FAM premia “Black Power”, “Aldo Baldin”, “Movimentos Migratórios” e “Gauchito Gil”

Foto © Daniel Guillamet

Por Maria do Rosário Caetano, de Florianópolis (SC)

Brasil e Argentina dividiram os principais prêmios da vigésima-oitava edição do Festival Florianópolis Audiovisual Mercosul, o FAM, encerrado na noite da última quarta-feira, 11 de setembro, com exibição de cinco curtas produzidos ao longo de 100 horas ininterruptas do Rally Panvision. Uma maratona audiovisual que mobilizou 30 alunos vindos de sete países sul-americanos.

O Brasil triunfou na categoria melhor longa-metragem latino-americano com o documentário “Black Rio! Black Power!”, do carioca Emílio Domingos, com “Aldo Baldin – Uma Vida pela Música”, do catarinense Yves Goulart, escolhido pelo júri popular, e com o ótimo curta baiano “Movimentos Migratórios”, de Rogério Cathalá, esnobado pelo júri oficial do Festival de Gramado, mas que, no FAM, fez barba, cabelo e bigode.

A tocante história de um imigrante peruano que encontra, na Salvador do poeta Castro Alves, uma andorinha com a asa quebrada (tudo fará para salvá-la), ganhou o Troféu Panvision de melhor filme, o Troféu Canal Brasil, acompanhado de R$15 mil e exibição garantida na telinha da emissora, e menção honrosa da Recam. Que vem a ser uma Rede de Autoridades Latino-Americanas para o Audiovisual, instituição empenhada em difundir filmes hispano e luso-americanos em seus países-membros.

A Argentina triunfou no segmento Working in Progress (filmes em finalização), com o cativante “Muña Muña” (“A Flor do Amor”), de Paula Morel Kristof; com “Gauchito Gil”, videoclipe de Nacho Rocha e Florência Calcanhoto, tributo a “santo popular” da gente das zonas rurais e cidades missioneiras, e com prêmio especial para a septuagenária atriz Mirta Busnelli, protagonista absoluta do fascinante “La Estrella que Perdí”, de Luz Orlando Brennan. O júri, porém, ficou devendo um prêmio ao longa oriundo também da Argentina missioneira, “Por Tu Bien”, de Axel Monsú.

Registre-se aqui, que, ao contrário da maioria dos 400 festivais brasileiros — 100 deles associados ao Fórum dos Festivais, agora presidido por Josiane Osório —, o FAM não promove “reforma agrária de troféus”. Pauta-se por severa economia de láureas.

Os júris “do festival de todos os fãs” só podem escolher o melhor filme. E, em caso excepcional, será autorizado a atribuir um Prêmio Especial. O terceiro troféu será fruto de escolha do público (júri popular). Assim sendo, categorias importantes como direção, ator-atriz, roteiro e fotografia são ignorados na mostra principal (e nas secundárias). Havia seis longas latino-americanos na competição e todos na faixa do bom ao ótimo (cinco ficções e um documentário).

O cinema catarinense contou com sua mostra regional. O vencedor foi “O que Fica”, de Fabiane Bardemaker e Daniel Edu Mayer, produzido nos municípios de Chapecó e Cunha Porã. O filme foi, sem dúvida, o melhor entre os seis concorrentes. A dupla de realizadores registra, com sensibilidade, as ruínas de escola rural abandonada por falta de alunos, já que processo migratório avassalador tomou conta do país nas últimas décadas. E Santa Catarina seguiu pelo mesmo caminho.

Além do tema relevante, os realizadores de “O que Fica” souberam captar a atmosfera de abandono e desolação daqueles – tão bem –representados pela memória de uma mulher — que passaram pela escola primária transformada em escombros fantasmagóricos.

O cinema de animação fez bonito no FAM. O curta colombiano “Luthier”, de Carlos González Pénagos, é encantador. Nos Andes, um fabricante de instrumentos artesanais busca mágica conexão entre a natureza e os sons musicais. O luthier sonha com a criação de instrumento capaz de fazer reviver o último condor vermelho, ave-símbolo das montanhas andinas.

A Recam, generosa nas menções honrosas (todas merecidas), elegeu o chileno “Voz de Trompeta”, de Pilar Smoje Gueico e David Monarte Serna, adrenalinada recriação do mundo do jazz, protagonizada por músico que, ao perder seu instrumento, se vê impossibilitado de comunicar-se com o mundo.

Entre as menções honrosas, a instituição destacou o curitibano “Casa da Árvore”, registro animado de menininho que, para não ir à escola (ele nunca havia adoecido), bola plano para contrair um resfriado. Mas as coisas não saem segundo seu planejamento.

O júri popular, com muitas opções, escolheu a deliciosa animação pernambucana “Hoje Eu Só Volto Amanhã”, produção coletiva comandada por Diego Lacerda. O curta, vencedor do Cine PE (Festival de Pernambuco), registra a loucura lisérgica do carnaval de Olinda, aquele que deixa os foliões em tal estado de euforia, que o presente (para eles) só se fará real “amanhã”.

O júri do segmento Infanto-Juvenil de Curtas Latino-americanos também priorizou as animações. Os vencedores foram o carioca “Maréu”, de Nicole Schlegel, eleito o melhor filme, e o chileno “Raffi”, de Ricardo Villavicencio, prêmio especial. O primeiro mostra criança que dorme ao som de concha marinha. Quando esta se quebra, o jeito é pedir ao mar e aos céus que lhe devolvam o acolhedor barulhinho das ondas, de forma que seja possível dormir, pacificamente, como antes.

O curta chileno “Raffi” aposta na imaginação de Ema, menina que nos transporta à pré-história, com ajuda de divertido e inquieto cãozinho. Os dois nos mostrarão como os cães foram domésticos e transformados nos maiores amigos dos humanos.

Já o público, composto com 1.200 alunos vindos de escolas florianopolitanas, preferiram um filme live-action (com atores): o catarinense “O Último é Mulher do Padre”, de Yasser Socarrás. No palco, a dupla Socarrás e Sergio Anansi, ao receber o troféu Panvision, festejou o fato de serem jovens negros, que elaboram temática capaz de ajudar a ampliar a autoestima de crianças afro-brasileiras. “Quando éramos pequenos, não havia material semelhante para assistirmos”

“O Último é Mulher do Padre” narra as dificuldades enfrentadas por Rato, criança negra de nove anos, maltratada por colegas por apresentar deficiência física. Durante brincadeira de “polícia e ladrão”, ela é coagida a aceitar dura humilhação. Mas Marcão, o líder dos abusadores, será desestabilizado por sua vítima.

Quem quiser assistir a “Black Rio! Black Power!”, o longa-metragem vencedor do FAM, poderá fazê-lo em algumas cidades brasileiras. O filme, um retrato dos bailes black que sacudiram a juventude negra no Rio de Janeiro no início da década de 1970, estreou na última quinta-feira, 5 de setembro.

O documentário reúne excelentes testemunhos, sendo os mais mobilizadores os dos ativistas Dom Filó e Carlos Alberto Medeiros. Há quem reclame, com razão, da falta de música nesse filme que nasceu para enaltecer os bailes de soul music (em sua poderosa e seminal vertente norte-americana e na brasileira, representada pela Banda Black Rio).

Não é só o vencedor do Troféu Panvision que padece desse mal (muito discurso e pouca melodia). Com grana curta, os filmes made in Brazil costumam apelar para o gogó (sem melodia) de seus entrevistados. Aqui mesmo, no FAM, a exibição do primeiro episódio da série televisiva “O Som da Ilha” deixou o público de outros estados perplexo e carente.

Afinal, “A Voz do Mormaço”, dedicado à cantora Neide Mariarrosa (1936-1994), se construiu, em meia hora, com muita falação sobre a cantora e raros números musicais.

Como conhecer a beleza da voz da intérprete que encantou Elizeth Cardoso, se seus números musicais são apenas insinuados?

Em determinado momento do episódio 1 da série catarinense, conta-se que a interpretação de Mariarrosa para o belo “Prelúdio para Ninar Gente Grande” (Luiz Vieira), marcou época. Ouvimos os primeiros acordes vieiristas e dá-se corte brusco.

A diretora do episódio, a cineasta Maria Emília de Azevedo, confessou que “o pagamento dos valores relativos a direitos autorais (sobre fonogramas) inviabilizaria a série”.

Se o diálogo do cinema brasileiro com nossa música popular se apresenta tão frutífero e mobilizador, há que se estabelecer: é mais que chegada a hora de produtores compreenderem que ‘filmusicais’ não podem viver só da palavra, do verbo. Melodias e versos compõem a essência, a alma, de um ‘filmusical’, seja documental, ficcional, de animação, para TV, streaming ou sala de cinema.

O poder da música é universal. O FAM, por isso, promove mostra competitiva de videoclipes. O grande vencedor desse ano foi o argentino “Gauchito Gil”, produzido com esmero e emoção. Seu protagonista é um caminhoneiro, devoto do santo não-reconhecido pela Igreja. O condutor do veículo acredita que o Gauchito Gil o protege em suas andanças pelas estradas. E que um milagre acontecerá.

Nacho Rocha, codiretor e protagonista do videoclipe, veio a Florianópolis com sua família, e foi ao palco do Cine-Show Beiramar Shopping buscar seus dois troféus Panvision: o do júri oficial e o do público. Levou junto o filho pequeno, falou de sua missão em divulgar o Gauchito e da alegria de estar com seus parentes em Florianópolis. Nunca é demais lembrar, um “balneário amado pelos argentinos”. Ainda mais pelos que vivem na região de Missiones, muito distante do mar. O cineasta Axel Monsú, ele mesmo um missioneiro, quis aproveitar, a cada instante possível, a beleza das famosas praias florianopolitanas. Afinal, vive “a mil quilômetros do mar”.

Confira os vencedores do FAM:

Longa-metragem latino-americano

. “Black Rio! Black Power!”, de Emílio Domingos (RJ) – melhor filme (juri oficial)
. “Aldo Baldin – Uma Vida pela Música”, de Yves Goulart (SC) – melhor filme (júri popular)
. “La Estrella que Perdí”, de Luz Orlando Brennan (Argentina) – Menção especial para a atriz Mirta Busnelli

Mostra Working in Progress

. “Muña Muña” (A Flor do Amor), de Paula Morel Kristof (Argentina) – melhor filme pelo júri oficial e Prêmio Player Districto Pacífico
. “Nem”, de Juan Manoel Benavides (Colômbia) – melhor filme pelo júri popular

Curtas-metragens latino-americanos

. “Movimentos Migratórios”, de Rogério Cathalá (Bahia) – melhor filme pelo júri oficial, Prêmio Canal Brasil e Menção Honrosa da Recam (Rede de Autoridades Latino- Americanas para o Audiovisual)
. “Luthier”, de Carlos González Pénagos (Colômbia) – Prêmio Especial do Júri
. “Hoje Eu Só Volto Amanhã”, de Diego Lacerda (Pernambuco) – melhor filme pelo júri popular
. “Voz de Trompeta”, de Pilar Smoje Gueico e David Monarte Serna (Chile) – Prêmio Recam de melhor filme

* Com menções honrosas para “La Hija de la Azafata”, de Sofía Brihet, “Luthier”, de Carlos González Pénagos (Colômbia), “Casa da Árvore”, de Guilherme Lepca (Paraná) e “Movimentos Migratórios” (BA)

Mostra de Curtas Catarinenses

. “O que Fica”, de Fabiane Bardemaker e Daniel Edu Mayer (Chapecó, Cunha Porã) – melhor filme pelo júri oficial
. “A Última Primavera”, de Michelly Hadassa (Garopaba) – melhor filme do júri popular
. “No Mundo da Lua”, de Cleiton Schlindwein (Timbó) – Prêmio Especial do Júri

Mostra Infanto-Juvenil de Curtas latino-americanos

. “Maréu”, de Nicole Schlegel (RJ) – melhor filme pelo júri oficial
. “Raffi”, de Ricardo Villavicencio (Chile) – Prêmio Especial do Júri
. “O Último é a Mulher do Padre”, de Yasser Socarrás (SC) – melhor filme do júri popular

Mostra de Videoclipes latino-americanos

. “Gauchito Gil”, de Nacho Rocha e Florência Calcanhoto GIL  (Argentina) – melhor filme pelo júri oficial e pelo júri popular

Rally Panvision latino-americano

. “Parte de um Todo”,  da Equipe 5, composta com Marcelo Jané, Alexis, María Camila Guevara, Louise Moreira, Duda Aragão, Yuapenu Juká

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