“Marte Um” e quarteto de atores negros são consagrados pelo Prêmio Sesc de Melhores Filmes

Foto: Gabriel Martins (à direita) e equipe de “Marte Um”

Por Maria do Rosário Caetano

O filme mineiro “Marte Um”, de Gabriel Martins, conquistou dez dos catorze troféus entregues a filmes brasileiros na noite da quadragésima-nona edição do Prêmio Sesc, belo troféu desenhado pelo artista plástico Emanoel Araújo (1940-2022). Só perdeu nas categorias “melhor atriz” e “melhor ator” pelo júri popular — os escolhidos foram Taís Araújo e Seu Jorge, de “Medida Provisória” — e, obviamente, na categoria melhor documentário, que não disputava, por tratar-se de obra ficcional. Os vencedores foram “Segredos do Putumayo”, de Aurélio Michiles, o eleito da crítica, e “Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo”, de Taciana Oliveira, o escolhido do público.

A cerimônia de premiação aconteceu no CineSesc, na Rua Augusta paulistana, lotado, e foi prestigiada pela equipe mineira de “Marte Um”, que compareceu em peso para receber a merecida consagração. Os discursos de todos os laureados foram sintéticos e, alguns deles, emocionantes.

Os atores Rejane Farias e Carlos Francisco, que compõem um casal, os pais de Deivinho (Cícero Lucas), o menino sonhador de “Marte Um”, lembraram suas origens no teatro e o prazer de terem encontrado no cinema — ela com Gabriel Martins, ele com Thiago Mendonça e o próprio Gabriel — oportunidades das mais enriquecedoras. Destacaram, também, a alegria de interpretar personagens afro-brasileiros complexos em filme que conseguiu mobilizar equipe tão unida e capaz de chegar a público significativo, permanecendo sete meses ininterruptos em cartaz.

Rejane aproveitou para mandar “um abraço e parabéns a meu filho Luciano, que completa 37 anos justo nessa noite”. E longe dela. “Ele entenderá a razão de minha ausência, por isso envio daqui um forte abraço para ele”. A emoção tornou-se ainda maior no cinema lotado, quando o cantor e ator Seu Jorge, vestido com discreta elegância, resolveu relembrar seu passado para agradecer três prêmios: dois do ano passado, ganhos da crítica e do público, por “Marighella” (épico de Wagner Moura), que compromissos profissionais o impediram de buscar, e um, o deste ano, por “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos.

No imenso telão do CineSesc haviam sido mostradas imagens de atores e atrizes, diretores e diretoras (e do crítico Rubens Evaldo Filho e do montador Máximo Barro) mortos nos últimos anos. Um deles era o comediante Antônio Pedro. O futuro astro black de “Cidade de Deus”, “Pixinguinha” e “Marighella” rememorou: em situação de rua, começou a frequentar o curso de teatro da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Antônio Pedro era o responsável pelo projeto.

Jorge assistia às aulas e participava dos ensaios. À noite, todos iam embora e o espaço era trancado. O garoto pulava o muro para dormir no Teatro Odyllo Costa Filho, que abrigava o TUERJ (Teatro da UERJ). Já mais enturmado, procurou Antônio Pedro e explicou sua situação. O velho e generoso ator conseguiu uma autorização para que ele dormisse no local, sem precisar pular o muro. Ali, sob aplausos, o cantor e ator, hoje com 52 anos e reconhecido internacionalmente, agradeceu a seus mestres, entre eles Betina Viany, Amir Haddad e, claro, Antônio Pedro Borges (1940-2023).

Quando “Marte Um” foi consagrado como o grande vencedor da noite, Gabriel Martins, o Gabito, afirmou desejar, para todos os filmes brasileiros, trajeto similar ao de seu longa-metragem. Ou seja, que todos tenham possibilidade de diálogo com o público semelhante à que ele teve com este que é seu segundo longa-metragem.

O drama, temperado com saborosas doses de humor, permaneceu por quase 30 semanas em cartaz e chegou a 100 mil espectadores. Nada mal para uma produção lançada em tempos ainda sob o impacto da pandemia. O cineasta contou que seu filme anterior permaneceu pouquíssimas semanas em cartaz, o que foi muito doloroso.

Thiago Macedo Correia, produtor de “Marte Um”, por sua vez, lembrou que os mais de cem filmes brasileiros avaliados pela crítica e público, esse ano, poderão não aparecer nas próximas temporadas, em consequência da paralisação sofrida pelas políticas públicas de fomento audiovisual ocorridas nos últimos quatro anos, durante o Governo Bolsonaro.

A observação do produtor da mineira Filmes de Plástico serviu de alerta em noite em que artistas negros, incluindo o quarteto de atores premiados — Rejane Farias, Carlos Francisco, Taís Araújo, que enviou seu agradecimento por vídeo, e Seu Jorge — exaltou a ampliação de espaço para histórias e atuações afro-brasileiras em nossas telas.

Após a premiação, o cineasta Gregório Graziosi e sua equipe, incluindo mais dois astros black — o octogenário e radiante Antônio Pitanga e a bela Indiara Nascimento — apresentaram o filme “Tinnitus”, convidado especial da noite. O longa-metragem, que participou do Festival de Gramado, chegará aos cinemas em junho.

A partir dessa quinta-feira, seis de abril, o público encontrará, no CineSesc, catálogo com informações completas sobre as produções brasileiras e internacionais premiadas e selecionadas para a programação da quadragésima-nona edição do Festival Sesc Melhores Filmes, que prossegue até dia 26 de abril.

Confira os vencedores:

BRASILEIROS

. “ Marte Um” (MG) – melhor filme pelo júri da crítica e do público, melhor diretor e melhor roteirista (Gabriel Martins), pela crítica e público, melhor atriz (Rejane Farias, pela crítica), melhor ator (Carlos Francisco, pela crítica), melhor fotografia (Leonardo Feliciano, pela crítica e público)

. “Medida Provisória” (RJ) – melhor atriz (Taís Araújo), pelo júri popular, melhor ator (Seu Jorge), pelo júri popular

. “Segredos do Putumayo”, de Aurélio Michiles (SP) – melhor documentário (pela Crítica)

. “Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo” , de Taciana Oliveira (PE) – melhor documentário (pelo público)

ESTRANGEIROS

. “Aftersun” (Inglaterra) – melhor filme, melhor direção (Charlotte Welles), ator (Paul Mescal), todos pela Crítica

. “Tudo em Toda Lugar ao Mesmo Tempo” (EUA) – melhor filme (público), direção (Daniel Kwaun e Daniel Scheinberg, pelo público), atriz (Michelle Yeoh, pela Crítica)

. “Mulher Rei” (EUA) – Viola Davis – melhor atriz ( público)

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