Morto Não Fala

Por Maria do Rosário Caetano

O talento demonstrado pelo cineasta Dennison Ramalho em seus curtas “Amor Só de Mãe”, inventiva recriação do “Coração Materno” celestiniano, e “Ninjas”, exibidos e premiados em diversos festivais, jogava grande peso e curiosidade sobre sua estreia no longa-metragem. Pois ela se deu, mesmo que tardiamente, com “Morto Não Fala”, lançamento desta quinta-feira, 10 de outubro, no circuito comercial brasileiro.

O filme é fruto de adaptação de fonte literária – o conto homônimo de Marco de Castro – e teve sua trama ampliada e engendrada pelo próprio Dennison, em parceria com Claudia Jouvin, ela também cineasta (“Um Homem Só”, 2016).

Para narrar história de horror social e psicológico (sem deixar de lado a sanguinolência gore), Dennison se cercou de ótimos parceiros. A começar pela Casa de Cinema de Porto Alegre, produtora gaúcha de “Ilha das Flores” e “O Homem que Copiava”. Para o elenco, convocou nomes de talento reconhecido como Daniel Oliveira, Fabiula Nascimento, Marco Ricca, Bianca Comparato, Nélson Diniz e duas crianças, verdadeiras revelações, Annalara Prates (Ciça) e Cauã Martins (Edson). Nos créditos técnicos, são notáveis os trabalhos do fotógrafo André Faccioli, a montagem de Jair Peres e a música de Paulo Beto.

O cinema de horror brasileiro só viu tamanha qualidade de produção em outro filme que teve Dennison Ramalho em seus créditos, “A Encarnação de Demônio”, de José Mojica Marins, do qual foi roteirista (e Paulo Sacramento, montador de “Ninjas”, o abnegado produtor).

Daniel de Oliveira vive, com total entrega, o perturbado Stênio, protagonista absoluto de “Morto Não Fala”. Sem ele (e a paixão emocional e física empenhadas), o filme perderia muito de sua força. Casado com Odete (Fabiula Nascimento), Stênio não passa de um João ninguém, plantonista noturno de necrotério, sem tempo para atender aos desejos da exuberante e fogosa esposa, nem dar aos filhos (Ciça e Edson) a vida com a qual sonham todas as crianças.

Se, em casa e na periferia pobre e onde mora, Stênio é um ninguém, nas madrugadas do necrotério, ele se sente alguém. Afinal, tem o dom paranormal de falar com os mortos. Seu código, digamos, “de ética” baseia-se em regra básica: jamais repassar a terceiros as confidências que ouve dos cadáveres. Seja o morto um chefe de facção ou um rival. Só que um dia, um cadáver lhe revelará algo “inaceitável”: a esposa Odete o estaria traindo. Para complicar, o morto dará o serviço completo, ou seja, até o nome de quem o estaria corneando (um comerciante da vizinhança, interpretado por Marco Ricca). A partir de tal revelação, o homem ordinário vira bicho e traça seu plano de vingança. Sem imaginar que seus atos farão desencadear terrível maldição, composta de perigo e morte, sobre os que o cercam e por ele têm afeto.

A espiral da vingança desencadeará forças incontroláveis. Ao protagonista e a seus filhos, se unirá uma dócil – e maternal – jovem, Lara (Bianca Comparato). Uma inocente arremessada vertiginosamente em fatos que se processam sob o signo do mal. Com habilidade de veterano, Dennison promoverá um banho de sangue e sustos nunca vistos no cinema brasileiro, ainda frágil no gênero horror-terror.

“Morto Não Fala” integrou a seleção oficial da Première Brasil, a mais importante competição do Festival do Rio e foi selecionado para mais de 30 festivais nacionais e internacionais.

Um detalhe curioso: embora pareça um filme cem por cento paulistano, ambientado nas bordas da maior metrópole sul-americana, “Morto Não Fala” foi integralmente rodado em Porto Alegre. As potentes (e habilidosamente fotografadas) imagens da periferia paulistana somam-se ao trabalho de estúdio, graças ao poder mágico do cinema, esta arte capaz de nos fazer acreditar em muita coisa. Até em mortos que falam.

Morto Não Fala
Brasil, 110 minutos, 2019
Direção: Dennison Ramalho
Elenco: Daniel de Oliveira, Fabiula Nascimento, Bianca Comparato, Marco Ricca e as crianças Annalara Prates e Cauã Martins
Produção: Casa de Cinema de Porto Alegre, Globo Filmes e Canal Brasil
Distribuição: Pagu Pictures

Filmografia
Dennison Ramalho
Formado em Jornalismo pela PUC-RS e mestre em Cinema pela Universidade Columbia (Nova York-EUA)

Como diretor

. 2019 – “Morto Não Fala” (longa ficcional)
. 2014 – “O ABC da Morte 2” (“J de Jesus”) – projeto coletivo
. 2010 – “Ninjas” – curta-metragem
. 2003 – “Amor Só de Mãe” – curta-metragem
. 1998 – “Nocturnu” – curta-metragem

Como roteirista

Além de escrever os próprios filmes (com parceiros ou não), Dennison é coautor do roteiro de “A Encarnação do Demônio” (José Mojica Marins, 2008) e coautor das séries “Supermax” e “Carcereiros”, ambas de 2016 (Rede Globo).

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