Aruanda premia ”A Queda do Céu”, “Ainda Não é Amanhã, “Helena de Guaratiba”, “Nua”, “Lampião” e Marcélia Cartaxo
Foto © MYimagem/Mano de Carvalho
Por Maria do Rosário Caetano, de João Pessoa (PB)
“A Queda do Céu”, documentário de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, mergulho na cosmogonia Yanomami, foi o grande vencedor da décima-nona edição do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, realizado em João Pessoa, na Paraíba.
O filme tem o xamã Davi Kopenawa como força motora e traz em suas imagens, de grande beleza, “contundente crítica xamânica” aos “povos da mercadoria” e, também, à ação devastadora do garimpo ilegal e à mistura mortal de epidemias trazidas por forasteiros.
O longa ficcional pernambucano “Ainda Não é Amanhã”, de Milena Time, foi eleito o melhor filme da mostra Sob o Céu do Nordeste, destinada à produção cinematográfica dos nove estados da região.
Milena dedica-se, com sutileza e elenco afiado, a tratar de tema tabu no Brasil, o aborto. Sua protagonista, uma jovem periférica, inicia seus estudos jurídicos como bolsista de uma universidade e, surpreendida por gravidez indesejada, tentará interrompê-la. Enfrentará muitas dificuldades.
O melhor curta brasileiro foi “Helena de Guaratiba”, da carioca Karen Black, uma sacudida e muito livre recriação de “As Troianas”, de Eurípedes, ambientada numa praia brasileira. Helena Ignez, já octogenária, interpreta o similar pátrio de Helena de Tróia. E Cauã Reymond dá vida a um Páris tropical, bem mais jovem que ela. Nesse filme, que combate o etarismo, o casal vai enfrentar a rejeição da comunidade de pescadores que os cerca. No contraponto, o funk cantado por Daisy Tigrona e dançado (de forma arrebatadora) pelo quarteto Os Crias.
Só um curta fez sombra ao triunfo de “Helena de Guaratiba” — o paraibano “Ladeira Abaixo”, de Ismael Moura. Deliciosa comédia protagonizada por três feras (Fernando Teixeira, Solana Bandeira e Titina Medeiros, os três premiados), o curta conta a história de dois coroas muito prafrentex, que querem amar e ser felizes. Mas a filha da velha senhora apega-se à religião e tudo faz para impedir os vôos do possível casal.
Por trás do fervor religioso da filha — mostrará “Ladeira Abaixo” — há muita permissividade. Os diálogos da atriz potiguar Titina Medeiros endereçados à mãe, interessada apenas em curtir o que lhe resta de vida, são cortantes e reveladores. Curioso notar que o etarismo foi o tema principal dos dois curtas brasileiros que mais prêmios acumularam.
O melhor curta paraibano foi “Nua”, de Fabi Melo, que tem em seu elenco a experiente Soia Lira (premiada com o troféu Aruanda). Ela interpreta a idosa Eva, que vivencia um dia de conflitos existenciais. E o faz ao lado de seu ‘ser criança’. E, também, de seu ‘ser adulto’, interpretado por Priscilla Vilela (de “Sideral” e “Enquanto o Céu Não me Espera”).
Esse ano, o Festival Aruanda, que homenageou Vladimir Carvalho (1935-2024), acatou sugestão do diretor de fotografia Walter Carvalho, irmão do documentarista, e criou o Prêmio Vladimir Carvalho.
A nova láurea espelha-se no Festival de Cannes, que passou a abrigar-premiar com o Olho de Ouro, o melhor longa documental exibido em muitas de suas mostras. O prêmio inspirou-se, também, no Troféu Saruê, do jornal Correio Braziliense, que, no Festival de Brasília, premia filmes de grande impacto ou “momentos luminosos”.
O novo troféu terá na equipe cultural do jornal A União, onde trabalharam Linduarte Noronha e Vladimir, o parceiro anual. Jornalistas e críticos do diário paraibano comporão o júri. Nessa estreia, eles escolherem “Lampião, Governador do Sertão”, do cearense Wolney Oliveira, como o primeiro vencedor do “Vladimir Carvalho”. Foram analisados dois filmes da competição nacional (“A Queda do Céu” e “Os Afro-Sambas – O Brasil de Baden e Vinicius”, de Emílio Domingues) e dois nordestinos (além do vencedor, o baiano “Quem é essa Mulher?”, de Mariana Jaspe).
A Paraíba tem fama de grande celeiro de atrizes e atores. Nada mais natural que, no ano em que duas delas foram homenageadas com o Troféu Aruanda – Trajetória (Suzy Lopes e Lucy Alves), uma terceira conquistasse o prêmio de melhor atriz: a cajazeirense Marcélia Cartaxo.
Intérprete sertaneja, consagrada no Festival de Berlim pela Macabéia de “A Hora da Estrela” (1996), e em Gramado, pela “Pacarrete” do filme homônimo (2019), Marcélia triunfou ao encarnar-se na pele da sofisticada Glória Hartman, artista visual em crise existencial e financeira. Ao regressar ao Recife, ela começa a evocar o universo de Clarice Lispector. Glória vai viver nas cercanias da casa nordestina que abrigou a menina ucraniana e sua família.
Quem leu a qualificação “sofisticada Glória Hartman” leu certo. Marcélia, sempre convocada para papéis de mulheres sertanejas, com um quê de humor, dessa vez navega em outras searas. Quando ela desembarca no Recife, continuamos a vê-la como uma nordestina semelhante às muitas que ela fez no cinema e na TV.
À medida que a rarefeita trama avança, ela vai nos envolvendo. E, dessa vez, veremos Marcélia mergulhar em experiências, que não víramos antes (pelo menos na tela grande). Ela viverá cena de sexo na cama com seu parceiro (Pedro Wagner) e terá partes de seu corpo mostradas nuas (incluindo os seios). Tudo com sutileza e elegância.
“Lispectorante” retoma o diálogo da cineasta, diretora de arte e artista visual Renata Pinheiro com o espaço urbano recifense, degradado pela incúria ou pela especulação imobiliária. Diálogo que teve no curta “Praça Walt Disney” seu momento mais luminoso. O novo filme é de imensa beleza (fotografia de Wilssa Esser), mas muito enigmático. Dificilmente alcançará o sucesso de estima do lispectoriano “A Hora da Estrela” e do encantador “Pacarrete”.
A festa de entrega dos troféus Aruanda começou em alta voltagem, com a atriz Suzy Lopes, ao lado da cantriz Lucy Alves (esta mais discreta), derramando alegria e irreverência. Mas depois, a monotonia tomou conta da imensa sala do Cinepolis Manaíra, pois havia prêmios em excesso a serem anunciados-entregues e o “laissez-faire” reinou soberano. Equipes com cinco ou seis pessoas iam buscar um prêmio técnico ou artístico e todos falavam. Todos!!!! Até a assistente da diretora de arte.
Quem estava ausente, mandou agradecimento via digital. Alguns enviaram uma mini-palestra! Se Nossa Senhora da Síntese (evoé Dalton Trevisan! Evoé Veríssimo!) não nos socorrer, morreremos de tédio. As festas de premiação dos 400 festivais brasileiros (exceção de Gramado, que inaugurou “sinalizador digital” em busca da milagrosa síntese dos premiados) transformaram-se em pesadelo. A cerimônia de premiação do Aruanda terminou de madrugada, com plateia cansada e faminta.
Confira os vencedores:
LONGA-METRAGEM BRASILEIRO
. “A Queda do Céu”, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha (RJ) – melhor filme, montagem (Renato Vallone), som (Guille Martins, Marcos Lopes e Toco Cerqueira)
. “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal (RJ) – melhor filme pelo júri popular e pela Crítica (Abraccine), Prêmio Especial do Júri, atriz coadjuvante (Teca Pereira)
. “Baby”, de Marcelo Caetano (SP) – melhor ator (João Pedro Mariano), roteiro (Marcelo Caetano e Gabriel Domingues), fotografia (Joana Luz e Pedro Sotero), trilha sonora (Bruno Prado e Caê Rolfsen), direção de arte (Thales Junqueira), figurino (Gabriela Campos)
. “Manas”, de Marianna Brennand (PE) – melhor direção, prêmio especial do Júri para o coletivo de atores.
. “Lispectorante”, de Renata Pinheiro (PE) – melhor atriz (Marcélia Cartaxo), melhor coadjuvante (Pedro Wagner)
CURTA-METRAGEM BRASILEIRO
. “Helena de Guaratiba”, de Karen Black (RJ) – melhor filme, roteiro (Karen Black), Prêmio Canal Brasil, direção de arte (Ananias de Caldas),
. “Ladeira Abaixo”, de Ismael Moura (PB) – melhor filme pelo júri popular e pela Crítica (Abraccine), atriz (Solana Bandeira e Titina Medeiros), ator (Fernando Teixeira)
. “Serão”, de Caio Bernardo – melhor direção , melhor fotografia (Rodolpho de Barros)
. “Umbilina e sua Grande Rival”, de Mãos Meirelles (PB) – melhor figurino (Carlota Pereira)
. “Eu Fui Assistente de Eduardo Coutinho”, de Allan Ribeiro (RJ) – melhor edição (Karen Akerman, João Pedro Diaz e Allan Ribeiro)
. “Júpiter”, de Carlos Segundo (França-Brasil) – melhor som (Paul Guilloteau)
. “Almadia”, de Mariana Medina – melhor trilha sonora (Fernando Catatau)
LONGAS-METRAGENS (Mostra Sob o Céu do Nordeste)
. “Ainda Não É Amanhã”, de Milena Times (PE) – melhor filme, direção, atriz (Mayara Santos), coadjuvante (Bárbara Vitória), fotografia (Linga Acácio), direção de arte (Lia Letícia), figurino (Libra Lima)
. “Lampião, o Governador do Sertão”, de Wolney Oliveira (CE) – melhor roteiro (Wolney Oliveira e Margarita Hernandez), montagem (Mair Tavares e Daniel Garcia), som (Leo Oliveira e Lenio Oliveira)
. “Centro ilusão”, de Pedro Diógenes (CE) – melhor ator (Fernando Catatau), coadjuvante (Bruno Kunk), trilha sonora (Cozilos Vitor)
. “Quem é Essa Mulher?”, de Mariana Jaspe (BA) – Júri popular, menção honrosa do Júri oficial
CURTA-METRAGEM PARAIBANO
. “Nua”, de Fabi Melo – melhor filme, atriz (Soia Lira), roteiro (Fabi Melo), direção de arte (Renata Gadelha)
. “Suspiro”, de Nill Marcondes – melhor direção, ator (Buda Lira), edição (Thiago A. Neves)
. “Salvatério”, de Dani L. – melhor filme pelo Júri popular, fotografia (Alessandro Potter), trilha sonora (Uirá García), figurino (Jamila Facury), som (Ester Rosendo)
PRÊMIOS ESPECIAIS
. Prêmio Vladimir Carvalho de melhor longa documental), atribuído pelo festival em parceria com a EPC (Empresa Paraibana de Comunicação) para “Lampião, o Governador do Sertão”
. Prêmio Laboratório Audiovisual Aruanda-Susanna Lira para o projeto Chamando os Mortos”, de V. Passos”
PRODUÇÃO UNIVERSITÁRIA
. “Luta Pela Vida: Como o HC ajudou a desafogar a superlotação hospitalar na pandemia e a salvarvidas”, de Guilherme Bacciotti, Paula Marques e Vitor Oshiro, da TV USP Bauru – melhor reportagem
. “USP 90 Anos: A democratização do Ensino Superior e a transformação de vidas pela Educação”, de Guilherme Bacciotti, Paula Marques e Vitor Oshiro – TV USP Bauru – melhor documentário
. “Cena Parahyba” — Episódio “As Velhas’, de Cely Farias e Polly Barros – TV UFPB – melhor programa de TV
. “Minutos que mudam o jogo: Campanha da USP e CBF ajuda a identificar rapidamente um AVC e acionar o socorro, de Guilherme Bacciotti, Paula Marques e Vitor Oshiro – TV USP Bauru – melhor interprograma
– “Baião de Dois”,de Renatha Aragão, do curso de Cinema e Audiovisual da UFPB – melhor curta Caleidoscópio Universitário
. “Juremeiras”, de Cleyton Ferrer, do curso de Jornalismo-UFPB – melhor TCC (Trabalho de Conclusão de Curso)
. “Mar de Acessibilidade”, de Renata de Oliveira Soares, do curso de Jornalismo-UFPB – menção honrosa
. “Maré de Jacumã”, de Bruno Sanches – melhor videoclipe
MOSTRA INTERNACIONAL DE CURTAS (4 cantos do mundo)
. “Uma Mãe Vai à Praia” (Universidade Lusófona/União Europeia), de Pedro Hasrouny – melhor filme, atriz (Cláudia Jardim), fotografia (Marina Tebechrani)
. “Penrose” – melhor direção: Alessandra Roucos e Teresa Teixeira (Universidade Lusófona/União Europeia)
. “Grandpa’s House” – melhor roteiro: Abigail Segal (da San Diego StateUniversity/Califórnia-
. “A Lua e a Mariposa”, de Peng Han (Chong Jianyue), do curso de cinema da Universidade de Comunicação da China – melhor trilha sonora
. ‘Para Onde Foram as Estrelas’, de Peng Wanyun, do curso de cinema da Universidade de Comunicação da China (UCC) – melhor animação
. “Meghan”, documentário de Meghan Ibanez, Tom Stiel, MelvynAka – Prêmio Especial do Júri
. “O Incidente da Galinha”, de João Ferreira, da Universidade Lusófona/União Europeia – menção honrosa
. ‘Ser Semilla’, de Julia Granillo Tostado, da Universidade Lusófona/União Europeia – menção honrosa