Noite dos “Otelos” consagra “Ainda Estou Aqui” com treze troféus, “Malu” com três e “Senna” é eleita a melhor série brasileira

Foto: Walter Salles © Cláudio Andrade/Christian Rodrigues

Por Maria do Rosário Caetano

“Ainda Estou Aqui”, o longa-metragem de Walter Salles que levou 5.815.000 espectadores aos cinemas, recebeu consagração avassaladora na “Noite dos Otelos”, prêmio atribuído pelos 361 associados da Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais. Láurea que presta tributo à memória do ator Sebastião “Grande Otelo” Prata, o genial protagonista de “Rio Zona Norte” e intérprete do inesquecível “Macunaíma” preto de Joaquim Pedro de Andrade.

O filme que recriou o livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva,  disputou dezesseis categorias e triunfou em treze. Ou seja, fechou com chave-de-ouro maratona iniciada em setembro do ano passado, no Festival de Veneza, no qual teve seu roteiro escolhido como o melhor da competição. Depois, no calendário de prêmios hollywoodianos, vieram o Globo de Ouro de melhor atriz dramática para Fernanda Torres e o Oscar de melhor filme internacional.

A Academia reafirmou os três prêmios conquistados na Europa e nos EUA – melhor filme, atriz e roteiro – e ainda laureou Selton Mello como o melhor ator. E mandou ver nas categorias técnicas (fotografia, montagem, trilha sonora, figurinos etc. etc. mais etc.).

Exagero? Sim, se levarmos em conta que havia sólida concorrência ao longa mais festejado de nossa história – festejado pelo público (com a venda de quase 6 milhões de ingressos), pela Crítica, por festivais, pela Academia de Hollywood e, agora, pela Academia Brasileira.

Filmes de produções mais modestas, mas com ótimos resultados, ficaram de mão abanando. Caso de “Oeste Outra Vez”, de Erico Rassi, “Motel Destino”, de Karim Aïnouz, “O Dia que te Conheci”, de André Novais Oliveira, “Retrato de um Certo Oriente”, de Marcelo Gomes, e (até) “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal, apesar de seu excesso de boas intenções.

Defende-se, aqui, a reforma agrária de troféus, o distributivismo?

Não. Quando um filme deve “passar o rodo”, por não encontrar concorrentes à altura, que passe! Mas, dessa vez, havia safra virtuosa, que merecia reconhecimento por suas múltiplas qualidades. Mereciam, muitos deles, levar ao menos um pequeno-Grande Otelo para casa. Dos integrante de tal safra (raramente reunimos tantos e tão bons filmes), só um teve o reconhecimento merecido “Malu”, do diretor-roteirista Pedro Freire. Mesmo assim, sua atriz – a iluminada e “possessa” Yara de Novaes, de 58 anos – perdeu para o furacão Fernanda Torres.

A festa de premiação foi muito longa (também, com 30 categorias premiáveis!), mas bonita. Os laureados falaram mais que o homem da cobra. Por sorte, tinham o que dizer. Alguns (raros felizmente!) citaram listas de patrocinadores, colegas etc. Em trip egóica, esqueceram que os logotipos e créditos dos filmes já cumprem essa função. E que os agradecimentos aos amigos e parentes podem ser feitos em bares e lares. No espaço doméstico. Tanto que a Academia Espanhola acaba de baixar regulamento rígido: se um premiado subir ao palco, em grupo, só um terá direito à palavra. E não poderá ultrapassar um minuto de discurseira. No Brasil, sobem cinco, seis, sete pessoas e todas querem falar! Coitados dos espectadores. A festa dos “Otelos” começou pouco depois das 21h e foi até uma (e cinco) do dia seguinte.

Os discursos de Renata Almeida Magalhães, presidente da Academia, e do descolado prefeito do Rio, Eduardo Paes, resultaram longuíssimos. Mas não chatearam. Renata, porém, faltou com a verdade. Jurou, convicta, que ninguém, “ninguém!!!” conhecia a lista de premiados. Só a empresa que computava os votos. Mas aí, a cada premiado ausente, vinha um representante com o discurso prontinho enviado pelo… “laureado ausente”. Só uma representante usou construção condicional: “pedimos a ele que nos mandasse um agradecimento, caso fosse premiado”. Os outros nem disfarçaram.

A chinfra carioca temperou o discurso de Eduardo Paes, que usou o palco da Cidade das Artes Bibi Ferreira para dar a entender que será, mesmo, candidato a governador. Depois de apresentar robustas estatísticas de apoio ao cinema, garantiu que o vice-prefeito, que deverá assumir sua vaga, continuará apoiando a Cultura e o Audiovisual. E alfinetou o ex-prefeito Marcelo Crivella, que retirou o apoio ao Prêmio Grande Otelo. O jeito encontrado pela Academia foi exilar-se, temporariamente, em São Paulo, sede de duas edições. Como gosta de fazer, e derramando carioquice, o prefeito atiçou a briga Rio versus São Paulo e saiu do palco aplaudido. Dos quase 400 sócios da entidade, a maioria absoluta vive (e trabalha) na Cidade Maravilhosa.

Das intervenções de Renata Magalhães, uma merece louvor. Ela deu imenso destaque ao Prêmio Ibero-Americano e à sólida parceria da Academia Brasileira com suas congêneres na Península Ibérica, América Hispânica e Caribe. E destacou o Goya espanhol (que premiou “Ainda Estou Aqui”), o Prêmio Macondo colombiano, o Colibri (de onde?) etc., etc.

Lembremos que, num dos maiores erros de sua história, a instituição brasileira somou cinco ou seis blockbusters norte-americanos, desses que realmente arrasam quarteirão, para a disputa do Grande Otelo de melhor filme estrangeiro. O ator de Uberlândia e o venerado São Paulo Emilio Salles Gomes devem ter se revirado em seus túmulos. Por sorte, o comando da Academia verde-amarela sabe corrigir erros. Acabou com o prêmio internacional, já que as indicações vinham sendo delegadas aos próprios (e grandes) distribuidores-exibidores, vassalos históricos do bilionário cinema made in USA.

Outro erro, gritante, apareceu nessa edição. A lista oficial da Academia indicava cinco comédias – “O Auto da Compadecida 2”, “Câncer com Ascendente em Virgem”, “O Dia que te Conheci”, “Kasa Branca” e “Estômago 2” – para a categoria… tcham, tcham, tcham! … de melhor comédia. E avisava que a escolha se daria pelo voto do público (Júri Popular). Mas o vencedor foi “Milton Bituca Nascimento”, um documentário. Como assim?

A Revista de CINEMA buscou explicação para tão excêntrica solução e foi avisada que “o público poderia votar em todos os longas-metragens que disputavam os Otelos”. Então, urge que o gênero comédia desapareça da referida lista e que a regra seja anunciada sem a categoria de… melhor comédia.

“Bituca” tem uma legião de fãs, é um artista genial e seu filme teve significativa bilheteria para um documentário (quase 30 mil espectadores). Mas derrotar “Compadecida 2”, que vendeu 4,3 milhões de ingressos, parece esquisito, não?

Claro que o público de Bituca é mais mobilizado, digitalmente, que o da “Compadecida”. Daí o triunfo. Mas se a Academia acredita – no que está certa! – que o melhor filme pode ser um drama, um épico ou uma comédia, não faz sentido continuar usando artimanhas (melhor comédia segundo o público) para seguir destacando o gênero. Até porque o mundo digital gosta de dar rasteiras. Como a que a Academia levou ao premiar como melhor comédia um legítimo documentário.

Tudo leva a crer que “3 Obás de Xangô” foi escolhido como o melhor longa documental pelo público. O filme é delicioso – ninguém há de resistir à sequência em que Jorge Amado instiga o amigo Carybé a contar historias erótico-picantes. A Revista de CINEMA testemunhou, em festivais, sessões históricas desse longa. Mas, como contou o produtor do documentário laureado, Diogo Dahl, a celebração dos 3 Obás ainda “não conseguiu espaço no circuito exibidor”. Como é que o filme foi visto pelo público? A Academia o disponibilizou para todos os espectadores interessados?

Entregar a categoria longa documental somente à avaliação popular é algo problemático. Só esta decisão explica a não-premiação de “Othelo – O Grande”, de Lucas H. Rossi, ousada cinebiografia de Grande Otelo (com “h” no título). Um filme de alma experimental, com trabalho de som arrebatador e sem nenhuma “cabeça falante”. A Academia perdeu a chance de festejar o patrono de seu prêmio com obra inventiva e fora da curva, excepcional.

O baiano Sérgio Machado viveu noite de glória. Afinal, triunfou em duas categorias: além de melhor longa documental, levou para casa o Otelo de melhor longa de animação. Graças ao essencial “A Arca de Noé”, encantadora recriação de disco que Vinicius de Moraes e parceiros dedicaram à bicharada dos tempos diluvianos.

O filme, visto por quase 400 mil espectadores, somou Aloís Di Leo à direção, e parceria com a China, que vem se tornando uma potência da produção animada. Foi produzida no país da Grande Muralha, a maior bilheteria dos tempos modernos – “Ne Zha 2”, que rendeu quase 2 bilhões de dólares e entrou para a lista de filmes mais vistos do mundo. Os outros nove são estadunidenses.

A festa de premiação, engendrada por Batman Zavarese e roteirizada por Bebeto Abranches, foi dotada de beleza visual e de conteúdo substantivo. Homenageou-se a história do cinema brasileiro pela perspectiva de nossa inserção no planeta do audiovisual. Tudo começou com Syn de Conde, ator paraense que trabalhou em filmes da era silenciosa de Hollywood, e com o carioca Raul Roulien, que teve destino semelhante. Pena que as imagens desses pioneiros não tenham sido projetadas no telão e multiplicadas em nossa TV (problemas técnico?).

A cantora Duda Brack e a banda Primavera nos Dentes recriou três sucessos musicais brasileiros – “O que é que a Baiana Tem”, de Caymmi, que projetou Carmen Miranda nos EUA, “Bye Bye Brasil”, de Buarque e Menescal, e “É Preciso Dar um Jeito, meu Amigo”, de Erasmo Carlos, que renasceu ao ser integrada à trilha sonora de “Ainda Estou Aqui”.

As canções serviram para lembrar a vistosa Carmen Miranda, que “fez 14 filmes em Hollywood”, o filme “Bye, Bye Brasil” e, claro, o filme que sairia da Cidade das Artes com 13 estatuetas otelianas.

As imagens coletadas por Zavarese e Abranches prestaram tributo a Alberto Cavalcanti, nome brasileiro presente nas vanguardas europeias; ao Cinema Novo e aos curtas “Meow”, premiado em Cannes, e “Ilha das Flores”, em Berlim etc., etc. Imagens lindas, homenagens merecidas. Foi bonita a festa, pá!, mesmo com os probleminhas de percurso. Todos de fácil correção.

Confira os vencedores:

LONGA-METRAGEM E CURTAS

. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (RJ) – melhor filme, diretor, atriz (Fernanda Torres), ator (Selton Mello), roteiro adaptado (Murilo Hauser e Heitor Lorega), fotografia (Adrian Teijido), montagem (Affonso Gonçalves), trilha sonora (Warren Ellis), efeito visual (Claudio Peralta), som (Laura Zimmerman e Stéphane Thiébaut), direção de arte (Carlos Conti), figurino (Claudia Kopke), maquiagem (Marisa Amenta e Luigi Rochetti).

. “Malu”, de Pedro Freire (RJ) – melhor diretor estreante, melhor roteiro original (Pedro Freire), melhor atriz coadjuvante (Juliana Carneiro da Cunha)

. “Baby”, de Marcelo Caetano (SP) – melhor ator coadjuvante (Ricardo Teodoro)

. “3 Obás de Xangô”, de Sérgio Machado (BA-RJ) – melhor longa documental

. “Arca de Noé”, de Sérgio Machado e Aloís Di Leo (SP) – melhor longa de animação

. “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”, de Fernando Fraiha (SP) – melhor longa infantil

. “Grand Tour”, de Miguel Gomes (Portugal), melhor filme ibero-americano

. “Milton Bituca Nascimento”, de Flávia Moraes (SP) – melhor filme pelo Júi Popular

. “Helena de Guaratiba”, de Karen Black (RJ) – melhor curta de ficção

. “Você”, de Elisa Bessa (RJ) – melhor curta documental

. “A Menina e o Pote”, de Valentina Homem e Tati Bond – melhor curta de animação

SÉRIES DE TV E STREAMING

. “Senna”, direção de Vicente Amorim e Júlia Rezende – melhor série de ficção, melhor ator (Gabriel Leone)

. “Os Outros”, criação de Lucas Paraízo (RJ) – melhor atriz (Adriana Esteves)

. “Falas Negras – 4ª Temporada”, de Antonia Prado – melhor série documental

. “Irmão do Jorel – 5ª Temporada”, de Juliano Enrico (SP-ES) – melhor série de animação

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