“Pedágio”, “Elis & Tom” e “Perlimps” são os vencedores da Noite dos Otelos, que homenageou o Cinema Novo

Foto: Ruy Guerra, Zelito Vianna, Cacá Diegues, Othon Bastos, Lucy Barreto, Walter Lima Jr. e Antonio Pitanga © Davi Campana

Por Maria do Rosário Caetano

A “Noite dos Otelos”, promovida pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais, premiou, em sua edição de número 23, com a estatueta do ator Grande Otelo, os melhores filmes brasileiros lançados ano passado. Os vencedores foram “Pedágio”, ficção de Carolina Markowicz, o documentário “Elis & Tom – Só Tinha que Ser com Você”, de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, e “Perlimps”, animação de Alê Abreu. O público preferiu a comédia “Pérola”, de Murilo Benício.

Mais dois filmes – o thriller “O Sequestro do Vôo 357”, de Marcos Baldini, e o black movie “Mussum, o Filmis”, de Silvio Guindane – somaram o maior número de troféus da noite. O primeiro, sobre sequestro de avião da Vasp, que deveria ser arremessado sobre o Palácio onde despachava o presidente Sarney, somou seis troféus. O longa protagonizado por Ailton Graça, encarnado no humorista e cantor Mussum, dos Trapalhões, somou quatro Otelos.

“Pedágio”, segundo filme de Carolina Markowicz, protagonizado por Maeve Jinkings, conta a história de Suellen, uma cobradora de pedágio no Complexo Imigrantes-Anchieta, que – em busca de “cura gay” para seu filho – começa a juntar dinheiro de forma criminosa. Com os recursos auferidos, ela se dispõe a pagar pelos caríssimos serviços de um pastor estrangeiro.

O drama familiar “Tia Virgínia” conquistou dois prêmios para seu elenco estelar – melhor atriz para Vera Holtz, a Virgínia, e melhor coadjuvante para sua “irmã”, Vanda, interpretada pela veterana Arlete Salles.

Houve, ainda, troféus para “O Rio do Desejo” (fotografia) e “Aumenta que é Rock’n Roll” (trilha sonora). Saiu de mãos abanando o instigante “Noites Alienígenas”, de Sérgio Carvalho, vencedor do Festival de Gramado 2022. O “ovni acriano” figurava, porém, na cobiçada lista de candidatos a melhor filme. Vai entender!

A noite foi longuíssima e sem ritmo. Aproximou-se de quatro horas de duração, o dobro da enxuta “Noites dos Kikitos”, que esse ano configurou-se um luxo só. Sintética e cativante.

Por que Gramado fez uma festa ágil e a Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais arrastou-se madrugada adentro?

A resposta é óbvia: o comando da instituição preferiu ignorar o cronômetro gramadiano, que – pela primeira e bem-vinda vez – ofereceu dois minutos de fala a cada orador-agradecedor.

No momento mais emocionante da Noite dos Otelos – a homenagem aos 60 anos do momento de maior brilho do Cinema Novo (aquele em que três longas brasileiros estiveram em Cannes – “Vidas Secas” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, na disputa pela Palma de Ouro, e “Ganga Zumba”, na Semana da Crítica) pecou pela prolixidade.

Subiram ao palco Lucy Barreto, representando o produtor Luiz Carlos Barreto, de 95 anos, acamado por causa de queda doméstica, Ruy Guerra, Cacá Diegues, Walter Lima Jr e Zelito Viana. Para entregar o “Grande Otelo” ao quinteto, também subiram ao palco dois atores que ajudaram a fazer a grandeza cinemanovista – os baianos Othon Bastos e Antônio Pitanga.

Equipe do melhor longa de ficção, “Pedágio” © Roberto Filho

O cenário, lindíssimo, projetava cartazes da filmografia cinemanovista com excelente resultado visual. Quem assistiu à cerimônia transmitida pelo Canal Brasil só pode dar nota dez ao festival de cores, à brilhante escolha de trechos de filmes emblemáticos, reprodução de cartazes e eficientes letreiros (de fácil leitura). Para ajudar, fundo vermelho permitia que os espectadores realizassem suas fotos domésticas e pudessem postá-las instantaneamente na internet.

Mas no quesito ritmo, a “bateria” da “Noite dos Otelos” perdeu muitos pontos. Os veteranos do Cinema Novo danaram a falar. Até Antônio Pitanga, a quem cabia apenas entregar o Troféu Grande Otelo, quis discursar. Já eram cinco os oradores. Com ele, seis. Só Zelito Viana, um dos produtores de “Terra em Transe” e “Cabra Marcado para Morrer”, deu invejável show de síntese. “Quero estar aqui ano que vem, competindo (por um Otelo)”.

A mestre-de-cerimônia Dira Paes, que formou dupla com o cantor e ator Toni Garrido, mostrou segurança. O astro de “Orfeu do Carnaval” deu conta do recado, mas excedeu nos elogios e na reafirmação de estar ali, emocionado frente a tantos de seus ídolos cinematográficos. A dupla não consegui imprimir agilidade à cerimônia.

Nem a Academia solicitou que equipes muito grandes elegessem um (dois no máximo) oradores por cada título premiado. Batman Zavareze, que dirigiu a festa (roteirizada pelo craque Bebeto Abrantes) está no caminho certo. Só precisa lutar pela síntese e encontrar o ritmo necessário e desejável.

Quem aguenta quatro horas de agradecimentos aos colegas de esquipe (“ao Paulo, ao João, à Maria”) e a familiares? Quem sabe, ano que vem, antes da cerimônia, Alice Carvalho ministra “Oficina de Agradecimentos e Síntese” aos colegas”?!

Afinal, fora o show de Zelito Viana, o “brevíssimo”, houve pelo menos mais um discurso de tamanho exato e conteúdo arrebatador: o dela, Alice Carvalho, a protagonista feminina de “Cangaço Novo”(série vencedora em sua categoria).

Com segurança e muito por dizer, a atriz festejou seu ofício e lembrou, sem lamúrias, o quanto é difícil concretizar projetos e sonhos quando se vem de longe, no caso, do Rio Grande do Norte.

O cearense-brasiliense Jorge Paz, intérprete de Nonato, o alucinado sequestrador do vôo 357, da Vasp, também entabulou discurso potente. Falou do mesmo assunto, a arte dos periféricos, e dedicou seu prêmio à cidade-satélite de Planaltina (ex-município goiano agregado a Brasília). Mas pecou pela redundância. Ainda assim, emocionou o público.

O gaúcho Julio Andrade, melhor ator pela série “Betinho – No Fio da Navalha”, prometeu inovação em seu discurso de agradecimento. Sendo — além de ator —cantor, ele preferiu interpretar os pungentes versos de “O Bêbado e a Equilibrista” (Aldir & Bosco). Afinal, Betinho é citado na canção. A plateia, em coro poderoso, cantou junto. Pronto, estava dado o recado. Mas depois dos quase quatro minutos do “hino da anistia”, Julio danou a falar. A síntese não é, definitivamente, uma característica brasileira.

Ailton Graça, o agitado e talentoso intérprete de Mussum, levou boas ideias ao palco. Elogiou a troca do hípico (ou automobilístico) nome de GP do Cinema Brasileiro por Prêmio Grande Otelo (“vocês não sabem o significativo que é ter um ator negro como símbolo de prêmio tão importante). Depois, ao comentar a raridade da condição de protagonista em sua trajetória, ele saiu-se com delicioso neologismo – “sou um ‘pretagonista’”. Mas falou muito, também.

Por fim, registre-se, aqui, outro belo acerto da “Noite dos Otelos”: os números musicais. O agora octogenário Chico Buarque foi lembrado por Pedro Luís e Yuri Queiroga, que interpretaram “Joana Francesa”, canção-tema do filme homônimo, de Cacá Diegues, protagonizado por Jeanne Moreau, com Pierre Cardin de coadjuvante. As imagens, projetadas como cenário, deram ótimo resultado.

A homenagem ao tropicalista “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, com todos os cantores da noite liderados por Toni Garrido deu-se com o empolgante samba-enredo da Portela – “Macunaína índio branco catimbeiro/ Negro sonso feiticeiro// Vou-me embora, vou-me embora/ Eu aqui volto mais não/ Vou morar no infinito/ E virar constelação”.

Em noite de festa para o cinema brasileiro, que continua lutando pela reconquista de seu público, deu-se, até, a “reconciliação” entre Cinemanovistas e “Marginais”.

O filme-símbolo da rebelião anti-Cinema Novo verificada no final da década de 1960  – “O Bandido da Luz Vermelha” (Rogério Sganzerla, 1968) – foi festejado. No telão-cenário, assistimos ao brilho das imagens do “faroeste do Terceiro Mundo” sganzerliano. Aquele que, ao contrário do politizado Cinema Novo, provocava: “Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha”.

Confira os premiados:

CINEMA

. “Pedágio”, de Carolina Markowicz – melhor filme, direção e roteiro original
. “Elis & Tom – Só Tinha que Ser com Você”, de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay – melhor longa documental
. “Perlimps”, de Alê Abreu – melhor longa de animação
. “Pérola”, de Murilo Benício – melhor filme do júri popular
. “Turma da Mônica Jovem – O Reflexo do Medo”, de Maurício Eça – melhor filme infanto-juvenil
. “A Sociedade da Neve”, de J.A. Bayona – melhor filme ibero-americano
. “Mussum, o Filmis” – melhor direção de estreante (Silvio Guindane), melhor ator (Ailton Graça), figurino (Cássio Brasil), maquiagem (Mari Pin e Martín Macías Trujillo)
. “O Sequestro do Vôo 375”, de Marcus Baldini – melhor roteiro adaptado (Lusa Silvestre e Mikael Albuquerque), ator coadjuvante (Jorge Paz), montagem (Lucas Gonzaga e Gustavo Vasconcelos), efeitos visuais (Marcelo Cunha e Joaquim Moreno), direção de arte (Rafael Ronconi), som (Sérgio Scliar, Miriam Biderman e Ricardo Reis)
. “Tia Virgínia”, de Fábio Moura – melhor atriz (Vera Holtz), atriz coadjuvante (Arlete Salles)
. “O Rio do Desejo”, de Sérgio Machado – melhor direção de fotografia (Adrian Teijido).
. “Aumenta que é Rock’n Roll”, de Tomás Portella – melhor trilha sonora (Dado Villa-Lobos)
. “A Menina e o Mar”, de Gabriel Mellin – melhor curta ficcional
. “Thuë Pihi Kuuwi – Uma Mulher Pensando”, de Aida Harika, Edmar Tokorino e Roseane Yarina (todos na nação Yanomami) – melhor curta documental
. “Mulher Vestida de Sol”, de Patricia Moreira – melhor curta de animação

TELEVISÃO

. “Cangaço Novo”, de Fábio Mendonça e Aly Muritiba – melhor série, melhor atriz (Alice Carvalho)
. “Betinho – No Fio da Navalha”, de Lipe Binder – melhor ator (Julio Andrade)
. “O Caso Escola Base”, de Paulo Henrique Fontenelle – melhor série documental
. “Esquadrão do Mar Azul”, de Rubens Belli – melhor série de animação

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