“Guerra Civil”, road movie de ação, reúne jornalistas viciados em conflitos bélicos

Por Maria do Rosário Caetano

“Guerra Civil”, road movie de pura ação bélica, com Wagner Moura e Kirsten Dunst à frente do elenco, chega aos cinemas brasileiros nessa quinta-feira, 18 de abril, depois de estreia bombástica em 3.838 salas nos EUA. Lançado em outros 16 mercados internacionais, o filme rendeu, em seu primeiro final de semana, 30 milhões de dólares (dados do boletim Filme B).

Produzido pela descoladíssima A24, empresa ‘papa-Oscar’ que trilha caminhos similares às da outrora poderosa Miramax, o longa se propõe a ser um blockbuster como um quê de autoral. Um “tanque”, como dizem os argentinos, com algo que vá, um pouco que seja, além das explosões e efeitos especiais.

O filme consumiu 50 milhões de dólares em sua feitura, tornando-se a mais cara e ambiciosa produção da A24 (a mesma do oscarizado-bobagem “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”).

O diretor de “Guerra Civil” é o londrino Alex Garland, de 53 anos, escritor e roteirista, colaborador de Danny Boyle, para quem escreveu o roteiro de “A Praia” (1999), protagonizado por Leonardo DiCaprio. Depois, ele se tornaria diretor e faria filmes como “Ex-Machina” e “Aniquilação”, e séries, como “Devs”.

A guerra acompanhada pelos protagonistas Wagner Moura e Kirsten Dunst tem pouco (quase nada) a ver com a Guerra Civil Americana (ou Guerra da Secessão, de 1861-1865), que antagonizou Confederados (do Sul escravagista) e Yankees (do Norte progressista). A trama urdida por Alex Garland se situa num futuro próximo e não tem o fim da Escravidão como objetivo. O clima é de distopia e o perfil dos antagonistas não se desenha com clareza. Só percebemos que o extremismo dá as cartas.

No confronto bélico estão as WF (Western Forces) versus a Aliança da Flórida. A WF reúne a Califórnia e o Texas, dois dos mais importantes entre os 50 estados que compõem a federação estadunidense. Na bandeira carregada nos campos de batalha, ao invés de 50 estrelas, só contamos duas: a californiana e a texana.

No polo oposto está a Aliança da Flórida, representante de um difuso Sul conservador, cuja capital é Charlottesville, cidade que abriga grupos supremacistas brancos. Aliás, um deles é liderado pelo personagem interpretado por Jesse Plemons (de “Ataque dos Cães”, marido de Kirsten Dunst na vida real). Ele protagonizará sequência de arrepiar.

Os quatro jornalistas deparam-se, na imensa estrada que os levará a Washington, com dois “war junkies” (viciados em guerra), norte-americanos de origem asiática, em seu carro alucinado. Eles querem mais, muito mais, adrenalina que a oferecida pela guerra civil. Andam pela highway como se estivessem numa pista de Fórmula 1.

Um dos carros será detido pela “milícia” de Plemons. Para tentar resolver a encrenca, Joel (Wagner Moura) e Lee (Kirsten Dunst) descem de seu utilitário. O que acontecerá, depois de interrogatório sumário do supremacista branco — ele quer saber quem, ali, é mesmo norte-americano e não imigrante — será fundamental para o desenrolar do rocambolesco roteiro de Alex Garland. A jovem Jessie (Caillee Spaeny) descerá ao purgatório (ou ao inferno, dependendo do ponto-de-vista) por causa da inesperada reação do colega afro-americano.

Embora a trama política do filme seja mais intrincada que ideograma chinês (como dissera Nelson Rodrigues a respeito do “Terra em Transe” glauberiano), o grande público vai delirar com “Guerra Civil”. As cenas mais “calmas” (se é que podemos usar esse qualificativo) se dão dentro do utilitário, que transporta os quatro improváveis jornalistas-viajantes (ao volante, se revezam Joel e Lee).

É na estrada, em meio à futurista Guerra Civil, que o quarteto se conformará. Joel, um jornalista de discreta origem latina (vide seu bigodinho!), resolve partir, com a premiadíssima fotógrafa Lee e com o veterano Sammy, colaborador do New York Times, em viagem de Nova York até a capital do país, Washington.

Beberrão, irônico e “war junkie” (“meu personagem é ‘viciado em guerra’, disse o próprio Wagner ao jornal O Globo), Joel conhece a novata Jessie (Cailee Spaeny, intérprete da esposa de Elvis Presley no filme “Priscilla”, de Sophia Coppola) e resolve agregá-la ao grupo. Como a moça tem cara de pré-adolescente, a veterana Lee se revolta. Ao saber que a “menina” tem 24 anos e nutre grande admiração por suas fotografias (distribuídas pela mítica agência Magnum), acabará cedendo.

A Joe e Lee já havia se juntado o afro-americano Sammy (o ótimo Stephen McKinley Hunderson), septuagenário e gordo (por isso incapaz de correr do perigo), mas dono de grande sabedoria e muito experiente. O quarteto trocará — em conversas descoladas — ideias genéricas, críticas ao presidente dos States, evocará lembranças, recorrerá a ironias. E estabelecerá fortes relações afetivas, profissionais e de respeito mútuo. Até a jovem Jessie, com sua cara de ninfeta, acabará se revelando uma fotógrafa das mais intrépidas e talentosas.

A guerra prosseguirá com o uso de aparatos bélicos destruidores. O grupo rebelde continuará lutando com todas as suas forças para derrubar o presidente dos EUA, nação que contra-ataca com seu poderio armamentista de última geração. A população civil sofrerá as consequências mas haverá quem faça questão de ignorar o que se passa (como vemos na hilária sequência da butique que margeia a highway). Há campos de refugiados e vive-se clima de caos e inflação altíssima. A ponto do dólar canadense valer infinitamente mais que a moeda norte-americana (prestem atenção em sequência ambientada num posto de gasolina, onde o quarteto de jornalistas tenta encher o tanque e dois galões de reserva).

O presidente dos EUA é interpretado pelo wasp Nick Offerman. Ele cumpre seu terceiro mandado (algo impossível pelas leis atuais norte-americanas), deu cabo ao FBI e à Polícia Federal e não vacila em mandar bala sobre cidadãos norte-americanos que ousem questionar seu poder. Um dos jornalistas do filme, o sensato Sammy, chega a compará-lo a Mussolini e Ceausescu.

O quarteto improvável seguirá em frente. Diz-se que as duas últimas “guerras justas” da humanidade foram a Civil Espanhola (1936-39), quando os Republicanos enfrentaram as falanges fascistas de Franco, e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945, aquela em que os Aliados derrotaram o nazi-fascismo germânico-italiano-japonês). Nestes dois conflitos, havia ideais em jogo, causas nobres e mobilizadoras.

No filme de Alex Garland, desprovido de utopias, o que conta são a adrenalina, as explosões, o ritmo frenético. O espaço para reflexão é mínimo. Os ideais de Joel parecem se resumir à obtenção de umas “aspas” do presidente. Ele desejava entrevistá-lo. Se não desse, valeria – contenta-se o cínico jornalista – quantia reduzida de palavras. Desde que destinadas a ele. Palavras que seriam valorizadas em sua reportagem sobre os derradeiros momentos de um eleito para o comando da Casa Branca.

Só num ponto o filme é valioso. Nele há espaço para jornalistas de origem latina e afro-americana (caso de Joel e de Sammy) e para os adrenalinados asiáticos. Não vemos os louros anglo-saxões dizimando povos do Terceiro Mundo. A pele clara de Kirsten Dunst e Cailee Spaeny não faz delas super-heroínas. Os quatro jornalistas que enfrentam a estrada em busca de imagens e fatos são feitos de carne-e-osso. O que, para um blockbuster bélico, admitamos, significa algo realmente notável.

 

Guerra Civil
Civil War, EUA, 2024, 109 minutos
Direção e roteiro: Alex Garland
Elenco: Wagner Moura, Kirsten Dunst, Stephen McKinley Hunderson, Cailee Spaeny, Jesse Plemons, Nick Offerman, Juani Feliz, Jin Ha, Nelson Lee, Tawan Vhokratana, Tywaun Tornes, Alexa Mansour, Edmond Donovan e Sonoya Mizuno.
Fotografia: Rob Hardy
Produção: A24
Distribuição: Diamond Brasil

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