“Argentina 1985” e a série “Notícia de um Sequestro” são os grandes vencedores dos Prêmios Platino

Por Maria do Rosário Caetano

O Darín movie “Argentina 1985”, longa político-judicial de Santiago Mitre, derrotou, na festa dos Prêmios Platino, o poderoso “Las Bestias”, de Rodrigo Sorogoyen, que triunfara no Goya espanhol. Mas a derrota não foi acachapante. Se o argentino ganhou cinco troféus (incluindo o de melhor filme), o castelhano acumulou quatro (incluindo o de melhor direção).

Outros dois filmes foram festejados na décima edição dos Prêmios Platino, realizada no Palácio Municipal de Madri, na noite de sábado, 22 de abril, o espanhol “Canção de Ninar” (Cinco Lobitos), de Alauda Ruiz, e o boliviano “Utama”, de Alejandro Loayza. O músico Cergio Prudente, ao agradecer o reconhecimento pela trilha sonora que criou para o belo filme andino, dividiu os aplausos recebidos com o povo quechua, fonte fertilizadora de suas sonoridades. E usou o idioma dos povos originários de seu país para agradecimento bilíngue.

Já no terreno das séries, não teve para ninguém. A grande vencedora da noite madrilenha foi “Notícia de um Sequestro” (foto), baseada no livro homônimo do colombiano Gabriel García Márquez, e realizada por seu filho Rodrigo García, em parceria com o chileno Andrés Wood, diretor de filmes festejados como “Machuca” e “Violeta Subiu aos Céus” (este sobre Violeta Parra). Exibida no streaming pela Prime Video, a série é realmente de excelente qualidade e mostra a Colômbia dos conturbados e violentos tempos de Pablo Escobar, quando traficantes fizeram do sequestro recorrente moeda de troca. De posse de reféns oriundos da burguesia colombiana, tentavam obrigar as autoridades a julgá-los em coniventes tribunais nacionais, sem deportá-los para os EUA.

Duas personagens, em especial, centralizam a narrativa – Maruja Pachón (papel que rendeu o Platino de atriz protagonista a Cristina Umaña) e a jovem jornalista Diana Turbay, filha de um ex-presidente da Colômbia, que perdeu a vida em mal-sucedido resgate de reféns da Guerrilha do Exército de Libertação Nacional (atriz coadjuvante para Majida Issa).

A série colombiano-chilena, eleita a melhor do ano, teve seus criadores (Rodrigo e Andrés) também laureados. Sobraram, portanto, apenas dois prêmios aos candidatos da Argentina (o país xodó dos Prêmios Platino): melhor ator para o comediante Guillermo Francella (pela deliciosa “Meu Querido Zelador”, disponível na Star+) e melhor coadjuvante (para Alejandro Awada, de “Iosi, o Espião Arrependido”, Prime Video).

Pela primeira vez em sua história, o comando do prêmio atribuído aos melhores do cinema ibero-americano ignorou em 100% o audiovisual brasileiro. Isso quase aconteceu em 2016, na edição sediada em Punta del Este, no Uruguai, mas os responsáveis pela premiação (Egeda, Fipca e Academias do mundo ibérico) deram um “jeitinho” e criaram o Prêmio Educação em Valores, que coube ao ótimo “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert. Para valorizar o “arranjo”, a láurea foi entregue pela guatemalteca Rigoberta Menchu, Prêmio Nobel da Paz.

Este ano, nem remendo houve. O cinema e TV brasileiros ficaram de fora, sem choro, nem vela. Nem “Marte Um”, de Gabriel Martins, conseguiu uma vaguinha que fosse em qualquer categoria. Nem na recém-criada “melhor comédia”, na qual, aliás, cometeu-se barbaridade de grande monta. Deixou-se de premiar a excessiva, mas brilhante, narrativa autobiográfica do mexicano Alejandro González Inãrritu (“Bardo – Falsa Crônica de Algumas Verdades”) para laurear “Competência Oficial”, o metalinguístico e desinteressante (bota desinteressante nisso!) filme da dupla argentina Mariano Cohn e Gastón Duprat, dessa vez comandando produção espanhola protagonizada por Penélope Cruz, Antonio Banderas e o argentino Oscar Martinez. Um grande elenco desperdiçado.

Para que o gigante da América Lusitana não ficasse totalmente esquecido, os apresentadores da noite madrilenha, comandados pelo baixinho Oscar Chaparro (realmente muito espirituoso), fizeram o que puderam. Tentaram imitar o “português à moda brasileira”, falaram em caipirinha, “Cidade de Deus, o filme”, Roberto Carlos, Copacabana e elogiaram o Canal Brasil, que transmite a festa desde seus primórdios. Muito pouco, convenhamos.

Além de Sonia Braga, primeira detentora do Platino de Honor (no Panamá, em 2014), o Brasil apareceu fugazmente na festa madrilenha. Como mero figurante. Com Bárbara Paz (que entregou o prêmio de melhor documentário) e com Letrux e Alejandro Claveaux, que cantaram “País Tropical”, de Jorge Benjor. É pouco, muito pouco, há que se repetir, em se tratando de um país de 210 milhões de habitantes e com produção cinematográfica e televisiva de grande significação. Se continuar assim, o “tratado de Tordesilhas simbólico” que nos separa tornar-se-á cada vez mais segregador.

Brasil e Portugal continuam sendo os “intrusos” na festa do audiovisual ibero-americano. O jovem Diego Luna, ator e produtor de cinema de grande importância, já ganhou seu Platino de Honor. Já Fernanda Montenegro, Wagner Moura, Caetano Veloso, Chico Buarque, Seu Jorge ou Lázaro Ramos, todos com profundas ligações com o cinema, nunca foram convidados. Nem Maria de Medeiros, Joaquim de Almeida ou Leonor Silveira, astros lusitanos de fama internacional. Os dois países que falam português no mundo ibérico continuam massacrados pelos quase vinte que falam a língua de Cervantes.

Enquanto não se encontrar solução para tamanha disparidade (ou encrenca), vale lembrar que prêmios vindos de categorias profissionais e de Academias sempre privilegiarão a grandeza da mensagem do filme avaliado. E nesse sentido, “Argentina 1985” é mesmo imbatível. Mas, como cinema, “Las Bestias” está muitos passos adiante da produção argentina. É mais ousado, inventivo, arriscado. Mesmo caso de “Alcarràs” e “Bardo”, ignorados pelos troféus platinados.

A cerimônia dos Prêmios Platino, há que se elogiar, foi ágil e apresentou ótimos discursos de agradecimento. Pode não ter agradado (aos moderninhos) com seus ‘vallenatos’ colombianos, suas ‘rancheras’ mexicanas, merengues, salsas e rumbas caribenhos. Afinal, não conhecemos os ídolos que arrancam gritos das plateias hispânicas. O astro Sebastián Yatra parece ter plateia do tamanho da brasileira Anita no mundo hispânico. E dele nada sabemos. E assim toca a banda. Só Blanca Paloma causou arrepio com seu canto flamenco em homenagem a Carlos Saura (1932-2023). Voltemos aos discursos de agradecimento: o Platino deu de dez (nesse quesito) na cerimônia do Oscar. Show de bola.

O irreverente Chaparro avisou que dispensava agradecimentos a papais, mamães, titios e filhinhos! E pediu objetividade. Alguns se estenderam (caso do homenageado Benício del Toro e do cineasta chileno Andrés Wood), mas tinham muito o que dizer. Não estavam enunciando listas telefônicas com aborrecidos nomes de familiares ou parceiros profissionais que só eles conhecem.

O estadunidense de origem porto-riquenha Benício del Toro, de 56 anos, arrasou. Chegou perto do show de Antonio Banderas no Platino de Málaga, na Andaluzia (2015). Só que Banderas leu texto prévia e belamente escrito. Del Toro improvisou. Emocionado, sofreu uma travada. Mas brilhou com sua sinceridade. Relembrou sua condição de minoria latina nos EUA. E também os conselhos para que mudasse de nome, as sugestões para que recorresse a cirurgia plástica que lhe aumentasse o tamanho dos olhos. As negativas recebidas em dezenas de testes, os inúmeros papeis de vilão (traficante e outras variações de tipos bandidos) para os quais foi escalado.

Ele, que estudou na Universidade da Califórnia, triunfou. Ganhou um Oscar de coadjuvante (com “Traffic”), a Palma de Ouro em Cannes (com o “Che” de Soderbergh). Foi aplaudido de pé no Platino. Revelou-se modesto e seguidor dos ensinamentos da professora Stella Adler. “Ela sempre me disse que pedisse ajuda, pois eu sempre passaria por momentos de insegurança, por crises de identidade, acontecimentos normais em nossas vidas”. Afinal, “muitos sonharam, bem antes de nós, os mesmos sonhos”.

O discurso de Benício del Toro como décimo laureado com o Platino de Honor (depois de Sonia Braga, Antonio Banderas, Edward James Olmos, Rita Moreno, Adriana Barraza, o cantor e ator Raphael, José Sacristán, Diego Luna e Carmen Maura) foi tão comovente, que ao receber o prêmio de melhor ator, Ricardo Darín o citou, comovido. E fez — até que enfim — um belo discurso, o mais emocionante por ele proferido numa festa do Platino. Mais belo até que o que proferira na terceira edição, em Punta del Este, quando recebeu o Platino de Honor (2016).

Com síntese e vigor, o astro argentino agradeceu a láurea recebida e dedicou-a ao saudoso promotor Júlio Strassera, grande defensor dos Direitos Humanos, que levou militares da mais alta patente ao cárcere. Agradeceu também a seus colegas de elenco, em especial ao ator Juan Lanzani, que interpretou o advogado Luis Moreno Ocampo, parceiro na empreitada jurídica que colocou a Argentina na vanguarda desse continente marcado pela conivência com transgressões cometidas por governos ditatoriais. Ao final de seu discurso, Darín/Strassera bradou: “Nunca mais!”

“1976, um Segredo na Ditadura“, da chilena Manuela Martelli, derrotou fortes candidatos ao Platino de ópera prima (filme de diretor estreante). Disponível na Netflix, a narrativa centra-se em tranquila dona de casa, de vida burguesa, que abriga um homem em sua casa de praia, sem saber tratar-se de refugiado político. “Utama”, da Bolívia, e “La Jauría”, do colombiano Andrés Ramirez Pulido, são infinitamente melhores e mais ousados.

No terreno do documentário, “El Caso Padilla”, produção espanhola, dirigida pelo cubano, radicado em Madri, Pavel Giroud, foi o eleito. O filme revela um dos casos mais controvertidos e rumorosos da história política da ilha – a prisão do poeta Heberto Padilla, em 1971. Pressionado, ele submeteu-se a constrangedor ‘mea culpa’ gravado em 16 milímetros, ao longo de muitas horas. E dividiu os apoiadores da Revolução Cubana. O material vem a público pela primeira vez (com qualidade técnica de causar arrepio, assim como seu conteúdo). O documentário causou forte impressão no Festival É Tudo Verdade, mas não foi premiado. A maioria da intelectualidade latina posicionou-se contra as restrições impostas aos artistas dissidentes da ilha de Fidel. Quando pôde, Heberto exilou-se em Miami.

No palco do Platino, ao agradecer o prêmio, Pavel Giroud não poupou seu país de origem, do qual se distanciou. Lamentou que “ainda haja quem veja Cuba como parque temático de certa ideologia”.

Confira os vencedores:

CINEMA

. “Argentina 1985”, de Santiago Mitre (Argentina) – melhor filme, melhor ator (Ricardo Darín), roteiro (Mariano Llinás e Santiago Mitre), direção de arte (Micaela Saiegh) e Prêmio Educação em Valores

. “Las Bestias” (Espanha) – melhor diretor (Rodrigo Sorogoyen), melhor coadjuvante (Luís Zahera), montagem (Alberto del Campo), som (Aitor Berenguer, Fabíola Ordoyo, Yasmina Praderas)

. “Canção de Ninar” (Cinco Lobitos – Espanha) – melhor atriz (Laia Costa), melhor atriz coadjuvante (Suso Sánchez)

. “Utama”, de Alejandro Loaysa (Bolívia) – melhor fotografia (Bárbara Alvarez), música original (Cergio Prudencio)

. “Concorrência Oficial”, de Mariano Cohn e Gastón Duprat – melhor comédia

. “Áquila y Jaguar: Los Guerreros Legendários”, de Mike R. Ortiz (México) – melhor animação

. “El Caso Padilla”, de Pavel Giroud (Espanha) – melhor documentário

. “1976, um Segredo na Ditadura“, de Manuela Martelli (Chile) – melhor opera prima (filme de diretor estreante)

TELEVISÃO

. “Notícia de Um Sequestro”, de Rodrigo García e Andrés Wood (Colômbia e Chile) – melhor série, melhores criadores (García & Wood), atriz (Cristina Umaña) e atriz coadjuvante (Majida Issa)

. “Meu Querido Zelador” (Argentina): melhor ator (Guillermo Francella)

. “Iosi, o Espião Arrependido” (Argentina): melhor ator coadjuvante (Alejandro Awada)

JÚRI POPULAR

Melhor filme: “Argentina 1985”

Melhor atriz: Laia Costa (Cinco Lobitos)

Melhor ator: Ricardo Darín (Argentina 85)

Melhor série: “Notícias de um Sequestro”

Melhor atriz de série: Natália Orero (Evita)

Melhor ator de série: Gillermo Francella (Meu Querido Zelador)

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