recomendado pela Palma de Ouro conquistada por sua atriz-protagonista, a estreante Zar Amir Ebrahimi, e pelo filme anterior de seu diretor, Ali Abassi. Ele é o autor de “Border”, longa dinamarquês,  que causou frisson por sua inventiva estranheza. Seus protagonistas eram escandinavos, de pele muito branca e fora de todos os padrões tradicionais de beleza.

O que mais causa espanto em “Holy Spider” (Aranha Sagrada, em tradução literal) é a violência implícita em cada crime cometido pelo operário da construção civil (e ex-combatente da guerra Irã-Iraque) Saeed (o formidável Medhi Bajessan). Em nome de Alá e de sua fé religiosa, ele mata prostitutas que atraem clientes em ruas escuras, com o rosto pintado, mecha de cabelo fora do protetor hijab e roupas chamativas. Por isso, os coprodutores franceses do filme, uma realização de matriz dinamarquesa, preferiram chamá-lo “Les Nuits de Mashhad”.

Mashhad é uma cidade sagrada do Irã, país onde nasceu, em 1981, o diretor Ali Abassi. Exilado na Escandinávia, ele realizou “Shelley” (2016), “Border” (2018) e, agora, o filme que o credencia a uma vaga no Oscar internacional, em nome de sua pátria adotiva.

A cidade de Mashhad foi recriada na Jordânia. O país dos aiatolás (e de Kiarostami, Panahi e Asghar Farhadi, este detentor de dois Oscar) não permitiria que se filmasse história tal brutal e terrível em sua cidade sagrada. E, registre-se, uma trama nada maniqueísta.

O cineasta e roteirista de “Holy Spider” garante ter se baseado em fatos reais. O protagonista masculino da trama, o serial killer representado pelo personagem Saeed, seria recriação fincada na realidade, em um assassino de prostitutas. Um homem motivado pela intenção de limpar as ruas de mulheres que se drogavam (com ópio) e vendiam seus corpos. E sua atitude, embora tribunal iraniano o tenha condenado, contaria com sólido apoio da sociedade religiosa mantida, a partir-de Teerã, sob a governança dos aiatolás.

Quando o filme começa, com cores brutais, vemos uma mulher, já manchada de hematomas, se maquiando num banheiro para buscar clientes nas ruas. Depois de atender a outros homens, tão brutais quanto o que a espancou, ela será atraída por um motoqueiro. E assassinada.

Mulheres, em especial, se perguntarão se aguentarão acompanhar 117 minutos de agressões (concluídas com assassinatos) a prostitutas iranianas. Mas, felizmente, o filme se complexifica com a entrada em cena da jornalista Rahimi, profissional jovem e ousada, disposta a tudo para descobrir quem é o assassino de mulheres, aquele que estampa as manchetes dos jornais. E que a Polícia não consegue identificar. Os riscos que ela correrá para ajudar a desvendar os múltiplos (e semelhantes) crimes são espantosos.

A jovem repórter, respaldada por jornalista compreensivo e companheiro (Shariff, interpretado por Arash Ashtiani), aliviará um pouco da tensão do filme construído como eletrizante thriller social e político, mas sem personagem rasos. O próprio serial killer é um homem bonito, de barbas grisalhas, que tem uma família bem estruturada (Fatima, a esposa, e filhos). Está a anos luz da sordidez e apelação do abjeto “O Bar da Luva Dourada” (2019), do turco-germânico Fatih Akin.

Para enriquecer seu filme, o criador do perturbador “Border”, que parece ser devoto de Nossa Senhora do Contexto, busca compreender a sociedade que gerou o Holy Spider. A segunda parte de seu roteiro mostra Saeed submetido às barras de um tribunal. Os crimes do serial killer serão julgados. Mas veremos que ele conta com significativo apoio popular, pois muitos iranianos acham que ele está fazendo a coisa certa. Saeed é tido como um herói pelo filho pré-adolescente, além de contar com a compreensão da esposa Fatima. Ela entende as razões dele. Afinal, o marido só quer limpar as ruas.

Hollywood tem estômago para filme tão brutal e doloroso? A lista de cinco finalistas ao Oscar internacional, que será conhecida na próxima terça-feira, 24 de janeiro, dará resposta a esta questão.

O que se pode deduzir é que a estrela de “Argentina 1985” brilha cada vez mais. O argentino Santiago Mitre realizou “o filme da hora”. Escolheu tema incontornável desses nossos terríveis dias – o julgamento de militares que transgrediram leis civis e os Direitos Humanos para implantar ditaduras brutais. Com a extrema direita crescendo e se organizando no mundo inteiro, as chances da Argentina chegar ao tricampeonato cinematográfico (como fez, ano passado, nos gramados futebolísticos) parecem muito evidentes. Começou triunfando no Globo de Ouro.

Há, porém, outros candidatos fortes. Caso do peso-pesado “Nada de Novo no Front”, de Edward Berger, representante da Alemanha, de “Decisão de Partir”, de Park Chan-wook, da Coreia do Sul, e até de “Retourn to Seul”, de David Chou, representante do Cambodja, mas com produtores franceses, belgas e germânicos na retaguarda.

Filmes como os europeus “Close”, de Lukas Dont (Bélgica), “EO”, de Jerzy Skolimovski (Polônia), “Saint Omer”, de Alice Diop (França) e “Corsage”, de Maria Kreutzer (Áustria) podem também conseguir uma vaga. Mas não haverá hegemonia europeia.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tem buscado dosar suas escolhas entre quatro continentes (além da Europa, a poderosa Ásia, a América Latina e a África). As chances de “Bardo”, do mexicano Iñarritu, pareciam muito grandes. Mas haverá vaga para dois latino-americanos na lista restrita?

O Oscar tem procurado também destacar o cinema feminino, homoafetivo e black. A sorte está lançada.

 

Holy Spider
Dinamarca, França, Alemanha e Suécia, 1h57 minutos, 2022
Direção e roteiro: Ali Abassi
Elenco: Zar Amir Ebrahimi (a jornalista Rahimi), Medhi Bajessan (o serial killer Saeed), Forouz Jamshidneajad (Fátima), Arash Ashtiani (Sharif, jornalista), Sina Parvaneh (Rostani), Sara Fazilat (Zinab), Alice Rahimi (Somayeh) Nima Akbarpour (Juiz), Sima Seyed (Gohra)

 

Os pré-candidatos aos Oscar internacional:

. “Holy Spider”, de Ali Abassi (Dinamarca)
. “Argentina 1985”, de Santiago Mitre (Argentina)
. “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades”, de Alejando Gonzalo Iñarritu (México)
. “Nada de Novo no Front”, de Edward Berger (Alemanha)
. “Decisão de Partir”, de Park Chn-wook (Coreia do Sul)
. “Retourn to Seul”, David Chou (Cambodja)
. “Close”, de Lukas Dont (Bélgica)
. “EO”, de Jerzy Skolimovski (Polônia)
. “Saint Omer”, de Alice Diop (França)
. “Corsage”, de Maria Kreutzer (Áustria)
. “The Blue Caftan”, de Maran Touzani (Marrocos)
. “Last Film Show”, de Pan Nalin (Índia)
. “Garotos do Céu”, de Tarik Saleh (Suécia)
. “Joyland”, de Saim Sadiq (Paquistão)
. “A Menina Silenciosa”, de Colm Bairead (Irlanda)

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