Prêmios Platino consagram “Ainda Estou Aqui”, como melhor filme, Fernanda Torres como melhor atriz e Walter Salles como melhor diretor

Por Maria do Rosário Caetano

O filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, quebrou um tabu: foi o grande vencedor do Prêmio Platino de melhor filme ibero-americano. E venceu nas três categorias que disputou. Além de melhor filme e direção, Fernanda Torres foi eleita a melhor atriz.

Desde que o prêmio foi criado em 2014 – e entregue, em Ciudad Panamá, para o chileno “Glória”, de Sebastián Lélio – que o Brasil não via chegada a sua hora. Pois chegou. O placar agora ostenta um filme falado em português. E ele só fez confirmar a imensa recepção alcançada por “Ainda Estou Aqui”, desde sua estreia no Festival de Veneza, em setembro do ano passado, quando triunfou na categoria melhor roteiro. Depois seguiram-se o Globo de Ouro para Fernanda Torres, o Goya de melhor filme ibero-americano e Oscar de melhor filme internacional. Se não bastasse tamanho reconhecimento, o filme tornou-se um blockbuster no mercado brasileiro (quase 6 milhões de espectadores), foi vendido para dezenas de países, e acba de chegar ao mercado chinês (com ingressos para as primeiras sessões esgotados).

Nas onze edições anteriores dos Prêmios Platino – organizado pela Egeda, Fipca e Academias de Cinema oriundas de 23 países –, a Argentina levou três grandes prêmios, a Espanha outros três, Chile e Colômbia, dois cada, e o México, um (ver lista no final). Agora o Brasil conseguiu ultrapassar a Cordilheira dos Andes simbólica que nos separa dos países de hispano-hablantes. E, esse ano, excepcionalmente, um filme de Portugal – “Grand Tour”, de Miguel Gomes, chegou à condição de finalista. Não ganhou, mas é muito bom e está disponível no streaming (na Mubi).

Nem Walter Salles, nem sua protagonista, Fernanda Torres, compareceram a Madri para a cerimônia de premiação. O diretor se fez representar por um dos produtores do filme, Rodrigo Teixeira, e a atriz, por sua “filha na ficção”, a jovem Valentina Herszage.

Walter mandou agradecimento sintético e sóbrio. Fernanda foi mais enfática. Agradeceu o prêmio vindo de uma parte do mundo, a Península Ibérica e a América Latina, território de diretores e atores maravilhosos, que ela fez questão de nominar: “Buñuel, Almodóvar, Iñarritu, Cuarón, Glauber Rocha, Norma Aleandro, Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier Barden”, entre outros, inclusive sua mãe, Fernanda Montenegro. Terminou com um brado: “Ditadura nunca mais”.

Quando Valentina Herszage desceu do palco, os apresentadores chamaram ao proscênio os outros grandes vencedores da noite – a trupe que tirou “Cem Anos de Solidão” da solidão audiovisual em que vivia. Como “Ainda Estou Aqui”, a série colombiana foi escolhida como a melhor de toda Ibero-América, e ainda ganhou os Platinos de melhor ator, o magnífico Claudio Cataño, intérprete do Coronel Aureliano Buendía, e de melhor coadjuvante, para Jairo Camargo, que encarnou Apolinar Moscote.

A colombiana Marleyda Soto, intérprete da matriarca dos Buendía, era franca favorita ao Platino de melhor atriz de série. Mas trombou com a almodovariana Candela Peña, que se entregou de corpo e alma a uma mãe acusada de matar a própria filha, no drama criminal “El Caso Asunta”. Saiba o leitor que todas as séries indicadas ao Platino estão disponíveis no streaming. E que a derrota de Marleyda, que derramava simpatia na plateia e nas vezes que subiu ao palco, não foi injusta. Ela está magnífica. E Candela Peña, também. Era um duelo de “gigantas”.

A equipe de “Cem Anos de Solidão” ainda festejava no palco, quando o sinal do Canal Brasil, que transmitia a festa, caiu. Justo no ano em que o Brasil arrasou! Quebrou o tabu! Culpa, em parte, dos organizadores da festa, que exageraram nos números musicais e fizeram a cerimônia se alongar. Mas a internet permitiu aos interessados informar-se sobre a aguardada vitória de “Ainda Estou Aqui” como o grande vencedor da festa madrilenha. Aliás, ano que vem, depois de cinco edições na capital espanhola, os prêmios Platino voltarão à Riviera Maya, no Golfo do México, sede das badaladíssimas edições de 2018 e 2019.

O primeiro prêmio anunciado na noite madrilenha (tarde na América Latina) foi merecidíssimo: o boliviano “El Ladrón de Perros”, de Vinko Tomicic, conquistou a estatueta de melhor opera prima (filme de diretor estreante).

O cineasta subiu, feliz, ao palco, mas sem seus protagonistas, o ator chileno Alfredo Castro, que interpreta um alfaiate, e o boliviano Franklin Aro Huasco, um jovem rebelde, que vive solto pelas calles. Castro subiria, depois, ao palco, para, junto com a atriz mexicana Adriana Barraza, anunciar o prêmio de melhor ator coadjuvante para Daniel Fanego, do argentino “O Jockey”. Coube a Adriana prantear a morte do ator, que ocorrera em setembro do ano passado. Para receber a estatueta, subiu ao palco o filho do laureado.

O Brasil, além dos três prêmios peso-pesado de “Ainda Estou Aqui”, faria bonito no terreno das minisséries. As apresentações de “Senna” e de “Cidade de Deus – A Luta Não Para” foram feitas com boas informações lidas pelos irmãos Caio e Fabiano Gullane (da primeira) e Andrea Horta e Alexandre Rodrigues, estes dois, de “Cidade de Deus”, vestidos a caráter. Andrea num tomara-que-caia vermelho, que valorizou sua presença em cena. E Alexandre parecia um príncipe afro-brasileiro, com os cabelos muito bem trançados e um paletó drapejado, dos mais vistosos.

Valentina Herszage, com os cabelos oxigenados, continua linda, mas usou um vestido preto dos mais pesados, inadequado para sua juventude. Será a recorrente história do luto infinito por Eunice Paiva? Ela, a viúva que fazia questão de sorrir nas fotos, para cultivar a vida?!

Voltemos ao audiovisual: “Senna” ganhou o Platino de “melhor criador de série” para o quarteto Vicente Amorim, Fernando Coimbra, Luiz Bolognesi e Patrícia Andrade. Bolognesi foi ao palco e mandou bem, com agradecimento sintético e bem informativo. O Brasil, no final das contas, converteu em prêmios (todos importantes) quatro das onze categorias que disputou.

O cinema de animação brasileiro bem que merecia o Platino da categoria, pois “Arca de Noé” é um trabalho de muito fôlego. Mas os votantes preferiram o espanhol “Mariposas Negras”, narrativa sobre mudanças climáticas que estão trazendo terríveis transformações às mais diversas partes do Planeta. Em seu agradecimento, o diretor David Blaute lembrou “os refugiados climáticos, que já passam de 22 milhões de desterrados”. E propôs: “façamos o mundo mais habitável”.

Os dois filmes com maior número de indicações ficaram com poucos troféus. O espanhol “A Infiltrada”, que disputava onze categorias, recebeu dois Platino (melhor roteiro para Arantxa Echevarria e Amélia Mora, e montagem, para Victoria Lammers). O filme tem como protagonista uma jovem infiltrada no ETA, o movimento revolucionário basco, e eletrizou a Espanha. Fez grande bilheteria e dividiu o Goya principal com o drama social “El 47”, outro sucesso de público.

A inventiva e desconcertante comédia argentina “El Jockey” também recebeu muitas indicações (nove). Só converteu uma – melhor ator coadjuvante (o já lembrado Daniel Fanego). Melhor sorte teve “O Quarto ao Lado”, de Pedro Almodóvar. Falado em inglês, mesmo assim conquistou dois Platino (melhor fotografia, para Edu Grau, e melhor trilha sonora, para o papa-prêmios Alberto Iglesias).

O melhor ator foi Eduard Fernández, genial em “Marco – A Verdade Inventada”, de Aitor Arregi e Jon Garaño, e na pele de um motorista de ônibus em “El 47”, de Marcel Barrena. Quem assistir aos dois filmes não acreditará que o mesmo ator fez o espanhol que se faz passar por um egresso de campo de concentração. Ele mente tanto, que passa a acreditar em sólida “verdade” por ele construída.

“El 47” só conquistou o prêmio de melhor atriz coadjuvante (para Clara Segura). Ela interpreta freira, dedicada à educação de moradores pobres de bairro periférico de Barcelona – Torre Baró. E deixa o hábito para casar-se com o motorista de ônibus idealista.

O ator Oscar de la Fuente, que apresentou o filme e representou a atriz laureada, explicou que “causa justa marcava a ausência de Clara Segura”. Ela estava, “naquela mesma noite, num palco teatral, mas que agradecia efusivamente o reconhecimento”. E contou que “El 45” causou imenso impacto social em Barcelona. Deu nome a uma praça pública e alunos de muitas escolas espalhadas por bairros periféricos foram assistir ao filme”. Hoje, concluiu, “Torre Baró não é mais um bairro esquecido atrás de uma montanha”.

O México conquistou com “El Eco”, de Tatiana Huezo, o Platino de melhor documentário. Merecidíssimo, pois o filme é esteticamente ousado e nos conta uma bela história. A de gente que tira seu sustento criando cabras e carneiros num lugar perdido. Que deixa os jovens sem destino (e sem condições de prosseguir nos estudos, se não migrarem para a cidade).

O Júri Popular, que votou pela internet, só quis saber dos filmes (e atores) espanhóis. Por sorte, apaixonou-se pela colombiana “Cem Anos de Solidão” (melhor série e melhor ator, para Cláudio Cataño). Já o superestimado “A Infiltrada” foi eleito como o melhor filme. E seus protagonistas — Carolina Yuste  e Luís Tosar — os melhores atores. A melhor atriz de TV foi a espanhola Candela Peña, por “El Caso Asunta”.

Confira os vencedores:

CINEMA

. “Ainda Estou Aqui” (Brasil) – melhor filme, direção (Walter Salles) e atriz (Fernanda Torres)
. “El Eco”, de Tatiana Huezo (México) – melhor documentário
. “Mariposas Negras”, de David Blaute (Espanha) – melhor longa de animação
. “El Ladrón de Perros”, de Vinko Tomicic (Bolívia) – melhor opera prima (filme de diretor estreante)
. “Buscando a Coque” (“Dormindo com Seu Ídolo”), de Teresa Bellón e Cesar F. Calvillo (Espanha-EUA) – melhor comédia
. “Memórias de un Cuerpo que Arde”, de Antonella Sudassi (Costa Rica) – Prêmio Educação em Valores
. “A Infiltrada” (Espanha) – melhor roteiro ( Arantxa Echevarria e Amélia Mora), montagem (Victoria Lammers)
. “O Quarto ao Lado”, de Pedro Almodóvar (Espanha-EUA) – melhor fotografia (Edu Grau), melhor trilha sonora (Alberto Iglesias)
. “Marco – A Verdade Inventada”, de Aitor Arregi e Jon Garaño (Espanha) – melhor ator (Eduard Fernández)
. “El 47”, de Marcel Barrena (Espanha) – melhor atriz coadjuvante (Clara Segura)
. “El Jockey”, de Luiz Ortega (Argentina) – melhor ator coadjuvante (Daniel Fanego)
. “Pedro Páramo”, de Rodrigo Prieto (México) – melhor direção de arte (Eugenio Caballero e Carlos Y. Jacques)
. “Segundo Prêmio”, de Isaki Lacuesta e Pol Rodrigues (Espanha) – melhor som (Diana Sagrista, Alejandro Castillo, Eva Valiño e Antonin Dalmasso)
. Eva Longoria – Platino de Honor (Homenagem Especial)

TELEVISÃO

. “Cem Anos de Solidão” (Colômbia- Netflix) – melhor série ou telessérie, melhor ator (Claudio Cataño), melhor coadjuvante (Jairo Camargo)
. “Senna” (Brasil – Netflix) – melhor criador de série (Vicente Amorim, Fernando Coimbra, Luiz Bolognesi e Patrícia Andrade)
. “El Caso Asunta” (Espanha) – melhor atriz de minissérie ou telessérie (Candela Peña)
. “Tierra de Mujeres” (Espanha-EUA) – melhor atriz coadjuvante de minissérie ou telessérie (Carmen Maura)

VENCEDORES DOS PRÊMIOS PLATINO (melhor filme)

2025 (Madri) – “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (Brasil)
2024 (Madri) – “A Sociedade da Neve”, de Juan Antonio Bajon (Espanha)
2023 (Madri) – “Argentina 1985”, de Santiago Mitre (Argentina)
2022 (Madri) – “El Buen Patrón”, de Fernando Leon de Aranoa (Espanha)
2021 (Madri) – “El Olvido que Seremos”, de Fernando Trueba (Colômbia)
2020 (Edição virtual, pandemia) – “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar (Espanha)
2019 (Riviera Maya) – “Roma”, de Alfonso Cuarón (México)
2018 (Riviera Maya) – “Uma Mulher Fantástica”, de Sebastián Lélio (Chile)
2017 (Madri) – “O Candidato Ilustre”, de Gastón Duprat e Mariano Cohn (Argentina)
2016 (Punta del Este) – “O Abraço da Serpente”, de Ciro Guerra (Colômbia)
2015 (Marbella) – “Relatos Selvagens”, de Damián Szifron (Argentina)
2014 (Panamá”) – “Glória”, de Sebastián Lélio (Chile)

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