CCBB apresenta Giro pelo Mundo do cinema infantil com “Tarsilinha”, “Tito e os Pássaros” e “Avião Vermelho”
Foto: “Tarsilinha”, de Celia Catunda e Kiko Mistrorigo
Por Maria do Rosário Caetano
A animação brasileira ganha espaço nobre na mostra “Um Giro pelo Mundo – Navegando no Cinema Infantil”, que as sedes carioca e paulistana do Centro Cultural Banco do Brasil apresentam ao longo das próximas semanas. O Rio de Janeiro assistirá a 50 filmes, oriundos de oito países, a partir desse sábado, 6 de janeiro. E São Paulo, a partir do dia 13 (até 4 de fevereiro).
O público-alvo da mostra é a criançada em gozo de férias e – por que não? – seus familiares. Por isso, além da exibição de longas e curtas-metragens, serão realizadas atividades criativas e recreativas, como oficinas, espetáculos cênicos e atrações voltadas à sustentabilidade. Contação de Histórias (“A Lenda da Cobra Traíra e o Homem Sol”, pelo Grupo de Artes Dyroá Bayá), “Yoga com Histórias” (com João Soares e Rosa Muniz), e “Oficina de Brincadeiras Africanas”(com Amarilis Irani) ilustram a parte complementar do Giro. Toda a programação tem acesso gratuito.
Três longas-metragens brasileiros ganham destaque especial – “Tarsilinha”, de Celia Catunda e Kiko Mistrorigo, “Tito e os Pássaros”, de André Catoto, Gustavo Steinberg e Gabriel Bitar, e “As Aventuras do Avião Vermelho”, de Frederico Pinto e José Maia. O primeiro mergulha no universo infantil da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973), o segundo constrói-se como fábula mágica e o terceiro recria livro que Erico Verissimo escreveu, em 1936, para o filho pequeno e de imaginação fértil, Luis Fernando Verissimo.
As produções oriundas de cinco países europeus (Itália, Espanha, França, Suíça e Alemanha) se somarão a filmes da Argentina e da Austrália. Todos serão exibidos em versões dubladas. Alguns deles não têm diálogos.
A França, que sedia o mais famoso festival de cinema animado do mundo, o de Annecy, comparece com os longas-metragens “A Viagem do Príncipe”, “Calamity” e “Yakari – A Fantástica Viagem”. A Suíça participa com os curtas “A Raposa e o Pássaro”, “Domingo”, “O Último Dia do Outono”, “Cérebro Perdido” e “Marea”. O país de Fellini marca presença com a série “Winx Club – A Magia da Itália”, sucesso desde 2004.
O título mais curioso vem da Espanha: o longa musical “Valentina”, sobre garota com síndrome de Down que alimenta sonho dos mais desafiadores: ser trapezista. A Alemanha apresenta “Hurricane, Livre como o Vento”, sobre cuidados com os animais. E a Austrália chega com “Lost and Found”, título multipremiado, inclusive com o Bafta inglês de melhor animação, em 2009.
A representação argentina reúne 13 filmes de curta-metragem (animações e documentários) produzidos pela TV pública Pakapaka, dedicada ao público infanto-juvenil, e o longa de ficção “Natacha”, dirigido por Eduardo Brito.
Carina Bini, curadora da mostra, deu preferência aos filmes animados, já que eles costumam estabelecer fértil diálogo com as crianças. Mas ela lembra que “Um Giro pelo Mundo” transita por outros formatos e linguagens, somando também obras de ficção, curtas-metragens, série de TV e documentários. Ela garimpou o que lhe pareceu mais significativo, sem se preocupar com as datas de produção. Afinal, todos esses títulos são inéditos no circuito comercial brasileiro.
A curadora pautou-se por duas propostas. Primeiro, trazer filmes mais alternativos e oriundos de geografias não-hegemônicas. Ou seja, fugir dos peso-pesados, os chamados blockbusters (ou “tanques”, como dizem os argentinos), geralmente produzidos pela poderosa industria norte-americana. “Nosso interesse é possibilitar um novo olhar sobre o cinema mundial destinado à infância, já que muitos destes filmes não chegam ao Brasil”. Os escolhidos são “aqueles títulos aos quais as crianças não teriam acesso no seu cotidiano”. Além do mais, “os selecionados fogem da linguagem padronizada”.
Em segundo lugar, veio o conceito temático. “Para esta edição” – explica Carina –, “o tema escolhido foi a ‘tolerância’, que está presente nas histórias dos filmes e séries e também nas atividades paralelas”. Ela expande o conceito do Giro: “as crianças serão motivadas a explorar temas como diversidade, inclusão, respeito ao outro e ao meio ambiente”. E mais; “queremos inspirar os jovens espectadores a valorizar a aceitação e a compreensão mútua, independente das diferenças culturais, sociais ou individuais”.
A animação brasileira de longa-metragem foi atividade rara na história do nosso cinema. Tudo começou com “Sinfonia Amazônica”, de Anélio Latini Filho, realizado em 1953, e prosseguiu de forma claudicante. Vinte anos depois, Ippe Nakashima realizou “Piconzé” (1973).
Na década de 1980, Maurício de Souza, com uma série de filmes estrelados pela Turma da Mônica, acendeu a esperança de que a produção brasileira pudesse cativar fatia do público fidelizado pelos Estúdios Disney. Mas veio a crise dos anos Collor e o projeto do mais famoso dos animadores brasileiros sofreu solução de continuidade. Mesmo assim, ele deixou títulos como “As Aventuras da Turma da Mônica”, “A Princesa e o Robô”, “Novas Aventuras da Turma da Mônica”, “Mônica e a Sereia do Rio” e “A Turma da Mônica em O Bicho Papão e Outras Histórias”. Hoje, os Estúdios Maurício de Souza têm se dedicado, com parceiros, a filmes em live action. O terceiro título dessa nova fase (“Turma da Mônica Jovem, Reflexos do Medo”), com a patota vivendo sua fase adolescente, estreia em breve. Mas um aguardado (e solitário) filme animado com a turminha está em processo de produção.
Outro animador que tentou realizar filmes capazes de dialogar com o grande público foi Walbercy Ribas, com seu Grilo Feliz, nascido dos comerciais da empresa de televisores Sharp. Mas seus dois longas estrelados pelo inseto (“O Grilo Feliz”, 2001, e “O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes”, 2009) não tiveram o público que mereciam.
Depois da Retomada, iniciada no Governo Itamar Franco, novas esperanças germinaram no segmento da animação. Unidos na organizada e combativa ABCA (Associação Brasileira de Cinema de Animação), uma dezena de cineastas, espalhados por várias regiões do país, começaram a realizar seus longas animados. Chico Liberato, que fizera em sua Bahia natal “O Boi Aruá” (1984), recuperou o pique e dirigiu “Ritos de Passagem” (2012). No Rio Grande do Sul, o incansável Otto Guerra, depois de “Rocky & Hudson, os Cowboys Gays” (1994), faria “Woody & Stock, Sexo, Orégano e Rock’n Roll” (2006), “Até que a Sbornia nos Separe” (2013) e “A Cidade dos Piratas” (2018).
Em Campinas, no interior de São Paulo, os cineastas Wilson Lazaretti e Maurício Squarisi, depois de dezenas de curtas, muitos deles gerados em oficinas de formação de novos quadros, estrearam no longa-metragem. O primeiro com “A História Antes da História” (2012), e o segundo com “ Café – Um Dedo de Prosa” (2014). Luiz Bolognesi causou furor no Festival de Annecy com “Uma História de Amor e Fúria” (2013) e conquistou o prêmio máximo do evento. O mesmo aconteceria com Alê Abreu e seu inventivo “O Menino e o Mundo”. Além do prêmio máximo em Annecy, este filme chegou a finalista ao Oscar de Hollywood. Tudo parecia muito bem encaminhado.
O clima (o astral) era tão positivo e promissor, que, em 2013, Eduardo Calvet dedicou um longa documental aos realizadores do cinema animado brasileiro: “Luz, Anima, Ação”. Mas a crise política que desaguaria no impeachment da presidenta Dilma Roussef, no governo provisório de Temer e na surpreendente eleição de Jair Bolsonaro, gerou outro momento de grandes dificuldades. Mesmo assim, um filme de animação (“Chef Jack – O Cozinheiro Aventureiro”, de Guilherme Fiuza Zenha) ocupou a decima-quarta posição entre os filmes brasileiros mais assistidos em 2023, ao vender 52 mil ingressos.
No próximo dia 25 de janeiro, estreia o primeiro longa animado de Marão, autor de diversos curtas, “Bizarros Peixes das Fossas Abissais”. Definido como “uma comédia estilizada de super-heróis bizarros”, o filme volta-se “ao público jovem adulto”. Também para plateias adultas destina-se “O Filho da Puta”, em fase de produção, que une os cineastas Otto Guerra, Sávio Leite, Tânia Anaya e Erika Maradona.
A animação de longa duração mais aguardada do país tem o cineasta Sérgio Machado (“Cidade Baixa”, “O Rio do Desejo”), um estreante no ramo, como idealizador e diretor. Ele recria, com sua equipe, o elepê “A Arca de Noé”, de Vinícius de Moraes e Toquinho. São canções narrativas que encantaram gerações de crianças brasileiras.
Este breve histórico das dificuldades enfrentadas pelo cinema de animação brasileiro servem para dar relevo ao “Giro pelo Mundo” organizado por Carina Bini. Afinal, com apoio do Centro Cultural Banco do Brasil, ela estabelece vitrine para experiências fertilizadoras vindas da Europa, da vizinha Argentina e da Oceania. Isso num momento em que o Festival Anima Mundi, de imensos serviços prestados ao cinema de animação brasileiro, vive doloroso processo de descontinuidade.
Confira os títulos escolhidos para o “Giro pelo Mundo”:
“Tarsilinha (Celia Catunda, Kiko Mistrorigo)
“Tito e os Pássaros”, de André Catoto, Gustavo Steinberg e Gabriel Bitar
“As Aventuras do Avião Vermelho”, de Frederico Pinto e José Maia)
“Fábulas Tortas”, de Dilea Frate
“Napo”, de Gustavo Ribeiro
“Tiago e Ísis – E os Segredos do Brasil – 3 Episódios (Mamulengo Presepada Cânticos Fulni-ô, Festa das Flores), de João Amorim
“A Raposa e a Orelha” e “Domingo”, ambos da dupla Samuel Guillaume e Frederic Guillaume
“O Último Dia do Outono”, de Marjolaine Perreten
“Cérebro Perdido”, de Isabelle Favez
“Marea”, de Giulia Martinelli
“Valentina”, de Chelo Loureiro
“A Galinha Cega”, de Isabel Herguera
“Girafa”, de Isabel Balsera, Marta del Valle, José María González-Madroño,
“Atenção ao Cliente”, de Marcos Valin e David Alonso
“A Viagem do Príncipe”, Jean-François Laguionie e Xavier Picard)
“Calamity”, de Remi Chayé
“Vanille”, de Guillaume Lorin
“Yakari – A Fantástica Viagem”, de Xavier Giacometti e TobyGenkel
“Hurricane, Livre como o Vento”, de Lea Schmidbauer)
“Elders”, de Tony Briggs)
“Lost and Found”, de Philip Hunt
“Dreamweaver”, de Myles Conti
“Jarli”, de Chantelle Murray e Simon Rippingale
“Winx Club – A Magia da Itália”, de Iginio Straffi
“Natacha”, de Eduardo Pinto
“Tuca, o Mestre Cuca”, de Waleska Ruschel
“Pakapaka – Um canal aberto dedicado ao público infantojuvenil “ ou “a televisão das crianças argentinas” (TV pública de Buenos Aires -Argentina)