Centenário dos astros Mastroianni e Marlon Brando é festejado com 8 filmes pela Cinemateca Brasileira
Foto: Marlon Brandon em “Uma Rua Chamada Pecado”, Elia Kazan
Por Maria do Rosário Caetano
Se vivos fossem, dois astros da era de ouro do cinema – o italiano Marcello Mastroianni e o norte-americano Marlon Brando – fariam 100 anos. Este, teria aniversariado no começo desse mês de abril. O alter-ego de Federico Fellini, festejaria seu centenário no próximo 28 de setembro.
Para evocar a memória de Mastroianni & Brando, a Cinemateca Brasileira selecionou oito filmes protagonizados por eles ao longo de suas vitoriosas carreiras. Os títulos escolhidos vão de obras-primas (“8½” e “A Noite”) a filmes menores (“Gabriela”, no caso do astro peninsular, e “Eles e Elas”, no caso de Brando).
Excelentes, bons ou medianos, os oito longas-metragens serão exibidos dessa quinta-feira, 18 de abril, até domingo, 21. Portanto, concentrados em parcos quatro dias.
Marcello Mastroianni (1924-1996) nasceu na comuna de Fontana Liri, na região italiana do Lazio. Tornou-se o mais conhecido dos atores de seu país e da Europa. Sua fama correria mundo, já que muitos dos 150 filmes em que atuou ao longo de seus 72 anos de vida foram exibidos em cinemas dos cinco continentes.
Para aumentar ainda mais sua fama, o astro de “Casanova e a Revolução” (ou “As Noites de Varennes”) foi casado com a atriz francesa Catherine Deneuve, mãe de sua filha, a também atriz Chiara Mastroianni. Juntos, os dois realizaram quatro filmes – um deles, a comédia “Um Homem em Estado… Interessante”, de Jacques Demy (1975), na qual Mastroianni engravida. Daí que, no titulo original — trocado pelo distribuidor brasileiro – ficamos sabendo tratar-se do “Acontecimento Mais Importante Depois que o Homem Pisou na Lua”. Ou seja, a gravidez masculina.
Apesar de ter atuado em muitos filmes comerciais e esquecíveis, o prestígio de Marcello Mastroianni não sofreu nenhum abalo incontornável. O que ficou para a posteridade foi o intérprete que integrou o elenco de “Os Eternos Desconhecidos” e “Os Companheiros”, ambos de Mário Monicelli, o das duas obras-primas de Fellini (“A Doce Vida” e “8 1/2”), o de Antonioni (“A Noite”), o de Mauro Bolognini (“O Belo Antônio”), o de Valério Zurlini (“Dois Destinos”) e o de Etore Scola (“Um Dia Muito Especial”).
Se a história do cinema fosse reduzida a poucas imagens – as mais icônicas –, Mastroianni teria lugar garantido por ter protagonizado com a sueca Anita Ekberg a antológica cena da Fontana de Trevi. Ela num esvoaçante longo tomara-que-caia negro, forrado com várias camadas de tule. Ele de terno, entrando (e encharcando-se) na água da fonte para satisfazer os caprichos da exuberante e sedutora diva.
O astro peninsular, avesso à adoção de “métodos de trabalho” (ao contrário de Marlon Brando, formado pelo Actor’s Studio e fiel seguidor do Método Stanislavski), confiava unicamente em sua intuição. E teve a sorte de trabalhar com alguns dos maiores nomes do cinema mundial (além dos conterrâneos Monicelli, Fellini, Antonioni, Visconti, Zurlini, Bolognini, Marco Ferreri e Scola, ele foi dirigido pelos internacionais Manoel de Oliveira, Roman Polanski, Theo Angelopoulos, Nikita Mikhalkov e Robert Altman).
Marlon Brando (1924- 2004), nascido em Omaha, no estado de Nebraska, atuou em dezenas de filmes ao longo de seus 80 anos de vida. Mas ao contrário de Mastroianni, um bon-vivant carismático e curtidor dos prazeres da vida (em especial da boa mesa), Brando gostava de viver em perigo, de desafiar regras.
Se Mastroianni amava estar com os amigos em torno de farta mesa de massas italianas, quem engordou muito e perdeu a beleza da juventude foi o norte-americano. Quando interpretou o soturno Coronel Kurtz, em “Apocalyse Now” (Coppola, 1979), o astro de outrora era um homem marcado por vida acidentada, casamentos desfeitos e filhos desajustados. Mas que legava à posteridade filmes importantes como os realizados com Elia Kazan, o “Queimada”, de Gillo Pontecorvo, “Julius Caesar”, recriação da peça homônima de Shakespeare, dirigida por Joseph L. Mankiewicz, e “O Pecado de Todos Nós”, de John Huston (nesse filme, em que atua ao lado de Liz Taylor, Brando interpreta o Major Penderton, um homossexual enrustido).
O ator de Omaha sempre gostou de gestos subversivos. Premiado com o Oscar de melhor ator (por “O Poderoso Chefão”) ausentou-se da festa da Academia de Hollywood e mandou uma jovem indígena representá-lo. Anos antes, no Governo de LBJ, substituto de John Kennedy, Brando foi à televisão divulgar e defender livro que trazia relatório “renegado” de comissão encarregada (pelo próprio Presidente Johnson) a estudar as causas das rebeliões negras que agitaram os EUA em 1967. Os povos originários e os afro-americanos sempre tiveram no ator um companheiro de lutas.
Desafiar convenções era algo que encantava o ativista estadunidense. Se não fosse assim, não teria protagonizado o transgressor “O Último Tango em Paris”, obra-prima de Bernardo Bertolucci. Filme que enriqueceria bastante a sintética mostra da Cinemateca Brasileira. Que venham outras, pois estes dois atores – Mastroianni e Brando – são dos maiores do cinema realizado no longo e conturbado século XX.
Mostra 100 Anos de Mastroianni e Brando (8 filmes)
Data: 18 a 21 de abril
Local: Cinemateca Brasileira – Sala Grande Otelo – Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Mariana – São Paulo/SP
Entrada franca: os ingressos devem ser retirados na sede da Cinemateca, uma hora antes do início da sessão
PROGRAMAÇÃO
Quinta-feira, 18 de abril:
19h30 – “Oito e Meio (“8½”, Itália, França, 1963, P&B, 139min, 14 anos). Direção: Federico Fellini. Com Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale, Anouk Aimée, Sandra Milo, Barbara Steele, Rosella Falk, Madeleine Lebeau – Para muitos, a obra máxima de Fellini. Ele vinha de uma série de sucessos — “A Estrada da Vida”, “Noites de Cabíria” (Palma de Ouro de melhor atriz para Giulietta Masina, sua esposa) e o revolucionário “A Doce Vida” (Palma de Ouro de melhor filme). Contava sete longas-metragens e um episódio em filme coletivo. Resolve, então, realizar uma autobiografia fantasmagórica, que revele sua crise criativa. Marcello Mastroianni, intérprete do jornalista-protagonista de “La Dolce Vita”, empresta sua beleza ao alter-ego de Fellini, o cineasta Guido Anselmi. Que parece não saber que rumos tomará o filme. Mergulhado em uma crise existencial e pressionado pelo produtor (Guido Alberdi), pela mulher, pela amante e pelos amigos, ele passa a misturar o passado com o presente, ficção com realidade. Tudo ao ritmo contagiante da trilha de Nino Rota, em final circense e antológico, que fascina gerações e gerações. O ator faria, ainda, com Fellini, os filmes “A Cidade das Mulheres” (1980), “Ginger e Fred” (1986) e “Entrevista” (1987).
Sexta-feira, 19 de abril:
19h00 – “O Selvagem” (“The Wild One”. EUA, 1953, P&B, 79min, 12 anos). Direção: László Benedek. Com Marlon Brando, Mary Murphy, Robert Keith, Lee Marvin, Jay C. Flippen. Um dos filmes que ajudaram a criar a “mística Brando”. Pauline Kael lembra que ele, Johnny, é interpretado por um Marlon Brando “em plena juventude magnética e com olhos suaves, o líder taciturno” da gangue de motociclistas. Os motoqueiros tomam de assalto uma pequena cidade durante uma corrida sobre duas rodas. Pressionados pela polícia, eles deixam o local e arrumam confusão com outra gangue numa cidade vizinha. O filme inspirou-se em fato real, ocorrido em Hallister, na Califórnia, em 1947, ano em que se deu o encontro de 4 mil motociclistas, os Rebeldes Negros (assim chamados pelo uso de jaquetas de couro pretas). Eles deixaram população da cidade pacata e conservadora com os nervos à flor da pele. Mas, no filme, o rebelde Johnny conhece uma moça compreensiva (Mary Murphy), abrindo espaço para uma história de amor.
20h45- “Um Dia Muito Especial” (“Una Giornata Particolare”, Itália, Canadá, 1977, cor, 106min, 12 anos). Direção: Ettore Scola. Com Marcello Mastroianni, Sophia Loren, John Vernon, Alessandra Mussolini. O melhor e mais belo filme do diretor e roteirista italiano. A trama se passa em Roma, no dia 6 de maio de 1938. A cidade celebra a visita de Adolph Hitler a Benito Mussolini. Num prédio romano, dois vizinhos bastante diferentes se conhecem: a dona de casa Antonietta (Sophia Loren), casada com um militante fascista e mãe de seis filhos, e o radialista gay Gabriele (Mastroianni). Gradativamente, os dois desenvolvem um tipo muito especial de amizade. Ver o astro peninsular, que fez milhares de fãs suspirarem extasiadas com sua beleza, interpretando um homossexual sem nenhum traço caricato, constitui experiência única. O ator dá um show, assim como sua partner, La Loren. Vale lembrar que, aqueles que acompanharam, com a devida atenção, a carreira de Mastroianni, o viram, em 1960, na pele do “Belo Antonio”, protagonista do filme de Mauro Bolognini (roteirizado por Pasolini, a partir do romance de Vitaliano Brancati). Antonio, jovem siciliano, deveria ser viril como o pai e alardear suas proezas sexuais. Mas, o Don Juan da Sicília católica e machista, quando está com mulheres “fáceis” ou de classe social humilde, é um garanhão. Mas não consegue, frente à pureza de sua noiva (Claudia Cardinale), consumar o ato sexual. Dois desempenhos (o “Belo Antonio” e o radialista Gabriele) que figuram entre os mais notáveis do astro italiano.
Sábado, 20 de abril:
16h00- “Eles e Elas” (Guys and Dolls, EUA, 1955, cor, 150min, 12 anos). Direção: Joseph L. Mankiewicz. Com Marlon Brando, Jean Simmons, Frank Sinatra, Vivian Blaine e grande elenco. Musical que não deve agradar aos admiradores de Brando, então no auge da beleza e do sucesso (tinha 31 anos). Também os fãs de “A Voz”, o cantor-ator Sinatra, hão de se incomodar. Durante duas horas e meia, Joseph Mankiewicz, irmão do roteirista de “Cidadão Kane”, Herman, recria peça que fizera sucesso na Broadway (“Guys and Dolls”). No submundo dos pequenos crimes, na cidade de Nova York, dois simpáticos marginais, Sky Masterson (Marlon Brando), jovem viciado em apostas, aceita o desafio proposto pelo velho jogador Nathan Detroit (Sinatra), este viciado no jogo de dados e apostador incurável. Para ganhar a grana em disputa, Sky terá que convencer a fanática religiosa Sarah Brown (Jean Simmons) a viajar com ele até Havana, capital cubana pré-revolucionária, para um jantar a dois. Missionária de grupo de pregadores que só pensa em recuperador pecadores, a jovem é dura na queda. Enquanto isto, Nathan continua na jogatina e enrola sua namorada, a dançarina interpretada por Vivian Blaine. Ela só pensa em contrair matrimônio com o amado Nathan e viver numa casinha de sonhos. Ele escorrega o mais que pode. Os números musicais são enormes e cansativos. A trama cor-de-rosa aplaina tudo. Problemas graves são solucionados em formato sessão da tarde. Um desperdício a presença de Brando, Sinatra e da bela Jean Simmons. Musical, convenhamos, não era a praia de Mankiewicz, nem dos dois atores.
18h45 – “Gabriela” (Brasil, Itália, EUA, 1983, cor, 99min, 16 anos). Direção: Bruno Barreto. Com Sônia Braga, Marcello Mastroianni, Antônio Cantafora, Paulo Goulart, Ricardo Petraglia, Nuno Leal Maia, Miriam Pires, Fernando Ramos da Silva, Chico Diaz, Nicole Puzzi. Fotografia de Carlo de Palma. Adaptação do romance “Gabriela Cravo e Canela”, de Jorge Amado, que oito anos antes dera origem a ótima telenovela na Rede Globo. Telenovela que apaixonara o país (e até o futuro presidente de Portugal, Mário Soares). A trama se passa no início do século XX, quando uma retirante chamada Gabriela (Sonia Braga, na TV e no filme) chega a Ilhéus, fugindo de uma das maiores secas da história nordestina. Com sua beleza e sensualidade, ela conquista a todos, especialmente Nacib (Armando Bógus, na TV, Mastroianni, no cinema), o proprietário do bar mais popular da cidade. Gabriela vai trabalhar para Nacib e os dois iniciam um relacionamento tão intenso que acabam se casando. Porém, tudo muda quando Gabriela o trai com o maior conquistador da cidade. O filme resultou em desastre comercial, se comparado com as duas produções anteriores protagonizadas por Sonia Braga (“Dona Flore”: 10,5 milhões de ingressos, e “Dama do Lotação”: 6,5 milhões). Condensado em apenas 102 minutos, o roteiro de Leopoldo Serran andou aos tropeções. A trama, muito conhecida dos brasileiros, não convenceu. Mesmo arrumando uma origem sírio-italiana para o Nacib de Mastroianni, não houve quem desse jeito.
20h45 – “A Noite” (La Notte, Itália/França, 1961, 122 min, p&b, 12 anos). Direção: Michelangelo Antonioni. Com Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau, Monica Vitti, Bernhard Wicki, Rosy Mazzacurati, Maria Pia Luzi, Guido A. Marsan. Um dos filmes, o segundo, da chamada “Trilogia da Incomunicabilidade” do mestre peninsular. No primeiro deles, “A Aventura” (1960), Gabriele Ferzetti interpreta o belo Sandro. No segundo, este “A Noite”, coube a Mastroianni dar vida a Giovanni. No terceiro, “O Eclipse” (1962), Alain Dellon interpretou o jovem e deslumbrante Piero, corretor da Bolsa de Valores. Em “A Noite”, Giovanni e Lidia (Jeanne Moreau) vivem o desgaste de casamento que já dura 10 anos. O relacionamento faz com que a comunicação entre os dois seja cada vez mais rarefeita. Durante uma festa em uma mansão, o casal precisa lidar com a deterioração romântica e social do matrimônio, enquanto confronta a alienação um do outro por meio dos círculos burgueses dolorosamente vazios da cidade.
Domingo, 21 de abril:
16h00 – “Sindicato de Ladrões” (On the Waterfront – EUA, 1954, P&B, 108min, 14 anos). Direção: Elia Kazan. Com Marlon Brando, Karl Malden, Lee J. Cobb, Rod Steiger, Pat Henning. Outro dos filmes que ajudaram a estabelecer a mística de Brando. Ele interpreta Terry Malloy, jovem que sonha com as glórias do boxe, mas foi convencido pelo corrupto mafioso Johnny Friendly, para quem trabalha, a perder uma luta. Quando Terry presencia um assassinato cometido pelos capangas do chefe, ele se sente responsável pelo crime.
18h30 – “Uma Rua Chamada Pecado” (“A Streetcar Named Desire”, EUA, 1951, P&B, 125min, 12 anos). Direção: Elia Kazan – Com Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter, Karl Malden. Baseado em peça teatral de Tennessee Williams. Blanche DuBois (Leigh), uma mulher frágil e neurótica, vai morar com sua irmã grávida, em Nova Orleans, já que, após seduzir um jovem de 17 anos, ela fora expulsa da sua cidade natal no Mississipi. Sua chegada afetará fortemente a vida da irmã, do cunhado (Stanley Kowalski – Marlon Brando) e a sua própria vida.