Maranhão entra em cartaz com “Tire 5 Cartas” disposto a resgatar comédia abandonada pelo público

Por Maria do Rosário Caetano

A comédia brasileira divorciou-se de seu generoso público nesses últimos anos – os da pandemia, da morte de Paulo Gustavo e do triunfo avassalador das plataformas de streaming.

Desde que os cinemas foram reabertos, nenhuma comédia brasileira chegou perto de um milhão de tíquetes. Estacionaram em bilheterias médias de 200 ou 300 mil espectadores.

Os números são, realmente, decepcionantes. Afinal, o astro Paulo Gustavo, o Midas do gênero, chegara à formidável cifra de 9,5 milhões de ingressos com “Minha Mãe é uma Peça 3” (2019), fecho de sua trilogia materna.

Dois filmes – “O Porteiro”, protagonizado por Alexandre Lino, em cartaz desde 31 de agosto, e “Tire 5 Cartas”, estrelado por esfuziante Lília Cabral (estreia nessa quinta, 14 de setembro) – tentam sair do anonimato. E fugir das bilheterias vexatórias.

“O Porteiro”, dirigido por Paulo Fontenelle, vendeu 100 mil ingressos em sua versão teatral e estreou na mesma semana de “TPM! Meu Amor”, este dirigido pela descolada Eliane Fonseca, egressa da ECA-USP, parceira de Cao Hamburger no encantador “Frankenstein Punk” (1986) e atriz das mais atuantes. Ambos, o ocupadíssimo porteiro Waldisney e a protagonista vivida por Paloma Bernardi, vítima de tensão menstrual, fracassaram.

O Boletim Filme B registrou o modestíssimo desempenho da comédia que colocou um personagem secundário (porteiro de prédio residencial) no centro da narrativa: lançado em 437 salas, ele foi visto por 25 mil espectadores em seu primeiro final de semana. Média por sala: 49 pagantes. Se for levado em conta o número de sessões (o Filme B estima 4.700, partindo do princípio de que o filme foi programado em horários vespertinos e noturnos), o número de espectadores torna-se ainda mais desesperador: média de 4 pessoas por sessão.

Em análise na mesma publicação, Rodrigo Saturnino Braga, ex-Embrafilme e ex-Columbia Pictures, historiou a trajetória da Cota de Tela,  espaço reservado aos filmes brasileiros. Desde que o mecanismo foi extinto em 2021, no governo Bolsonaro, a produção nacional quase desapareceu dos cinemas. Quando reapareceu, o fez em horários malditos (sessões vespertinas às 13h, 14h ou 15h). Este não foi o caso de “O Porteiro”, que ocupou número significativo de salas e horários.

E o que aconteceu com  “TPM! Meu Amor”?

O caso dessa comédia de Eliane Fonseca parece ainda mais desolador. Se “O Porteiro” conseguiu entrar no Top 20 das maiores bilheterias da semana, “TPM” ficou de fora. Perdeu vaga até para lançamentos do circuito de arte, caso do italiano “Oito Montanhas”, que vendeu, em quatro dias (e apenas 8 salas), 1.712 ingressos, ocupando a vigésima posição. Em décimo-nono lugar ficou a animação russa “Gatos do Museu”, que, em sua quarta semana, acrescentou 1.811 tíquetes à sua bilheteria acumulada (76.193).

Curiosamente, é o documentário “Retratos Fantasmas” que vem atingindo desempenho impressionante. Até 3 de setembro, segundo o Boletim Filme B, o filme de Kleber Mendonça vendeu 30.389 tíquetes, em pré-estreias pagas e duas semanas em cartaz. Em 48 salas, o filme pernambucano vendeu, em sua segunda semana, 7.127 ingressos, ocupando a décima-quarta posição no ranking.

Já de “TPM! Meu Amor” não há dados disponíveis. Nem o número de salas, nem os horários (se nobres ou inviáveis), nem o número de ingressos vendidos.

Com a estreia do maranhense “Tire 5 Cartas”, nesta quinta-feira, mais uma comédia brasileira se apresenta ao público. Os trunfos do filme estão no elenco, liderado por Lília Cabral, que interpreta a sexagenária Fátima, taróloga-picareta e cantora mal-sucedida (apaixonada por Alcione, sua conterrânea). Ela é casada com Lindoval (Stepan Nercessian), cover de Sidney Magal. Os dois vivem no Rio de Janeiro, longe do restante da família dela, que continua agarrada à terra natal, São Luís do Maranhão.

Um rolo com anel roubado obrigará Fátima e Lindoval a refugiarem-se na capital nordestina. E a reencontrarem parentes (liderados pela personagem de Claudia Di Moura, também cantora). No encalço da taróloga estará o “dono” do anel, interpretado por Allan Souza Lima (o protagonista da série “Cangaço Novo”).

“Tire 5 Cartas” foi integralmente rodado em São Luís, em cores fortíssimas, com elenco local em papéis secundários (todos em diálogo com a caricatura escrachada). A cidade, de mais de um milhão de habitantes, é vista por seu lado turístico, sublinhando e enaltecendo suas belezas e sua musa, a cantora Alcione (que aparecerá em show ao vivo com Fátima e sua irmã). A capital maranhense será satirizada prazerosamente por sua obsessão culinária pelo bacuri.

O roteiro, em ritmo de chanchada, foi escrito por seis pessoas, incluindo Joaquim Haickel, seu principal produtor, e pelo diretor Diego Freitas. A comédia mistura, ecleticamente, história familiar, roubo de anel cercado de trapalhadas e ingredientes “ghost” (em citação debochada de “Dona Flor e seus Dois Maridos”). Neste caso, com triângulo amoroso formado por Fátima, pelo marido-defunto, o hedonista Lindoval, e pelo travado personagem de Guilherme Piva.

O longa maranhense poderá até não emplacar no circuito comercial do Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país. Mas tem tudo para bombar no Maranhão. São Luís sedia, há quase uma década, promissora escola de cinema e pretende tornar-se significativo polo cinematográfico do audiovisual brasileiro.

Joaquim Haickel, de 59 anos, ex-deputado estadual e federal, define-se como “advogado, escritor, jornalista, cineasta, empresário e político”. Dono da produtora Guarnicê, ele parece não cultivar o amadorismo. Tanto que associou-se à EH! Filmes, produtora e distribuidora carioca, comandado pela experiente Elisa Tolomeli.

Juntos, Haickel, que preside o Museu da Memória Audiovisual do Maranhão e o Sindicato da categoria, e sua sócia (estabelecida no eixo Rio-São Paulo) montaram produção cuidadosa, mobilizaram atores famosos (muitos com exitosa carreira na TV Globo), colocaram a máquina política e turística do estado nordestino em ação e convocaram o paulista Diego Freitas para dirigir o filme. A sorte está lançada.

 

Tire 5 Cartas
Brasil, 2023, 88 minutos
Direção: Diego Freitas
Elenco: Lília Cabral, Stepan Nercessian, Cláudia Di Moura, Guilherme Piva, Allan Souza Lima, Sérgio Malheiros, Gabriel Godoy, Giulia Bertoli, César Boaes, Claudiana Cotrim, Thaynara OG e Matt Lemos. Participação especial de Alcione e Sidney Magal
Fotografia: Victor Alencar
Montagem: Alexandre Boechat e Fábio Jordão
Música: Ed Cortes
Direção de arte: Sérgio Silveira
Figurino: Kika Lopes
Produção: Guarnicê (Joaquim Haeckel) e EH! Filmes (Elisa Tolomeli)
Distribuição: Vinny Filmes
Classificação indicativa: 12 anos

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