Documentário faz reconstrução poética e política da vida do jornalista Eloy Gallotti
Foto: Novembrada © Dario de Almeida Prado
A partir de uma carta que chega a seu destino quase 50 anos depois, Heitor Caramez, filho do jornalista Eloy Gallotti, procura investigar quem foi a figura do seu pai. Essa é a história do documentário “Meu Caro Michel”, que terá pré-estreia no Rio de Janeiro, dia 16/05, às 19h30, no Cine Joia, e no dia 17, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, com sessões gratuitas seguidas de debate com o diretor Heitor Caramez.
Através de uma montagem poética com as cartas, diários, poemas e jornais deixados por Eloy, que nasceu no Rio de Janeiro, entrevistas com familiares, amigos e colegas de jornalismo, imagens de arquivo e animações, o filme conta a sua história, apresentando também um panorama das suas visões políticas inseridas no embate à ditadura militar e a produção em Florianópolis do jornal independente Afinal, no começo dos anos 1980.
“Meu Caro Michel” é uma produção da Lua Filmes e Vedere Marketing, e um projeto contemplado pelo Prêmio Catarinense de Cinema 2020, executado com recursos do Estado de Santa Catarina, por meio da Fundação Catarinense de Cultura, e tem apoio técnico do NPD/IFSC Campus Florianópolis.
Eloy Gallotti (Rio de Janeiro, 1952 – Florianópolis, 1999), falecido quando Heitor tinha 12 anos, teve uma trajetória intensa nos movimentos estudantis, como professor, ativista da contracultura e jornalista. Foi membro do jornal Afinal, tabloide editado em Florianópolis, entre 1980 e 1983, e ícone da imprensa alternativa, representando um papel semelhante em Santa Catarina ao jornal Pasquim em âmbito nacional. Foi criado a partir da demissão coletiva dos seus membros do jornal O Estado, após a cobertura da Novembrada, episódio de confronto popular com o presidente João Figueiredo em Florianópolis, em 1979. Mais tarde, jornalistas do Afinal foram denunciados com base na Lei de Segurança Nacional e, civis, julgados por um tribunal militar, tendo sido absolvidos da acusação de propaganda adversa.
O filme parte da busca a Michel Misse, sociólogo, amigo de Gallotti e colega do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, para quem ele escreveu a carta que nunca havia sido entregue. Entrevista amigos do tempo da universidade, pessoas que foram duramente atingidas pela ditadura no Rio de Janeiro e mantiveram um círculo de amizade de quase cinco décadas, passa pelo autoexílio de Eloy na França, o retorno ao Brasil, a vida em Florianópolis, a Novembrada, o jornal e as agitações culturais nos bares, incluindo o Ceca – Centro Etílico, Cultural e Artístico e uma viagem à China, em 1987. Ele também fez parte da realização do julgamento Cem Anos Humilhação, na UFSC, em 1995, sobre a mudança do nome da cidade, que homenageia o marechal Floriano Peixoto (1891-1894), segundo presidente do Brasil, responsável pelo massacre de 187 opositores na Ilha de Anhatomirim.
Para essa reconstrução da multiplicidade da vida de Eloy foram feitas 30 entrevistas, resultando em mais de 40 horas de filmagem. Entre os entrevistados do Rio do Janeiro estão o cientista social e jornalista Evandro Vieira Ouriques, o jornalista Flávio Espedito Carvalho e o arquiteto e músico Francisco Giannattazio Neto (Lord K). A pesquisa incluiu buscas em inúmeros acervos, como os do Serviço Nacional de Informações – SNI, no Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, já que todos os membros do Afinal e amigos em comum foram vigiados e fichados durante anos.
O documentário preenche ainda uma lacuna nos registros do que foi a ditadura militar em Santa Catarina. O filme cita nomes de referência da imprensa catarinense, como o chargista Bonson, do jornal O Estado, com a animação de uma de suas charges. A foto do cartaz é do jornalista, fotógrafo e historiador Celso Martins e as fotos da cobertura da Novembrada são de Dario de Almeida Prado. A produção também realizou uma das últimas entrevistas com o jornalista Carlos Damião, antes de seu falecimento em 2022. “Meu caro Michel” se completa com cenas ficcionais dessa busca e constitui uma homenagem afetiva e política de Heitor a seu pai, com quem ele conviveu por poucos anos.