“Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados” narra tórrida história de amor e sexo no primeiro verão da Alemanha unificada
Por Maria do Rosário Caetano
“Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados” — estreia alemã dessa quinta-feira, 16 de maio — constitui título que parece a síntese perfeita de fala de Alexei, o irmão mais novo do romance dostoievskiano “Os Irmãos Karamázov”. O jovem assegura que “Algum dia, todos nós ressuscitaremos, nos reencontraremos e nos contaremos tudo um ao outro. Absolutamente tudo”.
“Os Irmãos Karamázov” é a leitura que ocupa as mãos e sentidos da bela adolescente Maria, protagonista de “Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados”, dirigido pela cineasta germânica Emily Atef e baseado em romance homônimo de Daniela Krien. Diretora e romancista escreveram, juntas, o roteiro do filme, exibido no Festival de Berlim e na Mostra Internacional de São Paulo, ano passado.
Maria, interpretada por Marlene Burow, é uma adolescente de 19 anos e de beleza ímpar (não se via alemã tão linda desde o aparecimento de Claudia Schiffer e Diane Kruger). Ela vive no porão do que restou de uma fazenda coletiva na Alemanha Oriental (ex-RDA, pois estamos no verão de 1990 e o Muro de Berlim acaba de ruir), junto com seu jovem namorado Johannes (Cedric Eich), membro da calorosa família Brendel.
Na sede maltratada de fazenda vizinha, vive Henner (Felix Kramer), um homem de temperamento bruto, modos rústicos e sex appeal exacerbado. Que gosta de beber vodka e evocar a mãe, que teria se perdido entre a literatura e o álcool.
O desmoronamento da República Democrática Alemã, a Socialista, já rendeu muitos filmes, um deles famoso no mundo inteiro – “Adeus, Lênin!” (Wolfgang Becker, 2004), que fez de Daniel Brühl um astro internacional. E que comoveu e mobilizou tanto a parte ocidental, quanto a oriental do país, vendendo seis milhões de ingressos. E chegando a mercados de todos os cantos do planeta.
O sucesso de “Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados” não fará sombra ao filme protagonizado por Daniel Brühl. A queda do Muro de Berlim se deu há mais de três décadas e o tema político, na narrativa de Emily Atef, apresenta-se apenas como pano de fundo. O que interessa a ela é construir um drama erótico-feminino. Escrito, dirigido e protagonizado por três mulheres.
As referências ao triunfo do capitalismo sobre o socialismo são sutis. Em visita à ocidental Munique, os jovens namorados Maria e Johannes encantam-se com moderno aparelho de som e ele gasta tudo que tem na compra de uma sofisticada câmera fotográfica. Para receber a visita de irmão que se refugiou no Oeste, os “campônios” do Leste vestem suas melhores roupas. Não querem fazer feio. Parente de Maria servirá a ela abundante creme de chantilly industrial, que jorra de tubo ultramoderno. Não mais aquele preparado lenta e manualmente na cremedeira. A adolescente, porém, comentará que o artesanal era mais gostoso.
Numa ampla e farta mesa de almoço ao ar livre, Maria relembrará, para satisfazer a curiosidade do tio “ocidental” de Johannes, os tempos de “pioneira” (criança em fase escolar, ocupada com atos de formação cívica). Cantará hino criado para evocar os sonhos de uma Alemanha “fraterna e socialista”. Ao invés de cair na galhofa, a sequência vê o coro de vozes crescer com todos cantando juntos.
Estes são fascinantes detalhes, todos desprovidos de maniqueísmo, da narrativa de Emily Atef. Àquela altura, praticamente tudo gira em torno da paixão que arrebata os sentidos de Maria. Ela, que fôra importunada pelo grosseiro Henner, 21 anos mais velho, acabará entregue a desejo e amor avassaladores. E marcados pela culpa. Mais dele, um homem sombrio, de quem pouco sabemos, que dela, disposta a enfrentar as dores que trará ao apaixonado Johannes e à decepção que provocará na família dele, que a acolheu com muito afeto.
Não fossem os espaços obscuros da mente humana, seria impossível entender o que impede a plena existência do casal à luz do dia (e que luz a registrada pelo fotógrafo Peter Hartwig impressa em amplas paisagens e campos de trigo). Maria e Henner não conseguem viver um sem o outro. Só que o quarentão é uma pessoa fora de esquadro.
Basta lembrar que, na primeira visita que ela fizera a ele, fora recebida com a oferta de bebida forte, vodka, logo rejeitada. Maria mostra interesse por literatura e, claro e acima de tudo, por sexo. Henner é bruto, mas capaz de gestos delicados, um deles, oferecer um lenço para ela enxugar o sangue menstrual.
Já na casa dos Brendel, cada dia mais apaixonado e envolvido pela fotografia, Johannes começa a executar tarefa que lhe dará ingresso na Escola de Leipzig. Ele deverá preparar ensaio sobre o meio que o cerca. Solicitará a Henner fotografá-lo na sua rústica fazenda. Num relance, registrará vulto de mulher na janela. Ao ampliar a foto em seu laboratório doméstico, Johannes descobrirá a identidade daquela figura feminina? Que consequências terá tal registro?
Emily Atef construiu um filme envolvente, adulto, com cenas de sexo muito bem filmadas, elenco notável e protagonista magnética. É difícil tirar os olhos do rosto de Marlene Burow.
Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados | Irgendwann Werden Wir Uns Alles Erzählen
Alemanha, 2023, 2h09′
Direção: Emily Atef
Roteiro: Emily Atef e Daniela Krien
Elenco: Marlene Burow (Maria), Felix Kramer (Henner), Cedric Eich (Johannes Brendel), Silke Bodenbender (Marianne Brendel), Siegfried Brendel (Florian Panzer), Christian Schornn (Harmut Brendel), Peter Schneider (Volker Brendel), Hannah (Jordis Triebel)
Produção: Karsten Stöter
Fotografia: Peter Hartwig
Música: Christoph M. Kaiser, Julian Maas
Montagem: Anne Fabini
Classificação: 16 anos
Distribuição: Imovision