Mostra de Gostoso promove, no balneário potiguar, première de “Kubrusly: Mistério Sempre Há de Pintar por Aí”

Foto: “Kubrusly: Mistério Sempre Há de Pintar por Aí”

Por Maria do Rosário Caetano

A décima-primeira edição da Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, balneário potiguar e “capital do kitesurf”, apresentará, em sua noite inaugural (sexta-feira, 22 de novembro), a première mundial do documentário “Kubrusly: Mistério Sempre Há de Pintar por Aí”, de Caio Cavechini e Evelyn Kuriki.

A dupla de documentaristas registra o momento presente vivido pelo jornalista Maurício Kubrusly, de 79 anos, diagnosticado com demência frontotemporal, mesmo mal que acometeu o ator hollywoodiano Bruce Willis. A doença, que afeta personalidade e fala, é menos comum que o Mal de Alzheimer e atinge pessoas com mais de 50 anos, trazendo sintomas como alterações comportamentais e cognitivas.

Cavechini e Kuriki mostram, em seu longa documental, que “Maurício Kubrusly já não reconhece quem foi Maurício Kubrusly”. A música, porém, “continua sendo o fio que o conecta ao momento presente, depois que a doença consumiu sua notável capacidade de comunicação e todo o repertório de um dos mais conhecidos repórteres do Brasil”.

O carioca Kubrusly, que vive hoje com a mulher, Beatriz Goulart, em uma comunidade à beira-mar no sul da Bahia, trabalhou nos mais importantes jornais brasileiros e no “Fantástico”, revista dominical da TV Globo, na qual chamava atenção por suas reportagens especiais, muitas tendo nossa música popular como motivação.

No encerramento da Mostra Gostoso, na terça-feira, 26 de novembro, serão entregues os troféus Luiz da Câmara Cascudo, homenagem ao grande folclorista potiguar, aos vencedores das competições de longas e curtas-metragens. A festa dos “Cascudos” será encerrada com a exibição de outro documentário, o musical “Luiz Melodia – No Coração do Brasil”, da paulistana Alessandra Dorgan.

Todos os filmes, curtas e longas, serão exibidos em dois espaços. O mais badalado deles, o Cinema ao Ar Livre, é, tradicionalmente, montado nas areias quentes da paradisíaca Praia do Maceió, com capacidade para confortáveis 700 cadeiras-espreguiçadeiras, tela de 12 metros x 6,5m, projeção com resolução 2K e 4K e som 7.1. Há, ainda, quem leve sua esteira para assistir aos filmes nas partes laterais da “sala”, sobre a areia e sob a luz do luar.

No Cinema ao Ar Livre são exibidos os filmes da competição oficial, todos eles acessíveis  a crianças e jovens (a toda a família, enfim). E são centenas os núcleos familiares oriundos da zona urbana e rural do município de 10 mil habitantes. Outros chegam de municípios vizinhos, como Touros, ou da capital potiguar, Natal, de 750 mil habitantes (situada a 100 km de São Miguel do Gostoso e equipada com ótima estrada asfaltada).

Os filmes recomendados a público adulto, caso do vigoroso e complexo “Baby”, de Marcelo Caetano, e aqueles que não estão em competição, são exibidos em sala especial de 80 lugares, fechada e com entrada controlada.

Além de abrigar a Mostra Panorama de Longas e Curtas, a Salinha, também implantada na areia, bem próxima ao Cinema ao Ar Livre, permite exibições diurnas, já que é coberta. A luminosidade da Praia do Maceió só permite sessões noturnas.

Entre a noite de abertura, com o documentário sobre Maurício Kubrusly, e a noite de encerramento, com “Luiz Melodia”, serão exibidos 24 curtas e longas-metragens selecionados pelos organizadores do festival potiguar, os cineastas Eugenio Puppo e Matheus Sunfeld, em parceria com Janaína Oliveira, Mariana Souza e Carine Fiúza.

Ao longo de cinco dias de muito sol, vento, passeios de buggy e aventuras náuticas (há outras modalidades, além do onipresente kitesurf), os visitantes aproveitam para experimentar a culinária local, soma dos melhores peixes, risoto de caju, frutas nordestinas (incluindo o sapoti, além do abundante caju). E, claro, o balneário de alma hippie, orgulha-se de seu mar atlântico, de águas cristalinas. Mas não é por ambientar-se num pequeno paraíso costeiro do Nordeste, que o festival potiguar vive de mar e brisa. Não! A agenda inclui debates diários, todas as manhãs, seminários, oficinas, o projeto BRLab (para desenvolvimento de novos projetos audiovisuais) e encontros de produtores e realizadores.

Dos quatro filmes selecionados para disputar o Troféu Cascudo, três são obras ficcionais – o pernambucano, rodado na Ilha do Marajó, “Manas”, de Marianna Brennand, o carioca “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal, e o capixaba “O Deserto de Akin”, de Bernard Lessa. Outro filme pernambucano – “Tijolo por Tijolo”, de Victória Álvares e Quentin Delaroche — constituiu-se como obra de base documental.

“Manas”, de Marianna Brennand

Bernard Lessa escalou, para protagonizar “O Deserto de Akin”, um dedicado médico cubano (Reynier Morales), que exerce seu ofício no Brasil, dentro do programa Mais Médicos. A trama se desenvolve em meados de 2018, um dos anos mais conturbados da história recente do país. Entre sua rotina de trabalho numa comunidade indígena e seus momentos de intimidade com Érica (Ana Flávia Cavalcanti) e Sérgio (Guga Patriota), Akin vê sua relação com o Brasil se aprofundar cada vez mais.

Com o resultado das eleições presidenciais e a vitória de Jair Bolsonaro dá-se o fim abrupto da cooperação entre os dois países. O médico vê-se num impasse e impelido a tomar uma grave decisão: voltar a Cuba, abandonando assim as relações que vinha construindo, ou permanecer e se reinventar, mesmo privado do direito de exercício profissional da Medicina.

“Kasa Branca”, de Luciano Vidigal, que integra o coletivo de artistas do grupo Nós do Morro, traz os créditos das produtoras TV Zero, que festeja seus 30 anos, e da Cavídeo.

O roteiro, escrito pelo próprio Luciano Vidigal, centra-se em Dé (Big Jaum), adolescente negro da periferia carioca. Ao descobrir que sua avó, Dona Almerinda (Teca Pereira), está em fase terminal de sua vida, devido ao Mal de Alzheimer, ele tem que se virar sozinho. Ou com a ajuda de seus dois melhores amigos.

O trio vai enfrentar muitas dificuldades. E Dé ainda buscará o pai ausente. Como bom neto, de cora generoso, ele tentará realizar aqueles que supõe serem os grandes desejos da avó, que o criara com tanta dedicação. No elenco, estão, também, Roberta Rodrigues (de “Cidade de Deus”), Gi Fernandes (de séries e novelas da TV Globo), Babu Santana (“Tim Maia”), Ramon Martins e Diego Francisco.

“Manas”, da pernambucana Marianna Brennand, tem a Ilha do Marajó paraense como ambiente físico-existencial. Lá, Marcielle (Jamilli Correa), de 13 anos, vive em comunidade ribeirinha, na companhia dos pais e três irmãos. Instigada pelas falas da mãe, ela cultua a imagem de Claudinha, sua irmã mais velha, que teria partido para longe após unir seu destino a “um homem bom”. A partida se dera numa das balsas que servem à região.

À medida que vai amadurecendo, Tielle, seu apelido, vê suas idealizações ruírem e acaba envolvida em ambientes abusivos. Ciente de que o futuro não lhe reserva muitas opções, ela decide confrontar a engrenagem violenta que vigora em sua comunidade. No elenco, dois atores de grande experiência, a paraense Dira Paes, que interpreta Aretha, e o mineiro-brasiliense Rômulo Braga (Marcílio).

O documentário “Tijolo por Tijolo” acompanha Cris Martins e sua família, moradores do Ibura, na periferia do Recife. Com o início da pandemia de Covid-19, ela e seus familiares foram obrigados, para tornar tudo ainda mais difícil, a abandonar a casa onde residiam, por estar sob grave risco de desabamento.

Grávida do quarto filho, Cris, desenvolta como ela só, trabalha como influenciadora digital enquanto a família reconstrói, tijolo por tijolo, um novo lar. Uma casa que possa abrigá-los com dignidade.

A incansável e descolada pernambucana reivindicará, em sucessivas idas ao hospital, o direito de, no mesmo dia do parto, fazer uma laqueadura. Mas nada parece fácil para quem depende do sistema público de saúde.

 

Longas-metragens (competição)

. “Manas”, de Marianna Brennand (PE-PA)
. “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal (RJ)
. “O Deserto de Akin”, de Bernard Lessa (ES)
. “Tijolo por Tijolo”, de Victória Álvares e Quentin Delaroche (PE)

Curtas-metragens (competicão)

. “Bati da Vila”, de Raquel Cardozo
. “Raposa”, de Margot Leitão e João Fontenele (CE)
. “Chibo”, de Gabriela Poester e Henrique Lahude (RS)
. “Yby Katu”, de Kaylany Cordeiro, Jessé Carlos, Ladivan Soares, Geyson Fernandes e Rodrigo Sena
. “Hoje Eu Só Volto Amanhã”, de Diego Lacerda e equipe (PE)
. “Axé meu Amor”, de Thiago Costa (PB)
. “Caluim”, de Marcos Alexandre
. “Pequenas Insurreições”, de William de Oliveira

Mostra Panorama (longas-metragens)

. “Ainda Não É Amanhã” de Milena Times (PE)
. “Baby”, de Marcelo Caetano (SP)
. “Salão de Baile”, de Juru e Vitã (RJ)
. “A Transformação de Canuto”, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho (PE-RS)

Mostra Panorama (curtas-metragens)

. “Aquela Criança com Aids”, de Hiura Fernandes (RN)
. “O Lado de Fora Fica Aqui Dentro”, de Larissa Barbosa (MG)
. “Mar de Dentro”, de Lia Letícia (PE)
. “A Menina e o Pote”, de Valentina Homem e Tati Bond (PE)
. “Se Eu Tô Aqui é Por Mistério”, de Clari Ribeiro (RJ)
. “Ponto e Vírgula”, de Thiago Kistenmacker (RJ)
. “Pulmão de Pedra”, de Torquato Joel (PB)
. “Boi de Conchas”, de Daniel Barbosa (SP)

Sessão de abertura

. “Kubrusly: Mistério Sempre Há de Pintar por Aí”, de Caio Cavechini e Evelyn Kuriki (SP, 97 min.)

Sessão de encerramento

“Luiz Melodia – No Coração do Brasil”, de Alessandra Dorgan (SP, 75 min.)

 

11ª Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso
Data: 22 a 26 de novembro
Local: Cinema ao Ar Livre (700 lugares) e Espaço Fechado (80 lugares)
Realização: Heco Produções e CDHEC (Centro de Direitos Humanos e Economia Criativa)
Entrada: gratuita para todas as atividades
Mais informações: http://mostradecinemadegostoso.com.br

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