China retribui lançamento de “Detetive Chinatown” com exibição de “Ainda Estou Aqui” em 10 mil salas

Por Maria do Rosário Caetano

Para comemorar a visita do Presidente Lula à China, o país de Xi Jinping programou o lançamento comercial de “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, em 10 mil cinemas espalhados por todo seu território. Ou seja, na nona parte do circuito exibidor da China continental, que totaliza 90 mil salas. Outras dez mil (muitas em imax) estão nos planos de expansão da segunda maior economia do mundo.

Em contrapartida, a Sato Company, distribuidora paulistana, lança um título – “Detetive Chinatown: O Mistério de 1900” —, quarta parte de franquia bilionária gerada pela máquina de entretenimento do país de Jia Zhang-Ke, Zhang Yimou e Chen Kaige. Ou seja, vai daqui um filme de arte, premiado com o Oscar internacional, e, em troca, recebemos um amálgama de peripécias detetivescas, mistério, ação e aventura histórica.

A franquia do Detetive Chinatown, espelhada no cinema blockbuster norte-americano, já ambientou suas tramas em Bangkok, na Tailândia, em Nova York e em Tóquio. Todas elas situadas no tempo presente. Agora chegou a vez de San Francisco, outra grande cidade norte-americana, mas o tempo volta ao passado (virada do século XIX para o XX).

Nelson Sato, que se dispôs a difundir, no Brasil, o cinema asiático, já lançou muitos filmes japoneses e coreanos. Entre os destaques recentes estão vencedores do Oscar como “O Menino e a Garça”, de Hayao Miyazaki (melhor animação), e “Godzilla Minus One” (Oscar de efeitos especiais). A China, porém, continuava em baixa na carteira de lançamentos do distribuidor nipo-brasileiro.

Ano passado, Sato foi ao Festival de Pequim, a convite do Ministério da Cultura do Brasil, e adquiriu dois filmes. O primeiro, “Detetive Chinatown 4”, estreia nessa quinta-feira, 15 de maio. O segundo é uma ficção científica — “Terra à Deriva 2” — inspirada em livro do escritor Liu Xixin”. Segundo o Boletim Filme B, “este filme, estrelado por Wu Jing, tem uma astronauta brasileira em seu elenco”. Ela se chama Daniela Tassy. Sua estreia está agendada para o próximo dia 5 de junho.

“Detetive Chinatown: O Mistério de 1900” é o primeiro título da franquia a ser dirigido em dupla. Seu criador Chen Sicheng convidou, para ajudá-lo, um parceiro, Dai Mo, oriundo da direção de séries de TV.

Concluída, a megaprodução chinesa estreou em milhares de salas em seu país de origem, no começo deste ano. “Detetive Chinatown” tornou-se um estouro na venda de ingressos. A ponto de figurar, naquele momento, como a terceira maior bilheteria da temporada mundial. Afinal, arrecadou, em seu mercado interno e em outros países (da Ásia e África), US$ 488 milhões. Sim, de dólares.

A China continental, quando vivia isolada do mundo e realizava dramas cívicos e filmes operísticos para enaltecer a Revolução maoísta, era solenemente ignorada pelo mercado de cinema. Com as transformações recentes, o país, que ingressou na OMC (Organização Mundial do Comércio) em 2001, passou a vender suas mercadorias e a buscar espaço para sua produção audiovisual.

O cinema chinês, porém, entrou em cena não com filmes de arte estrelados por Gong Li ou dirigidos por Yimou e Kaige (depois por Jia Zhang-Ke, tema do longa documental “Um Homem de Fenyang”, de Walter Salles).

O cinema chinês que está bombando em suas 90 mil salas (e em outros países asiáticos e africanos) nada tem a ver com os filmes de arte que participam de festivais internacionais. Se Hollywood domina o mundo com filmes de ação, mistério, aventura, ficção científica e animação, por que não seguir pelos mesmos caminhos?

Esta proposta triunfou e, com ela, o sucesso comercial se materializou. E, para alegria dos estrategistas chineses, um mega arrasa quarteirão se impôs. E o fez quebrando recordes: a animação “Ne Zha 2” — como registrou o Boletim Filme B, que hoje acompanha o mercado chinês — “tornou-se o primeiro filme a superar US$ 1 bilhão de renda em apenas um território”. E mais: tornou-se “a primeira produção não-hollywoodiana a entrar no Clube do Bilhão”. O quarto título da franquia, ambientado na Califórnia — “Detetive Chinatown 4” — não foi tão longe nas bilheterias, mas beirou o meio bilhão de dólares.

Afinal, o que propõe este filme escolhido por Nelson Sato para reforçar sua cartela asiático-chinesa de lançamentos?

Sustentado em narrativa pop (tem até “Only You” na trilha sonora), “Detetive Chinatown” promove acelerado coquetel de gêneros capaz de ombrear-se com alguns blockbusters made in USA. Até ator conhecido de nosso público, o estadunidense John Cusack, destaca-se no elenco. Ele interpreta o congressista Grant, personagem central na exploração do sentimento antichinês, que toma conta dos californianos. O filme não se esquecerá de lembrar a histórica exploração de mão de obra de imigrantes asiáticos na San Francisco daquele alvorecer do Novecento.

A trama é rocambolesca: a filha de congressista norte-americano, que odeia imigrantes asiáticos, é assassinada. O principal suspeito será o filho de Bai Xuanling (o astro oriental Chow Yun-Fat, de “O Tigre e o Dragão”), homem de grande influência em Chinatown, o bairro chinês de San Francisco. O crime revoltará a população local, que se enfurecerá contra os imigrantes de olhos puxados. Lideranças políticas e comunitárias anglo-saxãs defenderão, inclusive, o fechamento do distrito e a expulsão dos amarelos, tidos como imundos e difusores de doenças.

Para tentar salvar o filho e evitar a perseguição aos imigrantes chineses, Bai Xuanling recorrerá ao jovem “mestre do raciocínio”, o detetive Qin Fu (interpretado pelo galã Liu Haoran), que se associa a Ah Gui (Wang Baoqiang), uma espécie de homem de mil-ofícios-e-capacidades, recém-chegado à cidade disposto a vingar seu pai adotivo. Juntos, os dois formarão dupla improvável e tentarão descobrir o que realmente aconteceu. Ou seja, desvendar o crime que colocou a Chinatown sanfranciscana em polvorosa.

O currículo dos dois diretores é bem eclético. Chen Sicheng começou sua carreira como ator no início dos anos 2000, trabalhando em filmes de ação e no premiado drama LGBT “Febre de Primavera”(2009), de Lou Ye. Sua estreia como diretor se deu na série de TV “Beijing Love Story” (2012), que dois anos depois resultaria em filme do mesmo nome. Em 2015, assinou o roteiro e a direção de “Detetive Chinatown”, que inauguraria a lucrativa franquia.

Dai Mo, o codiretor, estreou como ator na série “Beijing Love Story”. Participou, em pequenos papéis, nos dois primeiros longas de “Detetive Chinatown”. Sua estreia na direção se deu em série de TV inspirada no universo do cinema. Dirigiu os longas “Fireflies in the Sun” (2021) e “Jornada sem Fim” (2023). Até estrear no blockbuster que agora chega ao Brasil.

Os quatro filmes da franquia “Detetive Chinatown” renderam US$ 1,8 bilhão nas bilheterias mundiais. No Brasil, deve alcançar resultado modesto. Destino de filmes que não têm astros anglo-saxões liderando seus elencos.

Registre-se que a Sato Company não conseguiu ocupar um nono dos cinemas brasileiros, como “Ainda Estou Aqui” o fez na China. Ou seja, a aventura do Detetive não será mostrada em 400 de nossas 3.600 salas. Mesmo assim, Nelson Sato avisa que o longa chinês chegará a cinemas de cinco cidades: além de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, São José dos Campos e Teresina.

Quem vê no cinema um espaço de diversão, mas também de reflexão, terá uma recompensa ao final das duas horas e 15 minutos de “Detetive Chinatown”. Em defesa dos imigrantes chineses, achincalhados como uma sub-raça, será lembrado o papel que eles desempenharam na construção de obras responsáveis pela grandeza dos EUA. Foram mão-de-obra fundamental na construção da primeira ferrovia norte-americana. E de muitos outros empreendimentos. Mas tal constatação se fará com economia de recursos narrativos, sem didatismo e retórica política.

A solução do crime, base do roteiro do blockbuster chinês – quem matou a filha do senador? – trará enorme (e rocambolesca) surpresa aos espectadores.

 

Detetive Chinatown: O Mistério de 1900
China, 2025, 135 minutos
Direção: Chen Sicheng e Dai Mo
Elenco: Chow Yun-Fat, John Cusack, Liu Horan, Wang Baoqiang, White-K, Zhang Xincheng, Yue Uupeng, Tai Bo
Roteiro e produção: Chen Sicheng
Fotografia: Du Jie
Montagem: Tang Hongjia
Música: Nathan Wang
Classificação etária: 16 anos
Distribuição: Sato Company

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