“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” triunfa em edição do Oscar que impôs pesada derrota ao cinema de arte

Por Maria do Rosário Caetano

Os 9.579 integrantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood impuseram – ao consagrar “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” (foto), dos Daniels (Kwan e Scheinert) com sete estatuetas – derrota acachapante ao cinema de arte.

Quatro filmes filiados ao segmento (e festejados em festivais ou pela crítica) foram esnobados de forma acintosa. Caso de “Triângulo da Tristeza”, de Ruben Östlund, vencedor do Festival de Cannes, “Tár”, de Todd Field, “Os Banshees de Inisherin”, de Martin McDonagh, e “Os Fabelmans”, de Steven Spielberg. Sim, o mago dos filmes comerciais, que fez a glória de Hollywood com Indiana Jones e dinossauros, concorreu ao Oscar com seu filme mais pessoal e valorizado pela crítica.

A sequência mais famosa de “Os Fabelmans”, capa da bíblia da cinefilia, a Cahiers du Cinéma, dialoga abertamente com “Blow Up”, de Michelangelo Antonioni. O filme ganhou zero Oscar. Mesmo caso de “Tár”, “Triângulo da Tristeza” e “Banshees”. E da cinebiografia de “Elvis”, feita por Baz Luhrmann.

Com a indústria cinematográfica em pânico (pelas salas vazias), desde que a pandemia varreu o mundo, as guildas (poderosos sindicatos) se “conscientizaram” da necessidade urgente de atrair os jovens para o multiverso audiovisual. Ou seja, unir forças, centrar o foco em filme pop, soma de comédia e ficção científica, gêneros dos mais atrativos.

O escolhido, praticamente por unanimidade, foi “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, dos Daniels. Um Daniel de origem asiática, e um Daniel de origem saxã. E que, também, contasse com atores de carne e osso. Sim, porque a guilda dos atores, poderosa e numerosas, faz questão de defender produções nas quais atrizes e atores tenham bons papeis.

O longa da hora, “o filme dos millennials”, só não fez o “big five” (direção, atriz, ator, roteiro, filme), porque seu protagonista masculino foi empurrado para a categoria de “coadjuvante” e tinha o imbatível Brendan Fraser pela proa. Fraser, um intérprete de papeis descartáveis em filmes banais, arrasou na pele de um professor gordo como uma baleia, obcecado em conquistar o afeto da filha que abandonara por um amor homoafetivo. “A Baleia”, de Darren Aronofsky, foi o terceiro filme mais premiado da noite.

A cerimônia da nonagésima-quinta edição do Oscar foi decepcionante para quem vê o cinema como espaço de criação e reflexão. Claro que o Oscar é, essencialmente, uma vitrine da poderosa indústria audiovisual norte-americana. Indústria que não reconheceu “Cidadão Kane” e outros grandes momentos da história do cinema. Mas já serviu de vitrine para ótimas surpresas. A última delas, o poderoso “Parasita”, força do vigoroso cinema coreano. Mas “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” não passa de mero entretenimento. Só deu certo, mercadologicamente, nos EUA. Dos 110 milhões de dólares que rendeu, dois terços foram captados por lá. Na Europa, Ásia, África, América Latina (Brasil, inclusive!) o filme não aconteceu. Aqui não chegou a 300 mil espectadores.

Bastavam (ao filme do multiverso) o prêmio para a sexagenária malaia Michelle Yeoh (já que, pode-se argumentar, Cate Blanchett tem dois Oscar na estante!), para seu ator coadjuvante (Ke Huy Quan) e para sua féerica montagem. Estaria de bom tamanho.

As quatro estatuetas para o germânico “Nada de Novo no Front” são justíssimas. O filme, um épico de guerra de alma antibelicista, não pode ser considerado, jamais, um remake do longa que os EUA laurearam com o Oscar em 1930 (do diretor Lewis Millestone). Afinal, tratava-se, então, de produção falada em inglês, sobre guerra travada em solo europeu, que antagonizava alemães e franceses, no brutal conflito de 1914.

Dessa vez, o suíço de expressão germânica Edward Berger, de 52 anos, adaptou o livro de seu conterrâneo Erich Maria Remarque (matriz do filme hollywoodiano) com atores de seu país e da França, que se expressam em alemão e francês. Na produção, que aglomerou muitos nomes, destaca-se o astro germânico Daniel Brühl (“Adeus, Lenin”), que o cineasta citou em seu discurso de agradecimento. Citou também a Netflix, que tornou possível este projeto tão caro. E vitorioso, também e de forma triunfal, na premiação do Batfta.

A se destacar, nesta última cerimônia do Oscar, que durou mais de três horas, mas não terminou madrugada adentro (e sim à meia-noite e meia!) o relativo sucesso da Índia, pátria dos musicais bollywoodianos, que arrasou com a canção “Naatu Naatu”, de M.M. Keeravaani e Chandrabose.

Um dos integrantes da dupla RRR, ao agradecer o prêmio, cantou (com sotaque retado) sucessos norte-americanos. No início da cerimônia, o apresentador-humorista Jimmy Kimmel ameaçara os verborrágicos de escorraçá-los do palco com brigada de indianos RRR, ou seja Rebeldes, Revoltosos e Revolucionários. A mesma trupe de integrantes do filme que poderia ter feito da edição do Oscar de número 95 algo mais vibrante do que foi. Se, no ano passado, um tapa absurdo manteve a noite das estatuetas douradas em evidência por várias semanas, este ano, ela, a cerimônia, será logo, logo esquecida. Não pela falta de atos insanos, mas por sua premiação destrambelhada, desde a escolha dos finalistas.

A gigantesca Índia levou outra estatueta para casa, pelo curta-metragem (de 40 minutos!!! – se os longas podem ter mais de três horas, por que os curtas não podem se alongar?) “Como Cuidar de um Bebê Elefante”, da diretora Kartiki Gonsalves. Trata-se de narrativa fofura sobre um casal de camponeses que cria bebês-elefantes, abandonados pelos pais em fugas provocadas por incêndios na floresta. Kartiki derrotou uma pequena obra-prima russa: “Haulout” (25′), do casal Arbugaev e Arbugaeva.

O longa documental canadense “Navalny”, de Daniel Roher, repetiu o desempenho no Bafta e ganhou a estatueta dourada. O filme mostra o regresso do ativista Alexei Navalny à Rússia para enfrentar o autoritário Vladimir Putin, a quem acusa de ter mandado envenená-lo. Será encarcerado. Na cerimônia do Oscar, ele foi representado pela mulher Yulia. Registre-se – e o filme mostra isso – que o personagem principal é dos mais controversos e mantém relações com a extrema-direita russa.

Confira os vencedores:

. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” (EUA), de Daniel Kwan e Daniel Scheinert – melhor filme, direção, atriz (Michelle Yeoh), roteiro (Daniel Kwan e Daniel Scheinert), atriz coadjuvante (Jamie Lee Curtis), ator coadjuvante (Ke Huy Quan), montagem (Paul Rogers)

. “Nada de Novo no Front” (Alemanha), de Edward Berger: melhor filme internacional, fotografia (James Friend), trilha sonora (Volker Bertelmann), direção de arte

. “A Baleia”, de Darren Aronofsky (EUA) – melhor ator (Brendon Frasen), melhor cabelo e maquiagem

. “Entre Mulheres”, de Sarah Polley (Canadá-EUA) – melhor roteiro (Sarah Polley)

. “Pinóquio”, de Guillermo del Toro e Mark Gustafson – melhor longa de animação

. “Navalny”, de Daniel Roher (Canadá) – melhor longa documental

. “RRR – Revolta, Rebeldia, Revolução” (Índia) – melhor canção (“Naatu Naatu”, de M.M. Keeravaani e Chandrabose)

. “Pantera Negra: Wakanda para Sempre” – melhor figurino (Ruth Carter)

. “Avatar: O Caminho da Água”, de James Cameron – melhores efeitos visuais

. “Top Gun: Maverick”, de Joseph Kosinski – melhor som

. “Como Cuidar de Um Bebê Elefante”, de Kartiki Gonsalves (Índia) – melhor curta documental

. “An Irish Goodbye” (Um Adeus Irlandês), de Ross White e Tom Berkeley (Irlanda) – melhor curta de ficção

. “The Boy, The Mole, The Fox and The Horse” (O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo”), de Charlie Mackesy e Peter Baynton (Grã Bretanha)

One thought on ““Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” triunfa em edição do Oscar que impôs pesada derrota ao cinema de arte

  • 19 de março de 2023 em 20:40
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    Maria do Rosário foi generosa com o filme Tudo em todo… No curto e grosso, o filme é um lixo! Simples assim e quando leio alguns críticos elogiando a originalidade da história só não vomito por que a comida tá valendo os olhos da cara; gente, multiverso, pancadarias de karatê, velhotas lutadoras e mãe dedicada, maridos manés, ah! e naturalmente em tempos de lacração não poderia faltar biscatinha rebelde e casal homo! Eu não consegui assistir até o final e antes do meio do filme pulei logo pra ver o tal final, pois tinha coisas melhores e mais importante pra fazer, tipo, dar uma bela e suculenta cagada!

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