Mostra Tiradentes reúne filmes autorais de jovens e veteranos e première de “Milton Bituca Nascimento”
Foto: “Milton Bituca Nascimento”, de Flavia Moraes
Por Maria do Rosário Caetano
O filme “Girassol Vermelho”, de Éder Santos, com Daniel de Oliveira, Chico Diaz e Bárbara Paz no elenco, é o convidado da noite inaugural da vigésima-oitava edição da Mostra de Tiradentes, festival dedicado ao cinema contemporâneo brasileiro.
A mostra, que acontece na Região do Ouro de Minas Gerais, será aberta nessa sexta-feira, 24 de janeiro, e prosseguirá, por mais oito dias (até primeiro de fevereiro), com a exibição de 140 filmes – entre eles, em première brasileira, o documentário “Milton Bituca Nascimento”, de Flávia Moraes.
Esse ano, o Troféu Barroco-Homenagem será entregue à atriz Bruna Linzmeyer. Ela ganhará mostra informativa com alguns dos filmes dos quais participou. Caso dos recentes “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas, e “Baby”, de Marcelo Caetano, somados a “Medusa”, de Anita Rocha da Silveira, “O Vento Frio que a Chuva Traz”, de Neville d’Almeida, e “O Grande Circo Místico”, de Carlos Diegues.
A edição desse ano traz algumas mudanças. A principal delas está na reconfiguração de suas duas principais mostras – a Aurora e a Olhos Livres. A Aurora passa a exibir filmes que marcam a estreia de jovens realizadores (o recorte anterior admitia até o terceiro longa). E a escolha do melhor filme será feita por júri jovem.
O júri oficial passará, de agora em diante, a laurear concorrentes da Olhos Livres. Esta mostra continuará agregando “realizadores dispostos a desbravar novos caminhos na produção autoral”. Independente da faixa etária de seu diretor. Mas, reafirme-se, com o foco dirigido à produção autoral, desde que independente e de baixo (ou baixíssimo) orçamento.
Entre os concorrentes desse ano, está o quase sexagenário ator e diretor paraibano Tavinho Teixeira, que assina “Batguano Returns – Roben na Estrada” em parceria com Frederico Benevides. Os outros selecionados desse segmento são “A Vida Secreta de meus Três Homens”, da baiana (radicada em Pernambuco) Letícia Simões, “Deuses da Peste”, de Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado, produção paulistano-mineira, “Prédio Vazio”, do capixaba Rodrigo Aragão, “O Mundo dos Mortos”, do carioca Pedro Tavares, “A Primavera”, dos pernambucanos Daniel Aragão e Sergio Bivar, e “As Muitas Mortes de Antônio Parreiras”, de Lucas Parente, produção cearense-carioca.
Note-se que, nesta lista, há autores que somam diversos longas-metragens e participaram de vários festivais, caso do mineiro Thiago Mata Machado, de 51 anos, do incansável defensor do cinema de horror, Rodrigo Aragão, de 49, do pernambucano Daniel Aragão, de 43, e da cineasta, poeta e roteirista Letícia Simões, de 37.

A seleção dos diretores estreantes se compõe com a carioca Heloisa Machado (“Cartografia das Ondas”), o capixaba Diego Zon (“Margeado”), os sergipanos Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro (“Um Minuto é uma Eternidade para Quem Está Sofrendo”), os cearense Honório Félix e Breno de Lacerda (“Resumo da Ópera”) e os paulistas Lucca Filippin (“Kickflip) e Sergio Silva (“Nem Deus é Tão Justo Quanto seus Jeans”). Que título o deste último filme – espirituoso, provocante e de imensa força mnemônica.
Desde a criação da Mostra de Tiradentes, 28 anos atrás, seu comando (as irmãs Raquel e Fernanda Hallak e o produtor Quintino Vargas) faz questão de utilizar áreas ao ar livre da bela cidade colonial para festejos artístico-culturais e exibição de filmes. Por isso, um dos mais concorridos eventos do festival é a Mostra Praça, impregnada de “espírito coletivo e comunitário”.
Esse ano, um dos filmes programados – “Milton Bituca Nascimento” – deve ter lotação plena e causar sensação. Afinal, trata-se da première brasileira do documentário que Flávia Moraes (gaúcho-paulistana radicada em Los Angeles) realizou para festejar a trajetória de um dos maiores nomes de nossa música popular, o cantor e compositor mineiro (nascido no Rio de Janeiro) Milton Nascimento, de 82 anos. A alma do Clube da Esquina, tão representativo de Minas Gerais quanto o pão-de-queijo e o frango-com-angu-e-quiabo, deve arrebatar a plateia.
Quem acompanha os três festivais promovidos pela Universo das Irmãs Hallak (a CineOP ouro-pretana, a CineBH e Tiradentes) já compartilhou a profunda emoção que filmes sobre os “esquineiros” causam nas cidades anfitriãs (e nos visitantes). Além de demorados aplausos de pé, a tietagem (autógrafos, fotos conjuntas, abraços) prolonga a felicidade de cada noite. Foi assim nas sessões dos filmes “Lô Borges – Toda essa Água” e “Nada Será Como Antes – A Música do Clube da Esquina”.
O documentário “Bituca” é uma produção da Gullane e faz parte de projeto múltiplo, que inclui um longa ficcional sobre a história do menino preto e de origem humilde, que perdeu a mãe muito cedo e foi adotado por família branca. O documentário destina-se aos admiradores brasileiros e internacionais do artista, que são muitos e influentes. Alguns deles estão presentes no filme – o cineasta Spike Lee, o cantor e compositor Paul “Mrs. Robinson” Simon e o produtor e criador Quincy Jones (1933-2024). Eles se somam à fina flor da música brasileira, que externa sua paixão pelo amigo e artista – Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Mano Brown, entre outros. Sem esquecer a escritora Djamila Ribeiro. Estão, no filme, claro, familiares e “esquineiros”.
A base desse primeiro título do Projeto Bituca é a turnê (nacional e internacional) que marcou sua despedida dos palcos. O artista, que no Carnaval desse ano será tema-enredo da Portela, verá seu filme chegar aos cinemas no dia 20 de março.
A programação de longas-metragens da Mostra Praça contará, ainda, com “Malês”, segundo longa dirigido pelo ator Antônio Pitanga, com o delicioso e alto-astral “3 Obás de Xangô”, de Sergio Machado (melhor documentário no Festival do Rio), “Kasa Branca”, primeiro longa-solo de Luciano Vidigal, e “Alma Negra: Do Quilombo ao Baile”, mergulho de Flavio Frederico nos bailes black que sacudiram o Brasil a partir da década de 1970. O público da Praça assistirá, também, a três sessões compostas com 15 curtas-metragens.
Feito esse interregno destinado a filmes que cantam, dançam, celebram nossas raízes afro e buscam diálogo com o público, a Mostra Tiradentes regressa a seu leito histórico – a exibição de filmes de risco. Além da Olhos Livres e Mostra Aurora, o público será provocado pela chamada Mostra Temática, que este ano escalou dois títulos unidos sob a mesma pergunta: “Que cinema é esse?”.
É assim que o espectador leigo há de se colocar depois de assistir aos 370 minutos de “Odradek”, novo longa-metragem de Guilherme de Almeida Prado. O diretor de “A Flor do Desejo” e “A Dama do Cine Shangai” resolveu realizar seu filme mais radical. O nome brotou de empréstimo contraído com o escritor tcheco Franz Kafka.
O outro título da Mostra Temática é “Relâmpagos de Críticas, Murmúrios de Metafísicas”, de Julio Bressane e Rodrigo Lima. Bressane, que ano que vem tornar-se-á octogenário, segue (agora com imensas barbas brancas) cada vez mais inquieto, ousado e transgressor.
Autor de filmes sintéticos, o cineasta carioca resolveu somar (a eles) obras livres das limitações do tempo das salas de exibição do circuito comercial. Com o mesmo Rodrigo Lima, produziu “compêndio imagético” que revistou sua própria obra, prolífica e influente, em “A Longa Viagem do Ônibus Amarelo”, 2023 (com 432 minutos, ou seja, mais de sete horas). Os “Murmúrios Metafísicos” duram menos (mais de duas modestas horas) e realizam “a montagem de 48 filmes brasileiros (de 1898 a 2022), em cujos fotogramas sentimos aparecer uma clareira, uma inovação, alguma experimentação e emotividade”.

A mostra tiradentina reúne cinco títulos no segmento Autorias. Nele, a ênfase recai sobre “trocas e transformações”. No caso da ficção cearense “Centro Ilusão”, de Pedro Diógenes, as trocas se dão entre o cineasta, seus músicos-atores e a geografia da zona central da cidade de Fortaleza. Os músicos Fernando Catatau, que causou sensação no Festival Aruanda (com seu jeito “sintético” e inesperado de ser), e o jovem Brunu Kunk ajudam Diógenes, um dos fundadores do Coletivo Alumbramento, a demonstrar seu amor pela paisagem física e humana de sua cidade natal, a capital cearense.
Os outros títulos do segmento Autoria são o carioca “Para Lota”, de Bruno Safadi e Ricardo Pretti, o paulistano “Uma Montanha em Movimento”, de Caetano Gotardo, e os mineiros “Parque de Diversões”, de Ricardo Alves Jr., e “Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá” (em parceria com o Mato Grosso), de Sueli e Isael Maxakali, Luisa Lanna e Roberto Romero.
Esse ano, a Mostra Tiradentes sequencia sua intenção de alargar o conceito de “clássico”, sedimentado em filmes do passado, aos quais o tempo agregou, por suas imensas qualidades, o desejo de serem sempre revisitados. Para a curadoria, os “clássicos” tornaram-se sinônimo de realizações nas quais se “a ideia de obras-de-arte marcadas pelo equilíbrio e por forma de expressão ideal” tornaram-se limitadoras.
Já os escolhidos para a mostra tiradentina (apenas dois) deram “rumos fundamentais” ao festival, uma vez que foram vistos “como espaço de invenção e projeção visionária”. Por isso, os escolhidos para nova projeção são o longa carioca “Conceição – Autor Bom é Autor Morto” (2007), de André Sampaio, Cynthia Sims, Daniel Caetano, Guilherme Sarmiento e Samantha Ribeiro, e o curta (também carioca) “Maldição Tropical”, de Luísa Marques e Darks Miranda.
Dois filmes – o pernambucano “Tijolo por Tijolo”, de Victoria Alvares e Quentin Delaroche, e o paulistano “Trópico de Leão”, da veterana realizadora ítalo-brasileira Luna Alkalay – serão exibidos em Sessões Debate. No segmento Vertentes, serão mostrados o vencedor do Festival de Gramado – o goiano “Oeste Outra Vez”, de Erico Rassi, e o carioca “Sem Vergonha”, de Rafael Saar.
O primeiro, reconhecido no festival mais badalado do país, ganha relevo por “explorar o sertão de Goiás com referências ao faroeste”, optando por “trocar o embate mortal pelo tédio da escassez”. Afinal, “em vez do ouro e da conquista típicos do western clássico, aborda a ausência de perspectivas no coração do Brasil”.
“Sem Vergonha” traz a cantora mineira (de Cataguases) Maria Alcina, de 75 anos, interpretando sua própria biografia, em “uma celebração de exuberância e teatralidade, incorporando a chanchada e o teatro de revista”.
A Mostrinha de Tiradentes, destinada às crianças, apresentará dois longas-metragens mineiros – “Dentro da Caixinha – Mundo de Papel” (83 minutos), de Guilherme Reis, e “A Mensagem de Jequi” (73’), de Igor Amin. E, também, filmes de curta-metragem.
Aqueles que não forem a Tiradentes, poderão assistir a vários títulos programados pelo festival em duas plataformas online – a do próprio evento e a do Itaú Cultural. A seleção inclui títulos das mostras Panoramas e Homenagem e deverá ser visualizada no endereço mostratiradentes.com.br, entre 24 de janeiro e primeiro de fevereiro. Um recorte especial será ofertado na IC Play (de 3 a 16 de fevereiro), em https://www.itauculturalplay.
MOSTRA OLHOS LIVRES (competitiva)
. “A Vida Secreta de meus Três Homens” (PE), de Letícia Simões
. “Deuses da Peste” (SP-MG), de Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado
. “Batguano Returns – Roben na Estrada” (PB), de Tavinho Teixeira e Frederico Benevides
. “Prédio Vazio” (ES), de Rodrigo Aragão
. “A Primavera” (PE), de Daniel Aragão e Sergio Bivar
. “O Mundo dos Mortos” (RJ), de Pedro Tavares
. “As Muitas Mortes de Antônio Parreiras” (RJ-CE), de Lucas Parente
MOSTRA AURORA (competitiva)
. “Cartografia das Ondas” (RJ), de Heloisa Machado
. “Margeado” (ES), de Diego Zon
. “Um Minuto é uma Eternidade para Quem está Sofrendo” (SE), de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro
. “Nem Deus é tão Justo Quanto seus Jeans” (SP), de Sergio Silva
. “Kickflip” (SP), de Lucca Filippin
. “Resumo da Ópera” (CE), de Honório Félix e Breno de Lacerda
. “Sem Título # 9: Nem Todas as Flores da Falta” (SP), de Carlos Adriano
. “Não me Abandone” (SP), de Gabriel Vieira de Mello
. “Entre Corpos” (AL), de Mayra Costa
. “Osmo” (DF), de Pablo Gonçalo
. “Estrela Brava” (RJ), de Jorge Polo
. “Mais um Dia” (AC, SP, BA), de Vinícius Silva
. “Trabalho de Amor Perdido” (SP), de Vinícius Romero
. “Ver Céu no Chão”(CE-RJ), de Isabel Veiga
. “Tamagotchi_balé” (RJ), de Anna Costa e Silva
. “Jamais Visto” (MG), de Natália Reis
. “O Mediador” (BA), de Marcus Curvelo
. “Marmita” (SP), de Guilherme Peraro
. “HEYARI: Espalhar Fumaça para Fazer Adoecer Colocando Feitiço no Fogo” (SC), de Daniel Velasco Leão
SESSÕES ESPECIAIS
. “Girassol Vermelho” (MG), de Éder Santos – Filme inaugural
. “Suçuarana” (MG), de Clarissa Campolina e Sérgio Borges – Filme de encerramento
MOSTRA AUTORIAS
. “Centro Ilusão” (CE), de Pedro Diógenes
. “Para Lota” (RJ), de Bruno Safadi e Ricardo Pretti
. “Uma Montanha em Movimento” (SP), de Caetano Gotardo
. “Parque de Diversões” (MG), de Ricardo Alves Jr.
. “Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá” (MG-MS), de Isael Maxakali, Luisa Lanna, Sueli Maxakali e Roberto Romero
MOSTRA PRAÇA
. “Malês” (RJ), de Antônio Pitanga
. “Milton Bituca Nascimento” (SP), de Flavia Moraes
. “3 Obás de Xangô” (RJ-BA), de Sergio Machado
. “Kasa Branca” (RJ), de Luciano Vidigal
. “Alma Negra: Do Quilombo ao Baile” (SP), de Flavio Frederico
. Três sessões com 15 curtas-metragens (cinco em cada uma)
. “Morte e Vida Madalena” (CE), de Guto Parente
. “A Voz de Deus” (SP), de Miguel Antunes Ramos
. “Não Estamos Sonhando” (CE), de Ulisses Arthur
. “O Monstro” (SP), de Helena Guerra
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