No contexto dos 60 anos do golpe militar, IMS Paulista inaugura exposição do cineasta e fotógrafo Jorge Bodanzky

Foto: Jorge Bodanzky filmando o “Mito do Divino”, com Hermano Penna, São Luiz do Paraitinga/SP, 1968 © Acervo IMS.

Fotógrafo, repórter e cineasta, Jorge Bodanzky (1942) é autor de ampla produção visual, dedicada a investigar a cultura popular e os conflitos do país. Ao longo de sua carreira, percorreu o Brasil para registrar histórias, personagens e lutas sociais, principalmente as que aconteciam fora dos centros urbanos. Durante o período da ditadura militar, viajou sobretudo para as regiões Norte e Nordeste, retratando a violência no campo e a devastação ambiental causadas pelas políticas desenvolvimentistas dos governos autoritários. Enfrentando a censura e a falta de financiamento nacional, concebeu obras que questionavam a ideia do progresso propagandeada pela ditadura e mostravam a realidade do país, além de tensionarem os limites entre o documentário e a ficção.

Reunida pela primeira vez, a produção do cineasta feita nesse período é o tema da exposição que o IMS Paulista inaugura no próximo sábado (23 de março). Intitulada “Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985”, a mostra exibe trechos dos sete filmes dirigidos pelo cineasta no período, como “Iracema: uma Transa Amazônica” (1974), codireção de Orlando Senna, “Jari” (1979) e “Terceiro Milênio” (1980), dirigidos em parceria com Wolf Gauer. A seleção apresenta ainda fotografias e projeções em super-8 feitas por Bodanzky, que integram o acervo do IMS, entre outros materiais. A curadoria é de Thyago Nogueira, coordenador do departamento de fotografia contemporânea do IMS, com assistência de Horrana de Kássia Santoz e pesquisa de Ângelo Manjabosco e Mariana Baumgaertner.

No dia da abertura (23/3), às 11h, haverá um debate com Bodanzky e a equipe de curadoria. O evento tem entrada gratuita e interpretação em Libras. Em abril, o cinema do IMS Paulista exibe uma programação de filmes de Bodanzky, em diálogo com a exposição.

Nascido em São Paulo, em 1942, Bodanzky é filho de austríacos, que imigraram para o Brasil fugindo da perseguição nazista. Em 1964, ingressou na faculdade de arquitetura da Universidade de Brasília, onde conviveu com intelectuais e profissionais da fotografia e do cinema. Com o cerco da ditadura militar, em 1966, seguiu para a Alemanha, onde estudou na famosa Escola de Design de Ulm, sob orientação do cineasta Alexander Kluge. Em 1968, retornou para o Brasil e passou a fotografar para as revistas Manchete e Realidade, entre outras. Fez direção de fotografia para clássicos do cinema brasileiro, dirigidos por Maurice Capovilla, João Batista de Andrade e José Agrippino de Paula. Em 1971, estreou como diretor de cinema com o média-metragem “Caminhos de Valderez” (1971), codirigido com Hermano Penna. Nos anos seguintes, realizou inúmeros filmes.

A exposição no IMS apresenta o período em que Bodanzky consolidou sua linguagem visual, atuando na fotografia, na televisão e no cinema. No centro da exposição, quatro grandes telas de projeção exibem cenas dos principais filmes do cineasta feitos no período. As projeções criam diálogos entre as cenas para mostrar temas comuns, como as formas de exploração do trabalho, as lutas e resistências, a religiosidade e espiritualidade populares, e as distintas visões de progresso. Cada projeção tem cerca de 25 minutos.

O artista inovou o cinema brasileiro ao trabalhar com equipes pequenas, câmera na mão, som direto e poucos recursos. Entre os títulos incluídos, está “Iracema: uma Transa Amazônica” (1974), codireção de Orlando Senna, obra mais conhecida e premiada de Bodanzky. O longa-metragem narra a história de uma jovem mulher indígena, forçada à prostituição, e um caminhoneiro gaúcho, que vê na recém-construída rodovia Transamazônica sua chance de enriquecer. Para expor a violência do projeto desenvolvimentista da ditadura militar na Amazônia, sem atrair a atenção, a equipe de filmagem estacionava sua Kombi, improvisava a cena e corria. Apesar do grande sucesso internacional, o longa permaneceu censurado no Brasil até 1981.

São exibidas também cenas de “Gitirana” (1975), dirigido com Orlando Senna. O roteiro do filme se desenvolve a partir de várias histórias de cordel, todas entrelaçadas pela mesma personagem, cuja vida sofre uma drástica transformação ao ser forçada a deixar sua terra devido à construção da barragem em Sobradinho, na Bahia. Um dos filmes mais duros de Bodanzky, feito no ano da redemocratização, “Igreja dos Oprimidos” (1985), codireção de Helena Salem, denuncia a violência no campo através da atuação da Igreja Católica progressista e da Teologia da Libertação na luta por reforma agrária em Conceição do Araguaia (PA).

Em “Terceiro Milênio” (1980), Bodanzky acompanha o senador amazonense Evandro Carreira em uma viagem pelo rio Solimões durante sua campanha pelo governo do estado. Em diálogo com a estética do road movie, o filme, dirigido em parceria com Wolf Gauer, registra o deslocamento do político e sua interação com madeireiros, ribeirinhos e indígenas ao longo do percurso. A seleção inclui ainda o longa de ficção “Os Mucker” (1978), baseado em revolta histórica ocorrida no Rio Grande do Sul, “Jari” (1979), documentário dirigido com Wolf Gauer, que denuncia a destruição da Amazônia e a precarização dos trabalhadores no empreendimento do empresário americano Daniel Ludwig, e o média “Caminhos de Valderez” (1971), primeiro filme de Bodanzky.

Além das quatro telas de projeção, a mostra exibe trechos de filmes em que Bodanzky colaborou como diretor de fotografia, formando sua maneira de filmar e encarar o cinema, entre eles “Hitler IIIº Mundo” (1968), de José Agrippino de Paula, “Compasso de Espera” (1973), de Antunes Filho, e “O Profeta da Fome” (1970), de Maurice Capovilla.

Outro núcleo importante da mostra traz reportagens e programas institucionais feitos por Bodanzky para a tevê alemã, pouco conhecidos no Brasil. Estão incluídos um documentário feito com estudantes da Escola de Ulm sobre a repercussão do assassinato de Benno Ohnesorg durante protesto contra a visita do xá do Irã à Alemanha, em 1967; registros da detenção do grupo de teatro The Living Theatre no Brasil, em 1971; as associações culturais comunitárias no governo de Salvador Allende em 1971, pouco antes do golpe militar no Chile; e um filme que traça um paralelo entre a vida de dois operários da Volkswagen, um no Brasil e outro na Alemanha. No grupo de reportagens, é destaque um pequeno trecho mudo de uma entrevista com o general Hugo Banzer, pouco depois de ele tomar o governo da Bolívia através de um golpe de Estado, em 1971.

Desde 2013, o IMS preserva a obra fotográfica e os filmes super-8 de Bodanzky. Nas paredes da exposição, o visitante encontrará ainda fotografias feitas pelo artista nas décadas de 1960 e 1970, durante suas viagens pelo Brasil. Há imagens experimentais produzidas em Brasília, cenas de reportagens feitas para a revista Realidade e flagrantes do cotidiano do país. Na obra fotográfica, chama a atenção o uso do para-brisa de carros, aviões ou helicópteros para enquadrar a realidade, um recurso que sugere a formação do olhar narrativo e cinematográfico de Bodanzky.

Muitos de seus filmes super-8 também são apresentados pela primeira vez na exposição. Mudos e com rolos de curta duração, os super-8 eram usados na prospecção de locações e no exercício livre da linguagem fotográfica. A exposição reúne, por fim, entrevistas recentes com Bodanzky, as atrizes Edna de Cássia, do filme “Iracema”, e Valderez, de “Caminhos de Valderez”, além de análises de críticos como Claudia Mesquita, professora da UFMG, e do cineasta e historiador Joel Zito Araújo.

A mostra fica em cartaz até 28 de julho, com entrada gratuita. Um catálogo da exposição será lançado em breve. A programação da retrospectiva de filmes que será realizada em abril pode ser conferida em breve no site do IMS.

 

Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985
Abertura da exposição:
23 de março
Visitação: até 28 de julho
Local: IMS Paulista – Avenida Paulista, 2424, 6º andar – Entrada gratuita – Tel.: 11 2842-9120
Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.