Panorama da Bahia sedia encontro histórico de exibidores de cinemas de pequeno e médio porte espalhados por todo país

Foto: Representantes de circuitos exibidores das cinco regiões brasileiras, em torno dos diretores do festival e programadores do Cine Glauber Rocha, Cláudio Marques e Marília Hughes: da região Norte, a diretora do Cine Cultura de Palmas (TO), Elisângela Dantas; pelo Centro-Oeste, o mato-grossense Alessandro Cintra (Cine Xin); do Sudeste, o mineiro Samuel Marotta (Cine Cultural Unimed); do Sul, Marden Machado, do Cine Passeio; do Nordeste, que abriga o Seminário, Luiz Joaquim, do Recife, Duarte Dias, de Fortaleza, e Guilherme Alves da Silva, do Rio Grande do Norte; e a programadora da Sala Walter da Silveira (Salvador), Daiane Silva © Patrícia Almeida

Por Maria do Rosário Caetano, de Salvador (BA)

A vigésima edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema promoveu, em paralelo às suas três mostras competitivas, concorrido Seminário de Exibição, que reuniu 40 exibidores. São profissionais atuantes nas cinco regiões brasileiras, que programam pequenos (ou médios) circuitos de exibição.

Em maioria, os profissionais mobilizados pelo festival baiano são independentes e se ocupam da administração de uma, duas, três ou quatro salas. Entre os convidados, estão exibidores vindos do Amapá, caso de Jack Silva, do circuito Movieland; de Elisângela Dantas, do Cine Cultura de Palmas, no Tocantins; do potiguar Guilherme Alves da Silva, do Cineland de Caicó; e do mato-grossense Alessandro Cintra, que mantém quatro salas, duas em Cáceres e duas em Lucas do Rio Verde.

A eles somam-se representantes de circuitos bem mais encorpados e conhecidos. Caso do Cine Glauber Rocha, administrado por Cláudio Marques e Marília Hughes, com quatro salas. O casal de anfitriões do festival e do Seminário de Exibição mobilizou quatro dezenas de exibidores com a intenção de expandir e integrar o circuito alternativo ou independente de todos os Brasis. Por isso, foi criada a Associação de Pequenos e Médios Exibidores do Brasil, a AExiBe.

De todos os participantes do Seminário, o profissional com mais cinemas é Renan Brittis, que comanda 68 salas do Circuito Cine A, espalhadas por Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco, Pará, Goiás e Rio. Seguem-se a ele diversos exibidores de médio porte, como Geandes Formiga, com 53 salas (Circuito Multicine) espalhadas pelo Nordeste (RN, PI, MA e CE), Centro-Oeste (DF e GO) e Sul (SC e PR); Júnior Vilhena, do Cine Laser, com 44 salas (na região Norte), Carlos Búrigo, do Cine Gracher, com 34, todas no Paraná; Cícera Gomes Silva, que representou o grupo PlayArte (a empresa programa 27 salas em São Paulo); Miltinho Durski, do Cine Plus, que mantém 20 salas no PR e SC; e o pernambucano Paulo Menelau, do Circuito Moviemax, que também conta com número significativo de salas, 16 (todas em seu estado natal).

Dois grupos muito conhecidos no eixo Rio-São Paulo — o Estação Botafogo, de Adriana Rattes e sócios, com 13 salas cariocas, e o Espaço de Cinema, de Adhemar Oliveira, com nove (SP, MG e BA) — estão aqui representados. Por atuarem em grandes capitais brasileiras, conquistaram imensa visibilidade. Também são significativos os circuitos de João Bosco Pinheiro, com 13 salas no Ceará; o santista Roxy, representado por Mauricio Moriyama (com 13); Thiago Pereira, do Cine Master, com 11 salas espalhadas pelos estados de SP e RJ; e Edison Andrade, do Grupo Imperial, com 10 salas na Bahia.

Boa parte destes pequenos circuitos é mantida por governos municipais, estaduais ou federal. O caso mais vistoso deles é o do Circuito da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, composto de três salas. Numa das mesas do Seminário, o programador do espaço, o crítico e professor Luiz Joaquim, lembrou que o primeiro cinema mantido pelo organismo federal (da estrutura do MEC), nasceu em 1998, no bairro do Derby, ponto privilegiado da cidade, de fácil acesso. Seu programador era Kleber Mendonça, então crítico de cinema e só depois festejado diretor de “O Som ao Redor” (exibido e debatido no Panorama 2025, com sala lotada), “Aquarius” e “Bacurau”.

“As primeiras sessões” — lembrou Luiz Joaquim, que na ocasião era assistente de Kleber — “mobilizavam três ou quatro espectadores numa sala que contava com 322 assentos (reduzidos para 160, depois de reforma modernizadora)”. Mas “persistimos e encerramos o primeiro ano com sete mil espectadores. A situação foi melhorando. Exibimos ‘Dançando no Escuro’ (2000), de Lars von Trier, e vendemos 8 mil ingressos. O sucesso do filme dinamarquês foi tão grande que a UCI (poderosa rede exibidora) programou, depois de nós, o mesmo filme, para atender à população dos bairros em que mantém suas salas. Hoje, passados quase 27 anos da implantação de nossa primeira sala, já mobilizamos 60 mil espectadores por ano”.

O sucesso da sala, que funciona na sede principal da Fundação Joaquim Nabuco, criada 75 anos atrás por Gilberto Freyre, gerou o nascimento de duas outras, mantidas em novas sedes da instituição federal — uma, criada em 2015, no bairro de Casa Forte, com 166 lugares, e outra, mais recente, em 2022, com 138 lugares (no 16º andar do prédio do Porto Digital, no Recife Antigo).

O cearense Duarte Dias, que programa o Cine Theatro São Luiz, de Fortaleza (sala de 1.050 lugares — 606 no térreo e 384 no mezanino), lembrou que o sexagenário cinema, mantido pelo Governo do Estado, dedica duas semana por mês à exibição de filmes. E que às exibições são acrescidas outras atividades, como espetáculos teatrais e shows. Sendo um cinema de rua, localizado no centro histórico da cidade, ele não funciona aos domingos, pois a região fica deserta, já que o comércio não funciona. O espaço é dinamizado com pré-esteias de filmes, festivais (como o Cine Ceará) e o projeto Escola do Cinema, que recebe estudantes da capital e até de cidades do interior, para que a garotada tenha contato com um cinema de grandes dimensões e beleza e vejam filmes, de curta ou longa-metragem, na telona. O São Luiz ganhou uma sala complementar, a que homenageia o projecionista Seu Vavá (com 45 assentos).

Para atrair público ao cinema fortalezense, criado por Luiz Severiano Ribeiro e adquirido pelo Governo do Estado (senão viraria igreja), Duarte e equipe promovem atividades muito especiais. Ele citou dois casos representativos. “Quando exibimos ‘Minha Fama de Mal’, de Lui Farias, sobre a trajetória de Erasmo Carlos, trouxemos o artista para show após o filme e foi um sucesso”. O mesmo aconteceu com “Meu Sangue Ferve por Você”, de Paulo Machline, cinebiografia de Sidney Magal, seguido também de show do cantor. “Houve imensa procura de ingressos”.

Exibidores que participaram do Seminário de Exibição do Panorama © Patrícia Almeida

Dois convidados internacionais, os franceses Rafael Maestro (do Circuito Passion), presidente da Petite Exploitation Fédération Nationnale des Cinémas, e Mónica Florez (do Circuito Utopia, com três salas, em Toulouse) participaram do Seminário de Exibição, por via digital. Ambos descreveram a rede de apoio construída pela França para salvaguardar sua importante indústria artístico-comercial-cinematográfica.

Maestro lembrou que, no Pós-Guerra, os EUA chegaram com tudo para ajudar a reconstruir a Europa. E chegaram exigindo plena disseminação de sua produção de sedutores filmes. Os franceses reagiram e criaram leis protecionistas para a produção nacional, sem esquecer a rede de distribuição e exibição dos filmes. Tanto nas grandes cidades, quanto nas pequenas e nas zonas rurais. Tal legislação existe até hoje e segue em permanente aperfeiçoamento.

Um dos itens das novas leis francesas protegia a criação de circuito de filmes de arte e ensaio. “Por isso” — explicou Maestro —, “nós, pequenos e médios exibidores, contamos com parcela da TSA (taxa de 10% cobrada do grande circuito exibidor, de canais de TV e internet). Há, ainda, exigência de que 20% dos lucros das plataformas de streaming sejam investidos em filmes e séries francesas”.

Os recursos captados com a TSA são carreados para um fundo e distribuídos, com juros subsidiados, a projetos que atendam aos diversos segmentos da cadeia cinematográfica. Incluindo salas públicas e privadas, nas capitais federal e provinciais, mas sem esquecer cidades pequenas, balneários e a zona rural.

Os pequenos e médios exibidores franceses recebem apoios financeiros até da União Europeia, composta por 27 países. Um dado impressionou os participantes do Seminário baiano. Em 2023, havia 6.300 salas de cinema na França, sendo 2.200 delas agregadas ao circuito de arte e ensaio. Que privilegia a produção francesa e europeia, mas sem esquecer cinematografias do resto do mundo.

Na França, os poderosos multiplexes (com mais de 12 salas) respondem por 34% do número de ingressos vendidos; 28% cabem a complexos de oito a 12 salas; 11% aos circuitos de seis e sete telas; 9,8% (de quatro e cinco) e 2,3% (duas ou três). Os espaços com uma só tela ficam com fatia significativa: 8,7%. O que demonstra a força da cinefilia francesa e a fidelidade de significativa de parte da população por “espaços afetivos” representados por cinemas de rua e cineclubes.

As estatísticas francesas deixaram os pequenos exibidores e, em especial, os programadores de cinemas de vocação educativo-cultural, com água na boca. Enquanto no Brasil, a Lei Cristovam Buarque, que prevê exibição de filmes brasileiros, por (apenas) duas horas semanais, nas escolas não deslancha, no país dos Lumière, o sistema educacional serve como poderoso estimulador da fruição de filmes franceses.

O espaço dedicado ao tema “O Modelo Francês e como a França Reconquistou seu Próprio Mercado” serviu como aperitivo para futura troca de experiências entre os dois países, com realidades tão diferentes (os filmes franceses ocupam média de 35 a 45% de seu mercado interno. O Brasil luta historicamente para ultrapassar os 15%. Há otimismo nesse momento, graças ao sucesso de “Ainda Estou Aqui”, filme que rendeu o primeiro Oscar ao cinema brasileiro.

Em um dos momentos mais instigantes de sua palestra, o parisiense Rafael Maestro destacou a necessidade de manter a confiança do público das salas de arte e ensaio, na qualidade da programação. E defendeu o estímulo permanentemente às relações de “proximidade afetiva” com o espectador. Esta ideia estimulou o distribuidor Ubirá Machado, da Descoloniza Filmes, a reforçar a importância das “redes de afeto” criadas por alguns cinemas com seus frequentadores.

Para Machado, o caso mais impressionante, em sua experiência com salas de cinema brasileiras, se passa no Recife, território das três salas da Fundação (Joaquim Nabuco)”. Ele destacou, também, o Cine São Luiz cearense. Em São Paulo — na compressão do distribuidor —, não se verifica nada parecido. Mas ele fez questão de destacar o pequenino Cine LT 3, em Perdizes (de 33 lugares), que mantém rede de WhatsApp com seus frequentadores e realiza programações muito especiais e mobilizadoras. Citou ainda o Belas Artes, de André Sturm, na Consolação paulistana, que tem buscado criar uma rede de afetos com seus frequentadores. Lembrou, por fim, o trabalho do incansável cineasta, cinéfilo e agitador cultural Cavi Borges, no Estação Botafogo e Net, no Rio de Janeiro.

Recife, a elogiada cidade, louca por cinema, já sediou dois encontros de exibidores que mantêm circuitos de pequeno e médio porte. Mas nenhum do tamanho deste realizado pelo Panorama de Cinema. Além dos 40 exibidores, foram mobilizadas distribuidoras (Cajuína, Descoloniza, Embaúba Filmes, Olhar Filmes, Gullane+ e Fistaile), gestores públicos (Joelma Gonzaga, da SAV-MinC, Paulo Alcoforado, da Ancine, Leandro Pardí , da Spcine, Milena dos Anjos, da Salcine – Cinema Soteropolitano, Pola Ribeiro, da recém-criada pelo Governo do Estado Bahia Filmes, Leonardo Edde, da RioFilme, e Gabriel Pires, do NordesteLAB, também baiano) e professores de universidades que se preocupam com a difusão do cinema (UFRB – Universidade Federal, do Recôncavo Baiano, UFBa, Universidade Federal da Bahia, entre outras).

O Boletim Filme B se fez representar, com sua imensa experiência, pelo craque Rodrigo Saturnino Braga, ex-Embrafilme e ex-Columbia Pictures. Exibidores de cidades sem grande tradição de cinefilia também marcaram presença. Caso do potiguar Guilherme Alves da Silva, com atuação em Caiocó, de Jack Silva, do Amapá e da Amazônia (ele será empossado como presidente da AExiBe), e do mato-grossense Alessandro Cintra. Elisângela Dantas fez palestra sobre seu trabalho como programadora do Cine Cultura Sala Sinhozinho, em Palmas, e apresentou pesquisa sobre “A Cinematografia Tocantinense: suas Obras e seu Legado”. A sala que ela programa, de 170 lugares, é mantida pelo poder público e vem formando uma nova geração de cinéfilos, com amplo calendário de atividades audiovisuais. E ênfase no cinema brasileiro e no cinema de arte e ensaio internacional.

O Seminário baiano contou, também, com duas meses dedicadas a festivais. Uma com Ana Sousa, sobre o Sundance Film Festival, criado há 40 anos pelo ator Robert Redford, e que prepara, agora, sua mudança do estado de Utah para o Colorado. Outra de Josiane Osório de Carvalho, do Lobo Fest, que preside o Fórum dos Festivais.

Ana Sousa, brasileira radicada nos EUA desde a juventude, é uma das dez selecionadoras-programadoras do Sundance. Ela contou que o evento recebe, em média, 15 mil inscrições de filmes, a cada ano. Destes, 3 mil são longas-metragens, e 12 mil, curtas. Para selecionar média de 100 títulos, aqueles que participarão de quatro competições — a estadunidense (longas e curtas ficcionais e documentais) e internacional (idem) —, os dez profissionais, auxiliados por colaboradores renumerados, assistem aos filmes durante o ano inteiro.

A mudança para o estado do Colorado (a partir de 2027) foi motivada por “razões de natureza econômica e política”. No primeiro caso “estão os custos de hospedagem em Park City, principal sede do evento, uma estação de esqui, que atrai milhares de turistas. Uma diária chega a custar 800 dólares”. Para complicar, “o Utah é um estado conservador, aliado de Donald Trump, que vem adotando legislação antitransgêneros”. Tal postura “contraria os princípios do festival, totalmente aberto ao cinema queer. O Colorado tem governo democrata”.

O interesse do Sundance pelo cinema brasileiro é significativo, na avaliação de Ana Sousa. Tanto que, em um só e recente ano, três longas-metragens foram selecionados: as ficções “Marte Um”, de Gabriel Martins, e “Amor Divino”, de Gabriel Mascaro, e o documentário “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa. Ano passado, o representante brasileiro foi “Malu”, de Pedro Freire.

One thought on “Panorama da Bahia sedia encontro histórico de exibidores de cinemas de pequeno e médio porte espalhados por todo país

  • 8 de abril de 2025 em 09:13
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    Panorama da Bahia, adorei o “encontro histórico de exibidores de cinema de pequeno e médio porte espalhados por todo o país”, matéria detalhada e nominativa das experiências consolidadas nacional e internacionalmente. “O cinema ainda é a maior diversão”…

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