Festival de Fortaleza exibe onze longas na mostra Olhar do Ceará, recorde histórico de suas 33 edições

Por Maria do Rosário Caetano

O Cine Ceará – Festival de Cinema Ibero-Americano de Fortaleza, que realiza sua trigésima-terceira edição a partir desse sábado, 25 de novembro (até primeiro de dezembro), exibirá mais longas-metragens cearenses que ibero-americanos.

O placar é de causar espanto: 11 longas ‘made in Ceará’ contra apenas seis para representar a produção ibero-americana (Espanha, Portugal, toda a América Hispânica e Brasil).

A safra cearense realmente vive um ótimo ano (pelo menos no campo da produção, já que nos quesitos distribuição e exibição, as engrenagens continuam emperradas e o projeto da distribuidora Ceará Filmes ainda não saiu do papel).

No primeiro semestre, em junho, a ficção “Estranho Caminho”, de Guto Parente, conquistou quatro prêmios no Festival de Tribeca, em Nova York (melhor longa, melhor ator para Carlos Francisco, melhor roteiro para Guto Parente e fotografia para Linga Acácio).

Também em junho, a ficção “Quando Eu me Encontrar” (foto), de Amanda Pontes e Micheline Helena, participou da principal competição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Recebeu dois prêmios — melhor roteiro do júri oficial e Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

Em agosto, outro fato nunca registrado na história do cinema cearense: dois longas-metragens do Estado competiram nas duas principais mostras do Festival de Gramado: “Mais Pesado é o Céu”, de Petrus Cariry (competição dedicada à ficção), e “Memórias da Chuva”, de Wolney Oliveira (categoria documentário).

Foram distribuídas duas dezenas de Troféus Kikito na mostra ficcional. Quatro deles para o longa de Petrus: melhor direção, melhor fotografia (Petrus Cariry), montagem (Firmino Holanda e Petrus Cariry) e prêmio especial do júri (à atriz Ana Luiza Rios). Na categoria longa documental só foi distribuído um Kikito.

Em setembro, no Festival de Cinema de Vitória, mais prêmios para um longa cearense. “Represa”, ficção de Diogo Hoefel, foi eleito o melhor filme. E mais: melhor diretor (Diego Hoefel), roteiro (Aline Portugal, Diego Hoefel, Maurício Grabowski), fotografia (Daniel Correia) e menção honrosa de interpretação (Gilmar Magalhães). Como se vê, as prateleiras cearenses estão recheadas de troféus.

As estatísticas que mostram o 11 x 6 (Ceará versus Países Ibero-Americanos) ganham ainda mais vulto quando a elas se agrega a produção de curta-metragem. Só no Cine Ceará, o Estado marcará presença com dois títulos na competição nacional e 15 na Mostra Olhar do Ceará. Um total de 17 filmes cearenses frente aos 12 de outras unidades da Federação.

O que tem garantido tamanha produtividade quantitativa e, também, qualitativa ao Ceará?

Políticas públicas, claro, praticadas pelo Estado, governado pelo PT por seguidas gestões, e do Município de Fortaleza (aí com alternância entre PDT, PSDB e PT). E também de prefeituras do sertão e do litoral. No plano da linguagem, as conquistas se devem a cursos de cinema em universidade públicas e privadas. E também em instituições como o Dragão  do Mar, Porto Iracema e Vila das Artes.

Dos onze longas reunidos no Olhar do Ceará (Competição e Sessões Especiais), cinco são ficções, cinco documentários e um híbrido. Vale notar que três (“Represa”, “Mais Pesado é o Céu” e “Memórias da Chuva”) dos onze escolhidos abordam, cada um a seu modo, a construção (e “desconstrução”) da represa do Castanhão, que inundou o município de Jaguaribara. E, ao invés de levar água e progresso para Nova Jaguaribara, construída na mesma região, não houve solução para o problema do abastecimento hídrico, nem criação dos empregos prometidos.

As ficções são as obras mais premiadas da atual safra cearense (caso de “Estranho Caminho”, filme que será exibido na noite de premiação, “Mais Pesado é o Céu”, “Represa” e “Quando Eu me Encontrar”).

A quinta ficção da safra 2023 — “Os Maluvidos”, de Josenildo Nascimento e Gislandia Barros — é uma produção destinada ao público infanto-juvenil. Como “Os Pequenos Guerreiros”, de Bárbara Cariry, dois anos atrás, terá sessão diurna, no Cine São Luiz, na segunda-feira, 27, para estudantes da rede de ensino pública (dentro do programa “Mostras Sociais – O Primeiro Filme a Gente Nunca Esquece”).

Entre os documentários selecionados, um chama atenção por seu personagem-protagonista — “Nirez Eterno”, de Aderbal Nogueira e Glauber Paiva. A ele se somarão “A Luta de Nzinga”, de Eduardo Cunha Souza; “Amilton Melo – Ídolo de Todos”, de Ciro Câmara e Vinicius Augusto, e “Um Pedaço do Mundo”, de Tarcísio Rocha Filho, Victor Costa Lopes e Wislan Esmeraldo.

Nirez é o pseudônimo de Miguel Ângelo de Azevedo, nascido há quase 90 anos, em Fortaleza (15 de maio de 1934). Jornalista, historiador e desenhista técnico, ele chama ainda mais atenção por ser um dos mais respeitados pesquisadores de música popular brasileira do Nordeste. Nirez coleciona, também, rico acervo sobre a capital cearense.

E, afinal, o que ele guarda em seus arquivos?

Discos e mais discos. Conta-se que Miguel Angelo dispõe da “maior discoteca particular do país”. E que boa parte de seu material fonográfico veio da Rádio Uirapuru, conhecida como a “emissora do pássaro”.

Anos atrás, ao atualizar sua discoteca com nova tecnologia (no caso elepês de 33 rotações por minuto), a Uirapuru repassou seus discos de 78 rpm ao jornalista de alma preservadora. Ele coleciona, também, imagens históricas de Fortaleza e outros municípios do Estado. Boa parte veio do estúdio fotográfico Aba Filmes, da Família Albuquerque. Sim, os Albuquerque que produziram as fotos e o filme captados pelo fotógrafo-cinegrafista-e-mascate libanês Benjamin Abrahão (“Lampião, o Rei do Cangaço”, 1936). O Arquivo Nirez soma aos discos e fotos, imensa quantidade de livros, revistas, rótulos, slides, negativos e equipamentos antigos.

O documentário “Um Pedaço do Mundo”, de Tarcísio Rocha Filho, Victor Costa Lopes e Wislan Esmeraldo, acompanha quatro mães de pessoas homoafetivas (LGBTQIA+). Elas compartilham suas vidas e experiências em relação à maternidade.

“A Luta de Nzinga” estabelece conexões entre a história de Maria da Luz Fonseca, uma mulher negra, natural da Ilha de Príncipe e a da rainha angolana Nzinga.

“Amilton Melo – Ídolo de Todos” destaca a carreira de jogador de futebol cearense, motivo de grande estima por parte dos torcedores.

E, por fim, o híbrido “Todas as Vidas de Telma”, de Adriana Botelho, encerra o time do Olhar do Ceará. O filme tem a fotografia como uma força motriz e, nos créditos, o diretor de fotografia Ivo Lopes Araújo (ex-Coletivo Alumbramento) e o grupo Grivo (na trilha sonora).

Telma Saraiva (1928-2015) dedicou-se à fotografia (retratos pintados) na microrregião do Cariri nordestino. Ana, protagonista do longa de Adriana Botelho (a cineasta é professora da Universidade Federal do Cariri), regressa ao município do Crato, 12 anos depois de encantar-se com a técnica dos “retratos pintados” manualmente. Ela sabe pouco sobre a longa trajetória da fotógrafa Telma e do Estúdio (da família) Saraiva. Em nova visita ao Cariri, buscará o significado das imagens elaboradas pela pioneira da fotografia feminina no Nordeste.

 

MOSTRA OLHAR DO CEARÁ

“Represa”, de Diego Hoefel. Ficção. 77’
“Quando Eu me Encontrar”., de Amanda Pontes e Michelline Helena. Ficção. 77’
“Nirez Eterno”, de Aderbal Nogueira e Glauber Paiva. Documentário. 73’
“A Luta de Nzinga”, de Eduardo Cunha Souza. Documentário. 74’
“Amilton Melo – Ídolo de Todos”, de Ciro Câmara e Vinicius Augusto Bozzo. Documentário. 75’}
“Os Maluvidos”, de Josenildo Nascimento e Gislandia Barros. Ficção. 73’
“Um Pedaço do Mundo.”, de Tarcísio Rocha Filho, Victor Costa Lopes e Wislan Esmeraldo. Documentário. 75’
“Todas as Vidas de Telma”, de Adriana Botelho. Híbrido. 72’

CEARÁ (SESSÕES ESPECIAIS)

“Estranho Caminho”, de Guto Parente
“Mais Pesado é o Céu”, de Petrus Cariry
“Memórias da Chuva”, de Wolney Oliveira

COMPETIÇÃO IBERO-AMERICANA

“Ahora la Luz cae Vertical” (Agora a luz cai vertical). Première Brasil. De Efthymia Zymvragaki. Ficção. 85’. Espanha-Alemanha-Itália-Holanda
“Alemania” (Alemanha). Première Brasil. De María Zanetti. Ficção, 87’. Argentina-Espanha
“Cielo Abierto” (Céu aberto). Première Brasil. De Felipe Esparza. Ficção-documentário. 65’. Peru-França
“El Castigo” (O Castigo). Première Brasil. De Matías Bize. Ficção. 86’. Chile
“La Mujer Salvaje” (A Mulher Selvagem). Première Brasil. De Alan González. Ficção. 93’. Cuba
“Sou Amor” – Première Brasil. De André Amparo e Cris Azzi. Ficção. 110’. Brasil

CURTAS-METRAGENS (BRASIL)

A sombra da Terra. De Marcelo Domingues. Ficção / Animação. 20’. São Paulo
Aquela mulher. De Marina Erlanger e Cristina Lago. Ficção. 14’. Rio de Janeiro
As miçangas. De Rafaela Camelo e Emanuel Lavor. Ficção. 18’. Distrito Federal
Bença. De Mano Cappu. Ficção. 15’. Paraná
Cabana. De Adriana de Faria. Ficção. 13’. Pará
Circuito. De Alan Sousa e Leão Neto. Ficção. 22’. Ceará
Diafragma. De Robson Cavalcante. Animação. 10’. Alagoas
Dinho. De Leo Tabosa. Ficção. 20’. Pernambuco
Lapso. De Caroline Cavalcanti. Ficção. 24’. Minas Gerais
Lapso. De João Herberth. Ficção. 13’. Alagoas
Os finais de Domingos. De Olavo Junior. Ficção. 8’. Ceará
Pulmão de pedra. De Torquato Joel. Documentário. 14’. Paraíba
Thuë pihi kuuwi – Uma mulher pensando. Direção: Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami, Roseane Yariana Yanomami. Documentário. 9’. Roraima
A bata do milho. De Eduardo Liron e Renata Mattar. Documentário. 16’. Bahia

HOMENAGEADOS

Ailton Graça, ator de cinema, TV e teatro, em cartaz nos cinemas com “Mussum, o Filmis”
Bete Jaguaribe, professora universitária, pesquisadora e gestora cultural, ligada ao Instituto Dragão do Mar, Porto Iracema das Artes e UniFor
Veronica Guedes, cineasta e diretora do Festival For Rainbow dedicado à Diversidade
George Moura, roteirista cinematográfico e teledramaturgo (“Amores Roubados”, “Onde Está Meu Coração” e “Guerreiros do Sol”)
Josafá Duarte – Agricultor e cineasta popular, autor de duas dezenas de curtas, médias e longas-metragens ligados à sua região, Forquilha, no Ceará

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