“Saudade Fez Morada Aqui Dentro” abre 50ª edição do Festival Sesc, o mais antigo de São Paulo

Por Maria do Rosário Caetano

O Festival Sesc de Melhores Filmes realiza a partir dessa quarta-feira, 3 de abril, sua quinquagésima edição. Só os longas-metragens do Núcleo Histórico são previamente conhecidos. Os filmes contemporâneos — tanto os brasileiros, quanto os internacionais — só serão revelados durante a noite de premiação, que será comandada pelo ator Fabrício Boliveira.

Apenas dois títulos recentes foram antecipados, o luso-brasileiro “Mato Seco em Chamas”, de Joana Pimenta e Adirley Queirós, e o norte-americano “Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese. A meia centena de filmes eleitos pela Crítica e pelo Público, que avaliaram 396 produções, estará registrada (com sinopse e ficha técnica) no ilustrado e imprescindível catálogo, que o CineSesc organiza e edita há cinco décadas.

Os 50 anos de existência do Festival Sesc respaldam a mais antiga e duradoura das festas cinematográficas de São Paulo. Vale lembrar, ainda, que o evento é o terceiro mais resistente do país, depois do Festival de Brasília, criado em 1965, com 56 edições realizadas, e do Festival de Gramado, lançado em 1973 (51 edições).

Para enriquecer a noite de entrega do Prêmio Sesc aos melhores do cinema brasileiro e internacional foi programado o longa baiano “Saudade Fez Morada Aqui Dentro” (foto), de Haroldo Borges. Um filme encantador e verdadeiro papa-prêmios. Realizado com elenco desconhecido e baixo orçamento, na região de Poço Fundo, no sertão da Bahia, o segundo longa-metragem de Borges (o primeiro foi “Filho de Boi”) iniciou sua trajetória já causando sensação num festival internacional — o de Mar del Plata, na Argentina. Desde 1970, quando “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, triunfou no mais badalado festival do país vizinho, que o cinema brasileiro não conquistava o prêmio máximo do certame. Portanto, o filme da black Bahia, protagonizado por um adolescente, que vai perdendo a visão, quebrou jejum de 52 anos.

O sucesso de “Saudade Fez Morada Aqui Dentro” foi materializando-se em sucessivas competições brasileiras. Primeiro no Festival do Rio. Sagrou-se vencedor da Mostra Novos Rumos, destinada a filmes inovadores. Na Mostra SP, semanas depois, conquistou os prêmios da plataforma Netflix, que lhe garantiu exibição digital em 190 territórios, e do Paradiso, este com verba para sua comercialização. Na Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, o filme conquistou o Prêmio da Crítica. No Festival Aruanda, na Paraíba, foi celebrado com cinco troféus, incluindo o de melhor filme (pelo júri oficial e pela crítica).

“Saudade” é, realmente, um filme irresistível. Bruno Jefferson, garoto sertanejo, interpreta o adolescente Bruno. Ele vive, em angustiante compasso de espera, o drama da perda da visão, diagnosticada por médica da cidade grande. Na companhia do irmão mais novo, Rony (Ronnaldy Gomes) e da mãe Wilma (Wilma Macedo), Bruno vai vivenciando seus modestos dias. Os atores carregam os próprios prenomes. Sem experiência prévia (só Wilma, oriunda do circo, participou, como ela mesma, do longa documental “Jonas e o Circo sem Lona”, de Paula Gomes/2015), os três foram preparados pela coach Fátima Toledo (de “Pixote, a Lei do Mais Fraco”).

O resultado é surpreendente, pois o elenco rende de forma admirável. Os críticos do método Toledão (assim Borges, ex-aluno e admirador juramentado de Fátima Toledo chama sua parceira), terão que se dobrar (pelo menos neste caso).

O cineasta baiano trabalhou com “Toledão” em suas duas ficções e, enquanto escalar atores naturais, garante que buscará a retaguarda da colega. Quem não viu o filme em suas múltiplas pré-estreias festivaleiras, deve ficar atento à mais bela de suas sequências. Aquela em que, depois de brigar com amiga muito querida, Bruno, já praticamente cego (e, acidentalmente sem sua bengala), se vê abandonado em formação geológica das mais íngremes. E mais: será surpreendido por rebanho de cabras (sem pastor). A banda sonora do filme é de arrepiar.

O festejado longa de Haroldo Borges será exibido depois da entrega do Troféu Sesc a produtores, diretores, atores, roteiristas e diretores do fotografia (todos brasileiros). Haverá, também, prêmios em categorias mais reduzidas para a produção internacional. Serão laureados aqueles escolhidos pela Crítica e pelo Público como os melhores dos filmes lançados no circuito comercial paulistano ao longo de 2023.

A festa deverá, como acontece historicamente, lotar o CineSesc. Serão distribuídos ingressos gratuitos aos espectadores que primeiro chegarem ao cinema da Rua Augusta, uma hora antes da sessão. A partir dessa quinta-feira, 4 de abril (e até o dia 24) serão apresentados 52 filmes. Parte dos selecionados será exibida no Sesc Cinema em Casa, projeto digital do Sesc São Paulo. E, como faz parte da tradição do evento, haverá um Núcleo Histórico dedicado a filmes do passado, que dialogarão com o cinema do presente. E, também, encontros e atividades com realizadores e pensadores do cinema.

Dez filmes que marcaram a história do cinema brasileiro serão relembrados e exibidos no CineSesc. Entre eles estão “A Herança”, adaptação sertaneja de “Hamlet”, comandada pelo cineasta Ozualdo Candeias, “Pixote”, o clássico de Hector Babenco, e “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral, que recriou obra de Clarice Lispector e revelou, com um Urso de Prata, sua atriz-protagonista, a paraibana Marcélia Cartaxo. Todos os títulos selecionados serão apresentados em cópias restauradas.

A atriz Zezé Motta será homenageada, no dia 17 de abril (20h30), pelo Prêmio Sesc Ano 50, por sua carreira que já dura quase seis décadas. Ela assistirá, junto com o público, ao filme “Xica da Silva” (Carlos Diegues, 1975).

A memória do cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014) será lembrada no dia 10, com a exibição de “Jogo de Cena” e “Cabra Marcado pra Morrer”. Este filme se fará acompanhar do curta-metragem “Eu Fui Assistente de Direção do Eduardo Coutinho”, de Allan Ribeiro, premiado na Mostra Tiradentes de 2024.

No campo do filme estrangeiro, o Núcleo Histórico oferecerá três títulos que merecem ser revistos, tão grandes são suas qualidades – “Mephisto”, do húngaro István Szabó (1981), com Klaus Maria Brandauer em estado de iluminação; “As Invasões Bárbaras” (2003), o melhor longa do canadense Denys Arcand (2007), e o alemão “A Vida dos Outros” (2007), de Florian Henckel von Donnersmarck.

DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO

Quatro pré-estreias:

. “Seu Cavalcanti”, de Leonardo Lacca (dia 4, às 20h30)
. “A Flor do Buriti”, de João Salaviza e Renée Nader Messora (dia 11, às 20h30)
. “Estranho Caminho”, de Guto Parente (dia 18, às 20h30)
. “A Batalha da Rua Maria Antonia”, de Vera Egito (dia 24, às 20h30)

Faixa Histórica:

. “A Herança” (1970), de Ozualdo Candeias
. “Xica da Silva”, de Carlos Diegues (1975)
. “Pixote, a Lei do Mais Fraco” (1980), de Hector Babenco
. “A Hora da Estrela” (1985), de Suzana Amaral.
. “Cabra Marcado pra Morrer” (1985), de Eduardo Coutinho
. “Jogo de Cena” (2007), de Eduardo Coutinho

Cineclubinho (aos domingos, às 15h00):

. “Wonka” (dia 7)
. “Perlimps!”, de Alê Abreu (dia 14)
. “Elementos” (dia 21)

Homenagem a Eduardo Coutinho (dia 10 de abril):

. “Jogo de Cena” (2007), às 18h00
. “Cabra Marcado pra Morrer” (1985), às 20h30. Complemento: “Eu Fui Assistente de Direção do Eduardo Coutinho”, de Allan Ribeiro (curta-metragem, 2024).

Atividades Formativas:

. Aula especial com Adirley Queirós, um dos diretores de “Mato Seco em Chamas”
. “Conversas”, encontro realizado no saguão do CineSesc, debaterá dois temas – “Ética no Set” e “Cinema em Tempos de Inteligência Artificial” – além de homenagear a memória do documentarista Eduardo Coutinho (“Dez Anos Sem Coutinho”)

Plataforma Sesc Digital:

. Serão disponibilizados, gratuitamente, nove títulos. Seis deles estiveram entre os mais votados dos últimos anos, os outros são três clássicos premiados em edições anteriores: “Mephisto”, “As Invasões Bárbaras” e “A Vida dos Outros”

 

Festival Sesc de Melhores Filmes – Edição Número 50
Data: 3 a 24 de abril
Os ingressos para as sessões terão valor único de R$10,00. Já as exibições da Faixa Histórica, Cine Clubinho e Sessões Especiais, assim como debates e conversas, serão gratuitas. Retirada de ingresso uma hora antes, na bilheteria do CineSesc (Rua Augusta, 2075). As “Sessões com Acessibilidade”, que serão em grande número, contarão com tecnologia CineAssista, por meio de um equipamento fornecido gratuitamente. O público poderá, ainda, utilizar aplicativos como MovieReading e Mobi Load, disponíveis nas versões Android e iOS, em seus próprios aparelhos celulares.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.