David di Donatello seleciona filmes de Marco Bellocchio, Nanni Moretti, Matteo Garrone e Alice Rohrwacher

Foto: “Rapto”, de Marco Bellocchio

Por Maria do Rosário Caetano

Muitos nomes famosos do cinema peninsular brilham na lista de finalistas ao Prêmio David di Donatello, o “Oscar italiano”, que será entregue em Roma, no próximo dia 3 de maio — o mestre Marco Bellocchio, o diretor-ator Nanni Moretti, a inquieta Alice Rohrwacher e o atrevido Matteo Garrone. Mesmo assim, o maior número de indicações coube ao filme “C’è Ancora Domani”,  que traz a assinatura de realizadora desconhecida entre nós, Paola Cortellesi.

Atriz bastante festejada em seu país de origem, ela conseguiu, já com seu primeiro longa-metragem como diretora e corroteirista, causar furor. Recebeu 19 indicações ao “David”, feito inédito para um filme de diretora estreante. Realizado em preto-e-branco como soma de drama, comédia e números musicais, “C’è Ancora Domani” chegou ao “Oscar italiano” como um legítimo blockbuster. Vendeu mais de cinco milhões de ingressos (exatos 5.534.127).  E isso no ano que se seguiu ao fim da pandemia. Portanto, naquele momento em que o mercado se reorganizava em ritmo lento e preocupante. Os cinéfilos brasileiros puderam ver “C’è Ancora Domani” no Festival de Cinema Italiano, ano passado.

Paola Cortellesi e seu badalado filme terão um rival poderoso a persegui-los – “Eu, Capitão”, de Matteo Garrone, que a Itália escolheu para representá-la no Oscar de melhor produção internacional e conquistou sua vaga entre os cinco finalistas.

O belo filme do diretor de “Gomorra” recebeu 15 indicações, seguido de “La Chimera”, de Alice Rorhwacher (com 13), “Rapto”, de Bellocchio (com 11), “Comandante”, de Edoardo de Angelis, protagonizado pelo astro Gianfrancesco Favino (com 10), e “O Melhor Está por Vir”, a deliciosa comédia de (e com) Nanni Moretti (7 indicações).

O novo filme de Marco Bellocchio (“Rapto”) nos obriga a perguntar: como é que um realizador, hoje octogenário, consegue dirigir, no crepúsculo de sua existência, filmes da grandeza de “Bom Dia, Noite”, sobre as Brigadas Vermelhas, e “Vincere”, o originalíssimo mergulho na vida e tempo de Mussolini, que desprezou sua amante (indo ela parar num sanatório)? Sem esquecer “O Traidor”, sobre o mafioso Buscetta, atuante também no Brasil, e o vigoroso “Noite Exterior”, de quatro horas que assistimos  sem sentir o tempo passar?

Pois, como os velhos vinhos guardados nos melhores tonéis, o mestre peninsular reafirma seus imensos valores. “Rapto” é mais um acerto de um maiores cineastas de nosso tempo. Ao narrar história verídica, acontecida no Oitocento italiano (tudo começa em 1858, no bairro judeu de Bolonha), Bellocchio nos coloca em contato com situação nunca vista. Um menino de sete anos, Edgardo Mortara, é arrancado do convívio de sua família (pais e seus oito irmãos) por autoridades papais.

E por que isso acontece? O que permite ao poder eclesiástico, à alta hierarquia da Igreja Católica, retirar uma criança de seu lar judeu? Tomá-la de seus pais, que dela zelam com carinho e todos os cuidados?

A resposta é espantosa: a babá da criança, vendo Edgardo adoentado, resolve, de moto próprio, levá-lo, escondido, a um templo, onde ele será batizado segundo as leis da Igreja Católica Apostólica Romana.

O batismo secreto será evocado pelos religiosos que irão, em nome do Papa, buscar o menino. Afinal, de acordo com a Lei Pontifícia, a criança que receber o sacramento do batismo numa pia da Santa Madre Igreja deverá ser educada dentro dos preceitos católicos. Ou será considerada um apóstata.

Este é o “rapto” que dá nome ao filme. Com a maestria que lhe é costumeira, Bellocchio constrói complexo painel do que se passou na Bolonha oitocentista. Um menino judeu foi educado como servo de Deus e da Igreja Católica, chegando a ascender na alta hierarquia desta instituição.

Trocar “Rapto” pelo blockbuster de Paola Cortellesi (“C’è Ancora Domani”) será um sacrilégio. Mas tudo é possível, pois há, na Itália, quem esteja festejando a presença de um “blockbuster autoral” dirigido por uma atriz, estreante no novo ofício, entre as principais categorias do David di Donatello.

“C’è Ancora Domani”, de Paola Cortellesi

Se o nome da protagonista-realizadora Paola Cortellesi não figura entre os cinco candidatos a melhor diretor, isso não quer dizer muita coisa, pois ela está na lista de candidatos a “melhor diretor estreante” (aliás, junto com outra atriz, a belíssima Micaela Ramazotti – lembram dela em “A Primeira Coisa Bela”, de Paolo Virzi, 2010)?

Matteo Garrone, sim, se triunfar sobre Marco Bellocchio, causará menos espanto, pois seu “Eu, Capitão”, prêmio de melhor direção no Festival de Veneza, é um filme muito especial. Ao narrar a saga de dois adolescentes que deixam sua terra de origem, o Senegal, rumo à Itália, como imigrantes clandestinos, Garrone caminha entre a fábula e o realismo. Duas sequências oníricas do filme têm espaço garantido em nossas memórias visuais.

O protagonista Seydoux Sarr, prêmio de ator revelação, também em Veneza, foi escolhido ao lado do amigo Moustapha Fall, para, junto a centenas de outros imigrantes, para cruzar o deserto e, depois, singrar o Mar Mediterrâneo. Os dois jovens africanos pretendiam ganhar a vida como cantores de rap.

Seydoux e Moussa mostrarão a difícil travessia empreendida pelos que saem das margens do Atlântico, África adentro, rumo ao Mediterrâneo, em busca de vida melhor num dos territórios de seus ex-colonizadores europeus. O final aberto de “Eu, Capitão” dá ao filme parte de sua grandeza. A trama termina com um happy end que, dialeticamente, nada tem de apaziguador. Os adolescentes conseguem fazer a travessia e um deles executará façanha que parecia impossível. Mas o que acontecerá quando pisarem o solo da Itália, país governado pela extrema-direita e, portanto, avesso a imigrantes, em especial, os vindos da África?

Na categoria documentário, o David di Donatello também selecionou nome de grande destaque no cinema pensinsular: Mario Martone. Ele dirige “Laggiù Qualcuno mi Ama” (“Lá Alguém me Ama”), que revê a trajetória do ator napolitano Massimo Troisi (1953-1994). O artista deixou seus conterrâneos de luto com sua morte prematura (aos 41 anos).

Pouco antes de morrer, Troisi protagonizou com Philippe Noiret, o longa britânico “O Carteiro e o Poeta”, que causou sensação na festa da Academia de Cinema de Hollywood, em 1994. Inspirado em texto do escritor chileno Antônio Skármeta, o filme de Michael Radford mostra Troisi na pele de Mario Ruopollo, humilde funcionário dos Correios, apaixonado por jovem ilhenha a quem não tem coragem de se declarar. Por isso, ele estabelece cumplicidade com Pablo Neruda (Noiret), esperando que os versos do poeta o ajudem a conquistar sua amada Beatrice (Maria Grazia Cuccionotta).

“Laggiù Qualcuno mi Ama”, o documentário de Martone, dura duas horas e oito minutos e é fruto da existência de dois napolitanos (o saudoso Troisi e o próprio Martone).  Para sair da Festa dos David di Donatello com uma estatueta na mão, o cineasta terá que derrotar quatro fortes candidatos – “Roma, Santa e Dannata”, de Daniele Cipri, “Enzo Jannacci – Vengo Anchi’o”, de Giorgio Verdelli, “Mur”, de Kasia Smutniak, e “Io Noi e Gaber”, de Riccardo Milani. Dois badalados documentários, colocados entre os 15 semifinalistas, não conseguiram vaga — “Umberto Eco e a Biblioteca do Mundo”, de Davide Ferrario, e “Fela Kuti, o meu Deus Vivente”, de Daniele Vicari.

Confira os finalistas:

Melhor filme

. “Rapto”, de Marco Bellocchio
. “Eu, Capitão”, de Matteo Garrone
. “O Melhor Está por Vir”, de Nanni Moretti
. “La Chimera”, de Alice Rorhwacher
. “C’è Ancora Domani”, de Paola Cortellesi

Melhor direção

. Marco Bellocchio (“Rapto”)
. Nanni Moretti (“O Melhor Está por Vir”)
. Alice Rorhwacher (“La Chimera”)
. Matteo Garrone (“Eu, Capitão”)
. Andrea Di Stefano (“L’Ultima Notte di Amore”)

Melhor diretor estreante

. Giacomo Abbruzzese (“Disco Boy”)
. Micaela Ramazzotti (“Felicità”)
. Michele Riondino (“Palazzina LAD”)
. Giuseppe Firello (“Stranizza d’Amuri”)
. Paola Cortellesi (“C’è Ancora Domani”)

Melhor documentário

. “Massimo Troisi – Laggiù Qualcuno mi Ama” (Lá Alguém me Ama”), de Mario Martone
. “Roma, Santa e Dannata”, de Daniele Cipri
. “Enzo Jannacci – Vengo Anchi’o”, de Giorgio Verdelli|
. “Mur”, de Kasia Smutniak
. “Io Noi e Gaber”, de Riccardo Milani

Prêmio da Juventude

. “Eu, Capitão”, de Matteo Garrone
. “Comandante”, de Edoardo De Angelis
. “Strenizza d’Amuri”, de Giuseppe Fiorello
. “C’è Ancora Domani”, de Paola Cortellesi
. “L’Ultima Volta Che Siamo Stati Bambino”, de Claudio Bisio

Melhor filme estrangeiro

. “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet (França)
. “As Bestas”, de Rodrigo Sorogoyen (Espanha)
. “Folhas de Outono”, de Aki Kaurismaki (Finlândia)
. “Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese (EUA)
. “Oppenheimer”, de Christopher Nolan (EUA)

Melhor atriz

. Barbara Ronchi (“Rapto”)
. Micaela Ramazotti (“Felicità”)
. Paola Cortellesi (“C’è Ancora Domani”)
. Linda Caridi (“L’Ultima Notte di Amore”)
. Isabella Ragonese (“Come Pecore in Mezzo ai Lupi”)

Melhor ator

. Pierfrancesco Favino (“Comandante”)
. Antonio Albanese (“Cento Domeniche”)
. Josh O’Connor (“La Chimera”)
. Michele Riondino (“Palazzina LAF”)
. Valério Mastrandea (C’è Ancora Domani”)

Melhor atriz coadjuvante

. Barbara Bobulova (“O Melhor está Por Vir”)
. Alba Rohrwacher (“La Chimera”)
. Isabella Rossellini (“La Chimera”)
. Emanuela Fanellli (“C’è Ancora Domani”)
. Romana Magiora Vergano (“C’è Ancora Domani”)

Melhor ator coadjuvante

. Adriano Giannini (“Adagio”)
. Silvio Orlando (“O Melhor Está Por Vir”)
. Elio Germano (“Palazzina LAF”)
. Giorgio Colangeli (“C’è Ancora Domani”)
. Vinicio Marchioni (“C’è Ancora Domani”)

Melhor produtor

. Giulia Achilli, Marco Alessi, Lionel Massol, Pauline Selgland e André Logle (“Disco Boy”)
. Archimede, Ray Cinema, Pathé, Tarantula (“Eu, Capitão”)
. Carlo Cresto, Dina e Rai Cinema (“La Chimera”)
. Giuliano, Cima, Calori, Prestieri (Indigo Film) + Verga & De Angelis (O’Groove) + Paolo Del Brocco (RAI Cinema) + De Razza (Tramp) Miyakawa (Wise Pictures) – (“Comandante”)
. Mario Glanani e Lorenzo Gangarossa, por Wildside-Fremantle + Vision Distribuidora-Sky + Netflix (“C’è Ancora Domani”)

Melhor roteiro original

. Alice Rohrwacher (“La Chimera”)
. Francesca Marciano, Nanni Moretti, Federica Pontremoli e Valia Santella (“O Melhor Está Por Vir”)
. Matteo Garrone, Massimo Gaudioso, Massimo Ceccherine e Andrea Tagliaferri (“Eu Capitão”)
. Maurizio Braucci e Michele Riondino (“Palazzina LAF”)
. Furio Andreotti, Giulia Calenda e Paola Cortellesi (“C’è Ancora Domani”)

Melhor roteiro adaptado

. Marco Bellocchio e Susanna Nicchiarelli (“Rapto”)
. Armando Festa e Sydney Sibilla (“Mixed by Erry”)
. Giorgio Dirittio Valla (“Lubo”)
. Pietro Marcello, Maurizio Braucci e Maud Ameline (“Le Vele Scarlatte”)
. Emma Dante, Elena Stancanelli e Giorgio Vasta (“Misericordia”)

Melhor fotografia

. Paolo Carnera (“Eu, Capitão”)
. Hélène Louvart (“La Chimera”)
. Francesco Di Giacomo (”Rapto”)
. Ferran Paredes Rubio (“Comandante”)
. Davide Leone (“C’è Ancora Domani”)

Melhor montagem

. Francesca Calvelli e Stéfano Mariotti (“Rapto”)
. Nelly Quettier (“La Chimera”)
. Marco Spoletini (“Eu Capitão”)
. Giogio’ Franchini (“L’Ultima Noche di Amore”)
. Valentina Mariani (“C’è Ancora Domani”)

Melhor trilha sonora

. Subsônica (“Adagio”)
. Franco Piersanti (“O Melhor Está Por Vir”)
. Andrea Farri (“Eu, Capitão”)
. Santi Pulvirenti (“L’Ultima Notte di Amore”)
. Lele Marcchtitelli (“C’è Ancora Domani”)

Melhor canção

. “Baby” (“Eu, Capitão”)
. “Adagio” (“Adagio”)
. “O DJ (Don’t Give Up”) – (“Mixed by Erry”)
. “La Mia Terra” (“Palazzina LAF”)
. “La Vita Com’è” (“Il Più Bel Secolo della Mia Vita”)

Melhor direção de arte

. Andrea Castorina e Valeria Vecellio (“Rapto”)
. Dimitri Capuani e Roberta Troncarelli (“Eu Capitão”)
. Emita Frigato e Rachele Meliadò (“La Chimera”)
. Carmine Guarino e Iole Autero (“Comandante”)
. Paola Comencini e Fiorella Cicolini (“C’è Ancora Domani”)

Melhor figurino

. Sergio Ballo e Daria Calvelli (“Rapto”)
. Alberto Moretti (“C’è Ancora Domani”)
. Stefano Ciammitti (“Eu, Capitão”)
. Loredana Buscemi (“La Chimera”)
. Massimo Cantini Parrini (“Comandante”)

Melhor Som

. “O Melhor Está Por Vir”
. “Eu, Capitão”
. “Comandante”
. “A Chimera”
. “C’è Ancora Domani”

Melhores Efeitos Especiais

. “Rapto”
. “Eu, Capitão”
. “Comandante”
. “Adagio”
. “Denti da Squalo”

Melhor trucagem/make-up

. Enrico Iacoponi (“Rapto”)
. Paola Gattabrusi e Lorenzo Tamburini (“Comandante”)
. Dalia Colli e Roberta Martorini (“Eu, Capitão”)
. Ermanno Spera (“C’è Ancora Domani”)
. Michele Salgaro, Francesca Galafassi, Antonello Resch e Lorenzo Tamburini (“Adagio”)

Melhor cabelo/penteados

. Alberta Giuliani (“Rapto”)
. Daniela Tartari (“La Chimera”)
. Massimo Gattabrusi (“Comandante”)
. Stefano Ciammitti e Dalia Colli (“Eu, Capitão”)
. Teresa Di Serio (“C’è Ancora Domani”)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.