Festival de Brasília recupera calendário histórico e festeja, na primavera, 60 anos de sua criação
Por Maria do Rosário Caetano
Sessenta anos atrás, o Festival de Brasília nascia para servir de vitrine privilegiada à produção cinematográfica brasileira. Que, aliás, vivia uma verdadeira primavera.
Os estatutos da Fundação Cultural do DF, instituição que convocou Paulo Emilio Salles Gomes para liderar a trupe pioneira, previam uma grande festa na primavera, quando o Cerrado convive com ipês amarelos e roxos.
No começo, o festival se chamava Semana do Cinema Brasileiro. Na primeira edição, o prêmio principal coube ao filme “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos. Que derrotou pesos pesados como “São Paulo S.A.”, de Luiz Sérgio Person, “O Desafio”, de Paulo Cezar Saraceni, “Menino de Engenho”, de Walter Lima Jr, e “Vereda da Salvação”, de Anselmo Duarte.
A Semana seria substituída por seu nome definitivo – Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Para comemorar seus 60 anos de criação, o comando do festival, liderado pelo secretário de Cultura Claudio Abranches e pela produtora Sara Rocha, está prometendo edição histórica e muito especial.
Na manhã dessa terça-feira, 6 de maio, em entrevista coletiva (foto), a dupla apresentou as novidades da edição desse ano, que — depois de acontecer em datas esdrúxulas (até na véspera do Natal) — regressa à sua estação histórica – a primavera.
O festival, que ganha mais um dia de duração (nove), acontecerá de 12 a 20 de setembro. Portanto, não terá que contentar-se com as sobras de outros grandes festivais, como o do Rio (2 a 12) e a Mostra Internacional de São Paulo (16 a 30), ambos em outubro. Nos últimos anos, o festival carioca vinha passando o rodo. Com sua poderosa peneira, ele selecionava até 40 filmes 100% inéditos, espalhados por diversas mostras.
Claro que muitos produtores e realizadores continuarão guardando seus longas-metragens para a festança no badalado balneário. Mas o festival criado por Paulo Emilio terá maior número de filmes inéditos para analisar e selecionar. E os produtores não serão obrigados a mostrar o fruto de seu trabalho em péssimas datas.
Vale lembrar que o Festival de Brasília, quando nasceu, não tinha concorrente. E foi assim em suas primeiras sete edições. Com a interrupção no ufanista ano (1972) do Sesquicentenário da Independência, brotariam as sementes do Festival de Gramado (1973).
Os dois eventos continuaram, a partir de 1975 – quando Brasília realizou sua oitava edição e o festival gaúcho, sua terceira – como os dois festivais mais importantes do país (outros foram chegando, como a Jornada de Cinema da Bahia e o Festival Sesc). Tanto Brasília quanto Gramado aconteciam no segundo semestre. Foi então que Roberto Parreira, que depois de dirigir a Funarte, tornou-se presidente da Embrafilme, achou por bem dispor de um festival no primeiro semestre, que servisse de vitrine aos lançamentos da temporada, e outro, no segundo semestre.
Gramado teve edições em março, em dias quentes, com as estradas que levavam à Serra Gaúcha cobertas de hortênsias. Brasília seguia em sua data histórica, setembro. Mas, quando vieram o Governo Collor e sua política de desmonte (da Embrafilme, do Concine etc.), a produção brasileira caiu a índices aterradores. Conseguir cinco ou seis filmes brasileiros de longa-metragem era um verdadeiro desafio, uma prova de obstáculos.
Gramado ampliou seu alcance para o cinema latino. Brasília continuou “caçando filme brasileiro a laço”. E realizando suas edições nas piores datas — novembro ou (até) dezembro. Pior data para um festival de filmes 100% inéditos não poderia existir.
O país tem hoje mais de 300 festivais (há quem garanta que são 400). Por sorte, a produção cresceu de forma exponencial. São mais de 200 longas ficcionais e documentais produzidos a cada novo ano. O desafio, agora, é contar com equipes (de selecionadores) que tenham tempo para assistir a tantos filmes (os curtas-metragens, categoria para a qual não se exige ineditismo, aproximam-se de mil títulos).
As inscrições para a seleção de curtas e longas-metragens da edição que festejará os 60 anos do Festival de Brasília já estão abertas. Tanto a competição nacional, quando a Mostra Brasília ganham, cada uma, mais um longa-metragem (serão sete para a primeira e cinco para a segunda). Haverá uma noite de abertura (com um filme hors concours) e uma noite de encerramento, com entrega dos Troféus Candango (e Troféu Câmara Legislativa).
Na capital federal, não se usa a prática de Gramado, que promove duas festas de premiação em noites diferentes: uma para a competição nacional e outra para o Gauchão. E, ano passado, o festival serrano inovou ao adotar telão digital que limita os cansativos discursos de agradecimento em apenas dois minutos. Em Brasília, reina o mais completo laissez-faire. Haverá solução? Ou as festas do candango continuarão eternamente tediosas? Os interessados em inscrever seus filmes no Fest Brasília devem fazê-lo até nove de junho.
Claudio Abrantes reafirmou, durante a coletiva de imprensa, “a data ideal” do festival, que “volta a ocorrer, com os ipês floridos e fora da temporada de chuva”. E mais: “do ponto de vista técnico, temos a certeza de que agora o festival retomará o protagonismo, que nunca deveria ter perdido, entre os grandes eventos cinematográficos do Brasil”.
Sara Rocha, por sua vez, lembrou que só foi possível recolocar o Festival de Brasília na sua data histórica, porque “edital tri-anual para a produção do evento permitiu a aprovação orçamentária para três edições (2024, 2025 e 2026)”. E acrescentou: “esse retorno a setembro é fundamental para o posicionamento estratégico do festival no calendário dos festivais e se dá graças ao trabalho continuado por esses três anos”.
João Eduardo Silveira, gerente de patrocínios do BRB (Banco de Brasília), que participou da coletiva de imprensa, destacou que, “desde o ano passado, o BRB é o patrocinador master do festival, o que viabilizou a ampliação de seu formato e de sua estrutura”.
Se a competição nacional do sexagenário festival candango chega à sua edição de número 58 (houve interrupção na era Médici, nos anos duros da ditadura militar – 1972, 73 e 74), a Mostra Brasília chega à sua edição de número 29. Criada nos moldes do Gauchão (Mostra de Cinema Gaúcho, parceria entre a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e o Festival de Gramado), a mostra candanga resulta de parceria entre a Câmara Legislativa do Distrito Federal e o Festival de Brasília. Este ano, a competição pelo Troféu Câmara Legislativa abrangerá 10 curtas e cinco longas-metragens. Os prêmios totalizarão R$ 298 mil.
A edição de número 58 do Festival de Brasília traz de volta a Conferência Nacional do Audiovisual, promove a sétima edição do Ambiente de Mercado (pitchings e rodadas de negócios), mantém oficinas e mostras paralelas. Não se sabe se o festival terá Núcleo Histórico ou se continuará fixado (obcecado!) apenas em filmes contemporâneos. Essa tradição – de exibir até clássicos da era silenciosa, inclusive acompanhados pela Orquestra Sinfônica — vem sofrendo incômoda solução de continuidade.
Para atenuar tal ausência, o Cine Brasília está promovendo pequena retrospectiva de filmes já premiados em edições anteriores. Foram escolhidos seis títulos, um representando cada década do festival: “Todas as Mulheres do Mundo” (1966), de Domingos de Oliveira; “Nunca Fomos Tão Felizes” (1984), de Murilo Salles; “Que Bom te Ver Viva” (1989), de Lúcia Murat; “Amarelo Manga” (2002), de Cláudio Assis; “É Proibido Fumar” (2009), de Anna Muylaert; e “Temporada” (2018), de André Novais de Oliveira.
O projeto de ampliação do Cine Brasília, palco do festival, foi lembrado na coletiva de imprensa. O secretário Abrantes garantiu que “já está encaminhando o processo de extensão da área construída do sexagenário cinema”, agora, “de forma perene”. Tal decisão colocará fim nas instalações provisórias, montadas e desmontadas a cada novo ano. “O edital para a construção da área do Cine Brasília, já previsto por seu criador, Oscar Niemeyer, será publicado nas próximas semanas”.
E Abrantes arrematou sua fala com duas promessas: 1. “Sempre usamos essa área externa. Chegou a hora de sedimentar esse anexo, para termos salas de cinema menores (no complexo Cine Brasília-Entrequadra) e uma cinemateca, com acervos de grandes nomes do cinema brasiliense, como este que dá nome à sala principal do Cine Brasília – Vladimir Carvalho”; 2. “logo lançaremos a licitação para aquisição de projetor 4k, que servirá ao nosso Cine Brasília.
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